Fazendo um rock rural

Cultuado vocalista no 'underground', Teco Martins largou a cidade para criar uma agrofloresta no campo

Marcos Candido De Ecoa, em São Paulo e Indaiatuba (SP) Keiny Andrade

Em um sítio localizado entre grandes plantações de cana e milho, um homem acorda cedo, veste um chapéu, calça as botas e cuida de uma pequena horta orgânica para alimentar a família com alimentos cultivados sem agrotóxicos. É um agricultor incomum no interior de São Paulo. Em seus braços, há tatuagens e, no rosto, uma barba longa, pintada de verde. O nome dele é Teco Martins, 35. Para muitos, uma lenda do rock.

Por 15 anos, Teco foi vocalista da banda Rancore, criada em São Paulo nos anos 2000. O grupo não teve contrato com grandes gravadoras e lançou só três álbuns, mas os fãs esgotavam em pouco tempo os ingressos de todas as apresentações do quinteto hardcore. Muitos tatuaram o símbolo da banda e ao menos um deles tatuou o rosto de Teco na perna. O músico era o principal letrista das músicas, cantadas palavra por palavra pelo público de milhares que seguia a banda pelo país. Mil pessoas o viam tocar violão em uma praça. O Rancore estava entre as mais pedidas da MTV, e Teco aparecia em programas da emissora.

"A poesia das letras do Teco não era comum. Ele trazia brasilidades para o [rock] hardcore. Sempre foi um grande frontman", explica Di Ferrero, vocalista do NX Zero e agora em carreira solo. "Antes das redes sociais, o Rancore e o Teco já tinham o que hoje chamam de seguidores", diz Ricardo Drago Kako, produtor de shows e distribuidor do primeiro álbum do Rancore.

Teco estava no auge, mas deixou tudo para trás: a fama e a cidade. Decidiu ver crescer frutas, tubérculos e vegetais em seu quintal. "Não volto nunca mais para São Paulo", diz.

A nova vida começou há cerca de seis anos. Teco se ofereceu para reformar a casa de um amigo em Indaiatuba, no interior de São Paulo, e se comprometeu a capinar o mato e criar uma horta. Centenas de cobras saíam debaixo das pedras imensas do terreno, que ele chama de "mar de pedras". O facão tinha dificuldade de avançar pela mata.

Teco queria testar uma novidade: a agrofloresta. O método recria uma floresta na qual o agricultor cultiva espécies diferentes, o que faz ressurgir a paisagem original e o solo se tornar fértil. Nesta técnica, a natureza combate os insetos sozinha, sem uso de agrotóxicos e produtos químicos. A agrofloresta é o contrário da monocultura, quando é cultivada uma espécie em áreas extensas e, geralmente, com grande quantidade de produtos químicos.

As pesquisas indicam que a agrofloresta é rentável, sustentável e capaz de reviver nascentes de rios. Há também um viés filosófico. A técnica não usa termos como plantas "invasoras", "pragas" ou "parasitas". Na verdade, os vegetais têm um "amor mútuo e condicional", e o que para muitos é conhecido como praga, aqui são apenas insetos.

O objetivo de Teco com a horta é gerar alimento para a família e se tornar professor e divulgador da agrofloresta. "Não estamos em guerra contra a terra", diz Teco. "E nós, humanos, se tentarmos, com certeza vamos perder".

Teco é filho de um policial militar que o obrigou a trabalhar se quisesse viver de música. "Ele dizia que era coisa de vagabundo", diz. Desde a infância em Pirituba, zona norte de São Paulo, considera-se muito sensível. "É um cara com uma leitura muito peculiar das relações entre as pessoas", diz Conrado Grandino, amigo de infância, ex-colega de Rancore e baixista do NX Zero.

A sensibilidade foi boa e ruim. Com 12 anos, ele se aproximou do rock politizado, brigava no centro da cidade, bebia e usava a droga que lhe fosse oferecida. Até os 18, mesclou dois elementos incendiários: raiva e tristeza.

O emprego piorava a situação. Se hoje trabalha entre as árvores, no passado era um punk enclausurado em uma sala de almoxarifado. "Era uma geração sem perspectiva de futuro e com problemas sociais menores", diz.

Por outro lado, a caraterística o ajudou a escrever e ouvir artistas incomuns entre os punks, como Dorival Caymmi e Adoniran Barbosa. Enquanto algumas bandas compunham em inglês, Teco fez parte da cena underground que decidiu escrever só em português.

Deu certo: em 2006, o primeiro álbum, "Yoga, Stress e Cafeína", bombou no Hangar 110, casa de show famosa por bandas como CPM 22 e NX Zero, em São Paulo. As letras de Teco narravam crises existenciais e pouco de relacionamentos amorosos, o mais comum à época. A canção de abertura que leva o nome do disco se pergunta se "todo o esforço da vida" é em vão. "Eu estava bem deprê e com cobrança familiar", diz. "Ninguém da banda sentia tanto as coisas como eu sentia".

