"Estava em uma prisão mental", relembra Ísis (nome fictício). É como ela define sua condição, anos depois de sofrer uma tentativa de estupro. O ataque foi em 2014, quando tinha 31 anos. Sozinha, porque o marido trabalhava em outro estado, e com três filhos para criar, assistiu a sua vida emocional gradualmente entrar em colapso. O cotidiano se tornou um inferno.
Tudo começou quando precisou ir ao supermercado à noite. No meio do caminho, foi surpreendida por uma chuva muito forte. Ela parou para se proteger em um trecho escuro e vazio. A ideia era só esperar um pouco para não ficar toda molhada, mas esse tempo foi o suficiente para ser atacada por um homem com uma chave de fenda na mão.
Ela reagiu e conseguiu repelir o agressor, porém teve rosto, cabeça e ouvido cortados pela ferramenta. "Sinto dores no ouvido até hoje", comenta. E, claro, as feridas não foram apenas no corpo. Ísis até tentou tocar a vida em frente, mas não conseguiu. "Cheguei ao ponto de não sair mais de casa. Meus filhos faltavam semanas inteiras na escola porque não tinha condições de levá-los", relata.
Depois de dois anos de idas e vindas a psiquiatras e psicólogos, foi diagnosticada com TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático). Tomou vários remédios: escitalopram, fluoxetina, zolpidem, agomelatina e quetiapina. Apesar de eventuais melhoras, o quadro nos dois anos seguintes se agravou. Depressão, pensamentos suicidas, isolamento e angústia a atormentavam diariamente.
Até que um dia uma publicação nas redes sociais chamou a atenção. Um post anunciava uma seleção de voluntários para o primeiro ensaio clínico do Brasil com MDMA (ou metilenodioximetanfetamina). A droga psicodélica, que na década de 1980 recebeu o apelido de ecstasy, está próxima de ser legalizada nos Estados Unidos para uso em psicoterapia para o tratamento de traumas.
Ísis se inscreveu e foi uma das selecionadas. Durante o tratamento, que durou 15 semanas, ela participou de três sessões com uso do MDMA. Segundo ela, foram experiências intensas, catárticas, em que reviu questões da infância, do começo da sexualidade, de sua visão de mundo e também do abuso sofrido.
Cantou, gritou, esperneou, chorou e perdeu a noção do tempo, mas, segundo ela, reencontrou o amor próprio. Hoje se diz curada. Detalhe importante: um ano após concluir o tratamento experimental, afirma se sentir bem. Retomou a vida, os estudos e a família. Ela diz que, hoje, não faz uso de nenhum medicamento.
Casos semelhantes animam cientistas do mundo todo, que se dedicam a estudar os psicodélicos. O entusiasmo não é sem motivo. Resultados de pesquisas mais recentes apontam para uma mudança de paradigma, que não pode mais ser ignorada. Não se trata apenas de substâncias cercadas por polêmicas e controvérsias, como ayahuasca, cogumelos, LSD, MDMA. Implica também uma outra concepção sobre doenças, cérebro, mente, consciência, vida e morte.
Classificados como perigosos alucinógenos e proibidos por décadas, os psicodélicos, impulsionados por avanços de estudos científicos, ressurgem agora como uma possibilidade poderosa e inovadora para o tratamento de doenças mentais em seus estágios mais severos e resistentes aos tratamentos disponíveis, como dependência química, depressão e TEPT. E podem trazer benefícios até para pessoas saudáveis, como no desenvolvimento cognitivo e da criatividade.