A hora da diversidade

Com preocupação crescente por quadro de funcionários plural, empresas têm de garantir inclusão também no topo

Paula Rodrigues De Ecoa, em São Paulo Victor Vilela/UOL

Não é novidade alguma dizer que muita gente nesse país trabalha porque precisa. No caso de um menino de Salvador, a necessidade veio cedo demais: aos 13 anos. Seu pai havia morrido, deixando a mãe sozinha para cuidar dos quatro filhos. Para ajudar em casa, Silvio Silva, hoje com 45 anos, fez de tudo um pouco: foi garçom, motorista e vendedor de abadá, para citar alguns exemplos.

A carteira assinada veio seis anos depois, quando se tornou repositor da Johnson & Johnson nos mercados da capital baiana. Apesar de não fazer ideia do que um repositor fazia, foi assim mesmo, na cara e na coragem. Naquele momento, o importante era ter dinheiro suficiente para conseguir pagar a faculdade de ciências contábeis que tinha começado há pouco.

"Eu não tive a oportunidade que os jovens para quem eu dou mentoria hoje têm. O meu negócio era: tendo oportunidade, eu vou, independente de como era", conta ao afirmar que, de oportunidade em oportunidade agarrada, acabou virando diretor comercial da empresa.

Além do mérito próprio, ele diz que também deu sorte de encontrar líderes e ambientes mais abertos a discutir diversidade no trabalho. Sua entrada na empresa aconteceu em maio de 1996. Naquela década, a pauta começava a chegar nas organizações, e o perfil dele, um jovem negro de periferia, passava a ganhar algum espaço nas empresas, mesmo que ainda insuficiente. Agora o cenário mudou. Segundo pesquisa realizada pela Mais Diversidade, 97% das empresas brasileiras pretendem investir em diversidade em 2021.

Diversidade como resposta

A conversa sobre diversidade chegou às empresas brasileiras na década de 1990, com filiais de multinacionais dos Estados Unidos no país. Àquela época, as empresas norte-americanas passavam por transformações estruturais, como resultado da pressão que movimentos negros, feministas e LGBTQIA+ faziam mais intensamente desde os anos 1970, sempre cobrando mais inclusão na sociedade como um todo.

Como explica o pesquisador e consultor de diversidade e inclusão Ricardo Sales, tanto lá quanto em solo brasileiro, "criar políticas internas contra discriminação foi a resposta dada pelo meio empresarial para as reivindicações do povo."

Nos anos que se seguiram, e especialmente na última década, grandes empresas vieram a público assumir compromissos e firmar metas para promover mais diversidade e inclusão no quadro de funcionários. Em sua tese de mestrado, publicada em 2017, Ricardo analisa o Fórum de Empresas e Direitos LGBT+, iniciativa que nasceu em 2013 reunindo 110 grandes empresas que demonstram seu compromisso com a inclusão da população LGBTQIA+ em seus negócios.

A empresa precisa entender o cenário dela para lidar com essas pautas. Esse diagnóstico pode se dar no sentido quantitativo, com um censo, mas também no qualitativo, porque no caso da população LGBTQIA+ é o ambiente que vai dizer se a pessoa se sente confortável ou não para assumir sua identidade. Logo depois, é necessário o envolvimento da liderança com o assunto. Na sequência, é fazer um planejamento para que haja a definição de objetivos. Por fim, sensibilização e análise. As empresas precisam realizar um trabalho pedagógico que deve ser permanente.

Ricardo Sales, pesquisador e consultor de diversidade e inclusão

Ações afirmativas para inclusão

Precisou vir do governo federal, em julho de 1991, uma lei específica para contratação de pessoas com deficiência para que esse público fosse inserido nos projetos de diversidade. Desde então, a Lei de Cotas estabelece que de 2% a 5% das vagas em empresas com mais de 100 funcionários devem ser destinadas a pessoas com deficiência.

Logo após sofrer um acidente e ficar paraplégica, Carolina Ignarra diz que chegou a ser contra e até se sentir ofendida quando era procurada por causa da lei. "Eu estava vendo só meu umbigo. Depois eu percebi que todos os privilégios que eu tinha, outras pessoas com deficiência não tinham. Aí entendi a importância dela", conta, apesar de sonhar que um dia não seja mais necessário trabalhar para assegurar o direito da pessoa com deficiência de conseguir um emprego.

Desde 2003 ela oferece consultorias para empresas na hora da contratação e da inclusão dessas pessoas no trabalho. Sua empresa de consultoria, a Talento Incluir, é estruturada em quatro pilares: o primeiro é de conscientização, quando começam a trabalhar a cultura interna da empresa, promovendo palestras e workshops sobre o assunto.

A próxima etapa é de inclusão porque "não é apenas contratar, precisa ter estrutura de inclusão e integração", como ela explica. O terceiro pilar é o da acessibilidade. No caso de pessoas com deficiência, a empresa precisa pensar em mudanças arquitetônicas, para que isso não se torne mais uma barreira.