Hoje, quando o relógio se aproxima da hora do almoço, Teco colhe uma escarola, tomates e um mamão da horta orgânica. A cabra de um vizinho solta um béééé, borboletas laranjas e amarelas pousam em folhas e a cachorra Jurema toma banho em uma poça. É a vida que desejava: uma oposição à cidade.

No segundo álbum do Rancore, "Liberta", Teco se aproximou de leituras espirituais cristãs, esotéricas e ligadas ao xamanismo. Não à toa, há um espaço para a consagração da ayahuasca perto de sua horta, com planetas coloridos pendurados no teto. A experiência começou em 2007, quando encontrou um grupo de ayahuasca em Minas Gerais. A intenção era "ficar doidão" com os alucinógenos, mas se viu transformado pelos efeitos do ritual.

Teco parou de beber e comer carne, repensou a relação com os pais e a responsabilidade com o público. "Eu senti que interiorizaram demais as minhas letras deprimidas", diz. "Eu queria que as pessoas buscassem uma transformação."

A barba cresceu junto com a percepção sobre a natureza. O público aumentou, virou uma comunidade e começou a se tatuar com o símbolo que aparecia na capa do álbum, um traço ondulado de inspiração hindu. O disco tem letras mais otimistas, mas não adiantou: o vocalista já era visto como um líder.

Ele parecia ser visto quase como um sacerdote e isso o incomodava. Os fãs se ajoelhavam. É uma responsabilidade emocional muito grande e gera uma dependência intensa dos fãs, uma coisa que o Teco nunca gostou

Henrique Candinho Uba, guitarrista e fundador do Rancore

A agrofloresta usa um "sistema de sucessão". As espécies com crescimento mais rápido são plantadas à frente para estimular os nutrientes no solo, como o feijão, tomate ou mandioca. Com ajuda das plantas, minhocas e formigas, o solo se torna mais fértil.

Depois, vão as mais altas e com crescimento acelerado, como o guapuruvu, que cria sombra e controla a luminosidade por meio de podas. Há ainda aquelas que demorarão décadas para se juntar às demais.

Na visão filosófica, o sistema é como um "agradecimento" das mais experientes àquelas que vieram antes. Assim, a agrofloresta se protege e produz em harmonia, como uma floresta sem intervenção humana. Segundo pesquisas, o lençol freático se umidifica, chove mais e se pode reviver nascentes secas. No futuro, Teco vislumbra ter uma pequena floresta como essa.

No terceiro álbum do Rancore, "Seiva" (2011), Teco usou os elementos da natureza que lhe fascinaram na agrofloresta e no xamanismo. A faixa "Mãe" entrou na trilha sonora da novela Malhação em 2012. Dois anos depois, porém, Candinho se mudou para a Europa. Segundo o guitarrista, os demais membros saíram para outros projetos ou insatisfeitos com os rumos de um novo álbum, jamais lançado, e não houve briga.

Teco continuou solo. Naquela altura, preferia o violão na rua, as músicas ritualísticas do grupo Luz Ametista e a brasilidade do conjunto Sala Espacial, sem pressão para lotar casas de show. Aos poucos, deixou São Paulo e foi para a roça. Parou de dar entrevistas - as conversas para essa reportagem foram uma exceção.

Com o cancelamento dos shows pela pandemia em 2020, Teco imaginava que precisaria ficar dois meses em isolamento social, mas o tempo passou. "Me fez mal para a cabeça", diz.

Assim, sentiu que tinha uma nova missão. Na verdade, era uma tarefa similar a tocar violão na praça. Dali em diante, daria aulas sobre agrofloresta, a preços módicos, com o único objetivo de se aproximar de novas pessoas e divulgar uma mensagem. Ele também compôs canções inspiradas na agrofloresta.

A divulgação do contato com a terra foi um processo terapêutico para alguém que sempre sentiu muito. A fama nunca lhe ajudou nesse sentido. "Nossa sociedade é viciada em criar ídolos. Mas por que um músico? Por que ninguém tem um pôster de um bombeiro pendurado no quarto? Ou de um enfermeiro?", diz.

"[O fim da banda] não foi triste. Foi bonito. Foi verdadeiro. Acabou na hora certa: eu tinha 27 anos, a hora da morte do rockstar", continua. "Nossa sociedade adora o auge e a queda de um ídolo. Mais cedo ou mais tarde, elas veriam que sou um cara normal, com acertos e erros. Eu me sentia pressionado, hoje não sinto mais."

Teco nunca esteve tão produtivo na música e nas aulas sobre agrofloresta. Hoje, diz ter uma relação boa com o pai e, no fundo, não queria decepcioná-lo. Assim como na agrofloresta, o músico já tem um sucessor. Há um ano nasceu o filho de Teco, Samuel, que engatinha pelo sítio. "A agrofloresta salvou minha vida", afirma.

O Teco ainda não chegou ao auge. Para mim, ele é como o Raul Seixas

Caco Grandino, ex-Rancore e baixista do NX Zero

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