O guru e as árvores

Suíço atrai legião de seguidores após fazer renascer rios e árvores na Bahia

Marcos Candido De Ecoa, em São Paulo Divulgação

O suíço Ernst Gotsch, 73, é descrito por seus alunos como um filósofo, um inventor de personalidade forte e, acima de tudo, um agricultor habilidoso. Alguns largam tudo para segui-lo. É que Ernst desenvolveu, no sul da Bahia, a chamada Agricultura Sintrópica, que reproduz o funcionamento de uma floresta.

Tradicionalmente, as grandes plantações fazem um plantio ordenado, com uma ou pouco mais de duas espécies em um mesmo terreno e o uso de produtos químicos para evitar insetos e aplicar vitaminas no solo. Ernst acredita que essa agricultura maltrata o solo e os animais e ignora o fato de que a natureza se organiza e se protege muito bem sozinha.

Na Agricultura Sintrópica, espécies diferentes são plantadas de maneira aparentemente desordenada, sem queimar a terra ou canalizar água para a irrigação. Cada planta tem o próprio tempo de crescimento e elas se ajudam a sobreviver — como numa floresta nativa.

Para estudiosos e admiradores, a Agricultura Sintrópica é uma saída sustentável relevante. Alguns a consideram necessária para a geração de comida e conservação das árvores. Estudos mostram que ela é capaz de fazer reviver riachos que há muito se acreditavam mortos: foram 14 nascentes, segundo o agricultor, embora um estudo da Universidade de Brasília estime o ressurgimento de 18 nascentes.

Mas será que a prática de um suíço na Bahia, em um bioma tão brasileiro como a Mata Atlântica, pode de fato mudar a agricultura brasileira?

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A agrofloresta do suíço Ernst Gotsch

"Olha o gringo doido"

Ernst Götsch nasceu em Raperswilen, Suíça, e mudou para a Bahia na década de 80 após morar em países como a Namíbia e Costa Rica. Filho de pequenos agricultores e com sete irmãos, tinha fama de provocador na escola. Foi expulso três vezes. O pai o levou para trabalhar nos Alpes. Apesar da beleza da paisagem, a intenção era castigá-lo e preservar a reputação da família. "Para mim, não foi castigo. Foi um presente", diz.

Aos 24, trabalhou na agência estatal Zürich-Reckenholz com melhora genética de plantas. "Mas será que não dá para fazer diferente?", se perguntava. Foi quando teve contato com a ecologia, ciência que estuda o meio ambiente como sistema conectado.

Ernst pediu demissão e comprou terras na Europa para testar o que tinha em mente: uma agricultura mais ecológica, debruçada sobre o conceito de que os seres vivos estão conectados e produzindo vida de forma incessante. Mas a experiência não durou muito e, em 1982, o suíço aceitou o convite de um amigo para cultivar cacau na Bahia.

"Olha o gringo doido", costumava ouvir. A alcunha tinha motivo. Os hectares onde trabalhava haviam sido exauridos por décadas de incêndios para a pastagem de bois, sem o menor sinal de que dali poderia brotar algo novamente.

Em uma região onde a maioria da população era negra, um estrangeiro branco, com sotaque ainda carregado e à frente de um negócio fadado ao fracasso alimentava curiosidade. Assim que a floresta começou a crescer, também aumentavam a fama e o respeito do gringo.

Rendendo frutos

Décadas depois da chegada de Ernst na Bahia, já em 2020, o vendedor Rafael "do Basquete", 48, estava quebrado. Sua gráfica em Tabuleiro do Norte, Ceará, havia falido no ano anterior e ele estava cheio de dívidas. Para sobreviver, passou a vender aros de basquete pela internet — daí o apelido.

Quando a pandemia começou, ele passou a se lembrar da infância no sertão. Um amigo lhe deu a ideia de comprar uma fazenda e retornar àquela vida do passado, embora Rafael entendesse muito de basquete e pouquíssimo de agricultura.

Um dia, buscando aulas no YouTube, encontrou vídeos de Ernst. "Parecia uma ideia absurda, mas [me interessei ao ver] que a técnica dele não usa produtos químicos, máquinas pesadas, e funcionava em qualquer vegetação no país", diz.

Rafael pegou dinheiro emprestado de amigos, vendeu uma casa e comprou um terreno com 17 hectares por R$ 65 mil. "O dono me disse que a terra era ruim, tinha muita árvore que precisaria desmatar — ele não entendia que eu não queria desmatar." Para começar, plantou caxambu, seriguela, pinha, coqueiros e plantas com crescimento mais rápido, como feijão. A vegetação começou a crescer e deu frutos.

Rafael não está sozinho. "Ernst é referência para tudo", diz Marcelo Prata, 48, dono de uma agrofloresta nos moldes sintrópicos na Caatinga, em Sergipe. Há também youtubers que ensinam técnicas inspiradas na Agricultura Sintrópica, como Érika Canto, 22, gaúcha que mora na Bahia. Para ela, a sintropia quebra o "paradigma de que as plantas competem o tempo todo. Nesse caso, a cooperação entre elas é que faz com que vivam mais felizes", diz por e-mail a Ecoa.

