Tem exemplos inspiradores e práticos de ativistas que mudaram sua realidade na África francófona pela militância digital?
Tem alguns que tiveram consequências e uma boa repercussão. Eu gosto sempre de citar o caso de uma ativista da Guiné, Fatoumata Chérif, que lançou uma campanha que se chama #SelfieDéchets. Déchet é basicamente lixo, resíduos.
A falta de saneamento básico é um problema que a gente observa em todos os países africanos. Então ela ia a um edifício público, muito bonito, só que ao lado, bem na entrada, tinha um amontoado de lixo enorme. Isso acontecia perto das escolas, das igrejas. Ela tirou selfies mostrando esse paradoxo entre os prédios bonitos e o lixo.
A campanha consistia em convidar os usuários a publicar fotos onde havia esse contraste. Isso levou a uma repercussão muito importante, chegou a passar em canais de televisão como France24, meios como El País Espanha, TV5. E o próprio governo da Guiné começou a se preocupar com esse problema. Criaram uma espécie de secretaria para lidar especialmente com saneamento, de reciclagem. Até empresas europeias decidiram abrir usinas lá para reciclar esses lixos.
No Brasil é comum usar a expressão "ativista de sofá" para quem milita na internet. É possível mudar o mundo do sofá?
Acho que é possível e que não faz sentido criticar [esse tipo de ativismo dessa forma]. Primeiro que, para ser compreendido pela sociedade, o ativismo precisa produzir um discurso compreensível e muitas vezes isso passa justamente por essas pessoas, que passam muito tempo no sofá, na solidão da leitura e da escrita.
Quando a gente estava falando da mobilização em francês e em inglês sobre a questão da morte do João Alberto, é preciso encontrar as palavras, os usos adequados para as plataformas onde se está fazendo a militância, porque elas demandam uma competência muito específica de uso das redes sociais, não é uma coisa que todo mundo usa de forma profissional. Então acho que tem esse aspecto, de que há uma preparação discursiva, intelectual, da produção da linguagem, do discurso, do debate sobre o que interessa para o movimento.
O segundo ponto tem a ver com essa falsa separação entre o virtual e o real, como se não existisse relação. Então se desqualifica alguém como ativista de sofá como se o virtual fosse totalmente desligado do mundo real. Acho que tem níveis de passagem da rede pra rua que a gente ainda não domina, não sabe exatamente como acontece. Uma presença virtual muito intensa às vezes pode significar uma presença da sociedade na rua muito menor e inversamente também, uma forte presença na rua pode significar menor presença no mundo virtual, mas são formas de existir, são níveis diferentes de existência que estão conectados.