"O quarto pilar é a continuidade. É preciso cuidar do desenvolvimento da carreira para assegurar que a pessoa com deficiência vai ter chances de crescer e de percorrer aquela carreira dentro da organização como todos os outros. Eu vejo que precisou de lei para PCD [pessoa com deficiência] para incentivar essa mudança", diz Carolina.

Nos últimos anos, grandes empresas apostaram em ações afirmativas pontuais para conseguir mudar uma estatística: há apenas 4,7% de pessoas negras em cargos de chefia nas 500 empresas brasileiras pesquisadas pelo Instituto Ethos. Dois casos emblemáticos voltados a melhorar esses números ganharam o noticiário no ano passado: os programas de trainee para pessoas negras de Bayer e Magazine Luiza. No caso do Magalu, o programa nasceu após uma pesquisa interna apontar que só 16% dos cargos de liderança eram ocupados por pessoas negras.

"Nós já vínhamos buscando lideranças negras nos trainees anteriores. Inclusive, fazendo recrutamento às cegas. Mas quando chegava no final, as pessoas negras não vinham, ou pelo menos não vinham na quantidade que a gente queria. Aí percebemos que essas pessoas não estavam se sentindo convidadas a participar", diz Patrícia Puga, diretora executiva de gestão de pessoas do Magazine Luiza.

Ações assim, na opinião de Patrícia, só dão certo quando passam por alguns pontos: o primeiro é o apoio forte das lideranças da empresa, até para "quebrar as resistências internas", depois é fundamental que o quadro de funcionários inteiro passe por uma sensibilização e capacitação para que as pessoas não só estejam de mente aberta para aceitar as diferenças, como para até mesmo educar sobre cada tema ligado a diversidade e inclusão.

Na Bayer, o programa de trainees tem sido acompanhado por uma série de ações que olham para a diversidade em diferentes esferas do negócio: de comitês formados por funcionários a programas de mentorias e desenvolvimento de habilidades voltados para mulheres, pessoas negras e com deficiência. Para os que participaram do programa de trainee, a expectativa é de que ao fim do processo possam assumir um cargo de liderança.

"Os trainees selecionados estão atuando em diferentes projetos dentro da companhia desde fevereiro e têm contato próximo com importantes lideranças da empresa", disse o consultor sênior de inclusão e diversidade da Bayer, Kleber Carvalho.

Olhar para dentro

Em todas as entrevistas feitas com especialistas sobre o tema para esta reportagem, a importância de não pensar a diversidade apenas como contratação de pessoas diversas no ambiente de trabalho foi uma constante. Ou seja, mais do que preencher todos os espaços com mulheres, pessoas com deficiência, negras ou LGBTQIA+, é necessário ter uma cultura interna que respeite e acolha a individualidade das pessoas.

"Não adianta falar apenas sobre recrutamento, é importante também saber, por exemplo, se as pessoas vão conseguir se expressar dentro daquele espaço. Elas vão ter coragem de expor um pensamento sem ter medo?", questiona Amanda Abreu, cofundadora da Indique uma Preta, consultoria que promove a inclusão de pessoas negras no mercado de trabalho.

Para se ter uma ideia, em pesquisa recente lançada pelo Indique, 37% das mulheres negras afirmaram que já precisaram passar por alguma modificação estética para serem mais aceitas no espaço de trabalho. Para Amanda, um bom caminho a ser seguido pelas empresas em relação à inclusão é criar comitês ou grupos que fiquem mais próximos a essa questão. No caso da Johnson & Johnson, por exemplo, são cinco grupos de afinidades, um deles criado por Silvio.

Em 2019, ele estruturou a SoulAfro para ajudar a promover uma mudança maior na companhia, que tinha como principal meta a equidade racial na empresa. Faz isso pensando primeiro na parte da cultura, que tem como método central o letramento racial, ou "Afrobetização", como diz Silvio, que basicamente consiste em promover aulas sobre questão racial para toda a empresa no Brasil. É também pela SoulAfro que passa a parte de contratação e desenvolvimento dos funcionários negros.

Meu sonho é a gente não ter que falar sobre isso. Para isso, precisamos ter negros, ter mais trans. A primeira coisa que a gente fez foi definir que vamos ser uma empresa que prioriza a diversidade. Então, criamos um estatuto, metas e treinamentos. Mas só funciona se sair da liderança mais no topo da empresa. Se não sair de lá, não tem jeito

Silvio Silva, diretor comercial da Johnson & Johnson

Ciclo de Trabalho

Com desemprego recorde e profissionais sobrecarregados, o momento é delicado e pede ação rápida, criatividade, inovação e resiliência para tentar reverter os impactos da crise e ajudar a fomentar um futuro em que vida pessoal e vida profissional estejam em equilíbrio.

Nesta série, Ecoa se debruça justamente sobre pessoas, iniciativas e empresas que estão trilhando possibilidades deste amanhã viável. São reportagens especiais, entrevistas, guias práticos e muito mais conteúdo preparado para disseminar histórias e soluções e ajudar a incentivar um mercado mais justo, plural, produtivo e sustentável para todas as pessoas.

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