A filosofia sintrópica

Há também uma filosofia que explica a popularidade da Agricultura Sintrópica. Nessa agricultura, a plantação é como um organismo capaz de gerar energia constante para reger uma infinidade de vidas que cuidam uma das outras — uma organização sintrópica, que controla o caos original.

Segundo o suíço, quando a vegetação não se regenera ou não dá frutos — ou quando é comida por insetos — é sinal de que há desequilíbrio entre as relações naturais, provavelmente vítimas da interferência humana.

Ernst não utiliza agrotóxicos. Em sua floresta, os insetos se alimentam apenas de uma espécie de planta e, saciados, desaparecem sem se reproduzir de maneira desenfreada — como se fossem naturalmente expulsos. Em uma monocultura, os insetos têm o "prato favorito" à vontade e, sem predadores, são rotulados como "pragas".

Para Dayana Andrade, divulgadora e doutora em Agricultura Sintrópica, a ideia de colaboração é parte do apelo dessa filosofia. "Na cidade, as pessoas partilham de muitas angústias", diz. "[Na Agricultura Sintrópica] há uma reflexão sobre a competitividade em que fomos educados. A ideia de colaboração entre plantas pode ser extrapolada para as relações humanas", diz.

Ernst não foi o primeiro a pensar nesses termos. Dayana afirma que essa filosofia se assemelha à de pensadores da agricultura orgânica na Europa dos anos 70 e, possivelmente, de povos indígenas da América Latina que manejam cacau, com os quais ele teve contato. Nos dois casos se prega uma agricultura sustentável a partir do respeito às leis da natureza.

A partir dessa visão [da Agricultura Sintrópica], você pode refletir sobre cuidado, expectativa sobre o futuro e trabalho saudável, coisas de que as pessoas estão carentes. Existem muitos temas transversais à agricultura que podem dar um sentido prático aos seus valores. É um dos motivos para as pessoas se atraírem tanto [pelas ideias de Ernst].

Dayana Andrade, divulgadora e doutora em Agricultura Sintrópica

Apesar disso, a Agricultura Sintrópica ainda enfrenta dificuldades técnicas. Ainda imperam apetrechos manuais como facões e enxadas, por exemplo. "O maior problema são ferramentas", diz. A ausência de produtos químicos também pode causar instabilidade para planejar futuras colheitas e, consequentemente, exige muito conhecimento técnico, paciência e, principalmente, dinheiro de agricultores nem sempre dispostos a arriscar.

Um estudo da UnB demonstra que Ernst se pagou em dois anos com mandioca, uma espécie resistente ao solo degradado, e com maracujá, com 29 toneladas de material por hectare no segundo ano. É um macete: as plantas que crescem mais rápido podem ajudar a "pagar a conta" das que levam mais tempo para gerar madeira ou frutos.

No quinto ano, Ernst produziu 7 toneladas por hectare/ano. No 15º, foram 29 toneladas anuais por hectare de espécies como lima, abacate e até eucalipto. Durante o período, uma nascente de rio ressurgiu na fazenda para auxiliar o equilíbrio e melhorar a qualidade do solo.

A mesma pesquisa mostra que uma fazenda localizada na região norte teve média de 2,8 toneladas de produção por hectare ao ano, em 25 anos, enquanto a expertise do suíço lhe rendeu uma média de 20 toneladas de produção por hectare anualmente no mesmo período.

O estudo conclui que Ernst é capaz de competir com grandes produtores e que o negócio pode ser financeiramente atraente para pequenos agricultores com menos dinheiro para grandes máquinas.

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A gente conhece gênios da matemática, das artes, da música. Mas gênio da agricultura? É um posto solitário.

Felipe Pasini, pesquisador

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Ernst circula por um terreno com o facão na mão e experimenta ferramentas para ampliar a Agricultura Sintrópica. "Vai dar certo", diz. Imagens aéreas mostram que a Fazenda Olhos d'Água é, na verdade, uma floresta. O suíço costuma se referir a si mesmo como um "fóssil" inspirado em ensinamentos da antiguidade e, como um mestre da Grécia antiga, costuma citá-los para agricultores iniciantes, agrônomos e professores que participam de cursos ministrados por ele.

Ele não tem uma religião, mas diz que todas fazem bem ao homem, se seguidas como planejaram seus criadores. Embora não se sinta confortável com o termo "Agricultura Sintrópica", por receio de virar uma moda personalista, é difícil negar o apelo entre admiradores.

Como outros pesquisadores, Felipe Pasini fez um mestrado sobre o tema e passou a divulgar a técnica de Ernst nas redes. Para ele, o ponto alto é pensar em uma espécie de terceira via entre conservar, reflorestar e colher o que vem da natureza de maneira sustentável e integrada.

Quando Ernst é questionado sobre a responsabilidade de mudar o curso na vida de quem o ouve, ele, sem querer, remonta uma versão diferente de quando foi castigado nos Alpes. Agora, não é mais o filho problemático, mas o pai. "Quando um filho aprende as coisas boas do pai, você já pode se despedir do mundo sem rancor. Em outras palavras, é missão cumprida", conclui.

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