Por que você considera os povos indígenas como a última fronteira a ser vencida pelo sistema capitalista?
Apesar de todo esforço que a história do Brasil tem feito pra acabar com eles, para destruí-los em perseguições permanentes desde o século 16 até agora — estamos vendo a invasão dos territórios indígenas, o uso de armas pesadas, dos agrotóxicos, que é uma guerra bacteriológica, do mercúrio em território indígena para envenenar os rios — os povos originários insistentemente têm resistido a ser totalmente dizimados.
E fazem isso não apenas porque querem a vida — o capitalismo também oferece um jeito de continuar vivo. Mas porque não querem abrir mão da sua ancestralidade, da sua memória, do respeito aos antepassados e da sua luta.
A natureza não é negócio, não se vende, não se compra. Exatamente por causa dessa ideia de pertencimento, consideramos todas as coisas na natureza como nossos parentes. E parente cuida de parente, parente luta pra que o outro tenha condições dignas de sobrevivência. A natureza tem cuidado da gente durante esse período todo e cabe a nós, que somos parte dela, cuidar dela também.
Pra nós indígenas isso é muito simples. Claro que pra um capitalista isso é um absurdo. Eles acham que estão fazendo de certa forma a vontade de Deus, de um Deus que inventaram pra justificar o massacre da própria natureza, porque dizem que se tornar rico é um mérito seu. Então você se torna alguém na vida explorando o outro e não tem problema se você destrói, joga veneno. O sistema é a própria continuidade da interpretação do mito.
Por outro lado, os mitos indígenas dizem: estamos aqui pela manutenção da nossa memória ancestral. Só que nós não somos do passado, somos do presente. Somos aqui e agora e temos a obrigação de manter esse mundo aqui tal como ele está, porque assim também os nossos netos vão olhar pra trás e se sentir dignificados por isso, e vão lutar para que a natureza, esses parentes todos, humanos e não humanos, tenham direito a ter um mundo bonito.