Aprendizagem como modelo

Como o programa Jovem Aprendiz pode ensinar o Brasil a oferecer perspectivas de uma vida melhor no futuro

Marcos Candido De Ecoa, em São Paulo Victor Vilela/UOL

Ônibus, casa, escola, trabalho, aulas de inglês, planilhas. A rotina de Sarah Dias começou aos 14 anos e continua puxada aos 20. Ela quer ser o exemplo para o irmão mais novo e vizinhos de Pirituba, bairro onde mora em São Paulo. Para isso, determinou que dividiria trabalho e estudos. A melhor opção foi uma vaga como Jovem Aprendiz.

O Jovem Aprendiz é uma política pública criada em 2000 e é a primeira experiência de trabalho para milhares de jovens. O programa aumenta em mais de 40% a continuação dos estudos e permite fazer planos, se formar e ter uma carreira.

Segundo especialistas ouvidos por Ecoa, é possível melhorá-lo com atenção especial a jovens negros, ampliá-lo para acima dos 24 anos e prorrogar contratos até o aprendiz ser efetivado. Há muitas possibilidades e necessidades.

A maior geração de jovens do Brasil nunca esteve tão em apuros quando o assunto é trabalho. Há muitos empecilhos: informalidade, cansaço, ansiedade, falta de perspectiva, exigências e, enfim, uma pandemia. "A gente com origem simples é estimulada a trabalhar cedo, mas exigem muita experiência para o primeiro emprego", diz.

Sarah entregava panfletos para pagar um curso de inglês. Desde os 16, sonha com um intercâmbio e uma vaga em um banco. Quando se tornou aprendiz na área de tecnologia, escreveu um pedido de bolsa para cursar Economia em uma universidade. Conseguiu. Em maio, foi efetivada como estagiária em um banco. "Tudo que conquistei foi pelo programa de aprendiz", diz.

A lei do Jovem Aprendiz permite a contratação de funcionários entre 14 e 24 anos. O principal objetivo é diminuir a evasão escolar e abrir caminho para empregos. A carga horária deve ser ajustada com o horário da escola e, além da prática, há cursos teóricos obrigatórios. Não faltam interessados.

No Brasil, são 47,8 milhões de pessoas entre 15 e 29 anos, quase 25% da população brasileira. Apesar disso, a taxa de desemprego entre 18 e 24 é de 29%, dobro da média geral do IBGE.

Logo, o Jovem Aprendiz virou uma estratégia contra uma dificuldade conhecida. Com candidatos de sobra, muitas empresas exigem formação e experiência, inclusive de quem nunca trabalhou. Como a aprendizagem aumenta a chance de um emprego no futuro, a disputa é enorme.

Entre os mais jovens a situação é ainda mais crítica. Segundo o IBGE, a taxa de desemprego entre 14 e 17 anos foi de 42% no final de 2020. No CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola), plataforma para vagas de estágio e aprendizagem, há 2,7 milhões de currículos na fila. Em contrapartida, cerca de 30% dos postos no sistema foram fechados na pandemia. Muitas vagas nunca mais vão existir.

"As empresas pararam de repor os aprendizes após o fim do contrato", explica Humberto Casagrande, superintendente-geral do CIEE. "Melhorou em 2021, mas estamos trabalhando muito aquém".

Desemprego, abandono escolar e informalidade podem gerar um efeito-dominó por décadas. Para especialistas ouvidos por Ecoa, o próprio programa Jovem Aprendiz tem soluções contra esse cenário.

Um exemplo é Gabriel de Sousa, 21. Ele sofreu um acidente com a moto comprada no trabalho informal em uma padaria em Belo Horizonte e foi substituído pelo patrão enquanto se recuperava. Daí, foi para o tráfico de drogas. "Fui convidado e fui participando cada vez mais", diz.

Há dois anos, Gabriel foi apresentado ao Jovem Aprendiz em uma palestra após ser apreendido por assalto. "Pedi a oportunidade e fiz cursos de informática", diz. Atualmente, trabalha no aconselhamento a dependentes químicos. No futuro, será enfermeiro. "Com a aprendizagem, saí encaminhado."

Para Mariana Resegue, da ONG Em Movimento, o Programa Aprendiz poderia privilegiar jovens vulneráveis, como aqueles que cumprem medidas socioeducativas, negros, indígenas, imigrantes e outras populações minorizadas. Outra alternativa pode ser ampliar ou criar um novo aprendiz para jovens entre 25 e 29 anos. Seria um meio de impedir o aprofundamento das desigualdades sociais no futuro.

"Entre todos os brasileiros desempregados, cerca de 70% são negros. A juventude não é experimentada igualmente entre os jovens", diz ela.

A venezuelana Rosangelis Ollarves, 20, sabe bem. Há dois anos, veio para o Brasil tentar a vida com o filho, hoje com quatro anos. Uma tia ajudou, mas a vida só melhorou como aprendiz em uma indústria de embalagem. "Eu penso em ter uma microempresa no futuro e ajudar minha família", diz. "A aprendizagem mudou minha vida."

O efeito do desemprego não é só econômico, mas emocional. Para piorar, veio a pandemia. Como planejar a vida? A "avalanche" atingiu a universitária Luana Costa, 22. Ela foi aprovada em uma universidade pública e estava empregada no interior paulista.

Ela voltou para a casa dos pais em Cotia, na Grande São Paulo. Os pais são do grupo de risco, e ela evita o noticiário. "Tive muitas crises de ansiedade", diz. Hoje é aprendiz de comunicação e aprendeu de burocracias do ambiente de trabalho à legislação trabalhista. O TCC é feito a distância. Daqui dez anos, pretende viajar e ser efetivada. "É difícil conseguir estabilidade no mercado de trabalho e emocional ao mesmo tempo", diz.

De acordo com a pesquisa Atlas da Juventude, 6 a cada 10 jovens tiveram ansiedade, 5 a cada 10 sentiram cansaço constante ou exaustão, 4 em 10 tiveram insônia ou distúrbio de peso em 2020. Cerca de 40% não pretendem voltar para a escola com o fim da pandemia e 44% fizeram algum bico no mesmo período. O otimismo diminui. As vagas, também. Segundo a consultoria Kairós, 62 mil postos de aprendizes foram fechados entre 2020 e 2021.

Para especialistas, é possível haver "apagão" de mão-de-obra no Brasil. A arrecadação de impostos pode diminuir com informalidade e fragilizar políticas públicas e a Previdência. A partir de 2021, a população brasileira irá envelhecer e, se nada for feito, pode ser menos estudada, mais ansiosa e propensa ao suicídio e automutilação.

O paulista Nicolas Pires, 19, passou por várias entrevistas de emprego. Quando se apresentou como homem trans na adolescência, se viu em um mercado de trabalho e em uma escola pouco acolhedores. Por isso, o aprendiz de RH tinha dificuldade para estudar. "Os alunos são desmotivados, os professores estão desmotivados. Como ter perspectiva?", diz. Em processos seletivos, a transfobia era velada, mas presente. "Ninguém queria saber o que eu sou capaz de saber, mas só da minha pessoa", diz. Para ele, o Jovem Aprendiz o fez conectar o "mundo da escola" com o "mundo do trabalho".

Hoje, cursa psicologia e pretende trabalhar na seleção de pessoas em empresas para incluir populações minorizadas. "A gente está em um caos", diz. "Infelizmente, a desigualdade social exige muito mais da gente, mas muitos ficam para trás porque o sistema oferece muito menos do que as empresas exigem", diz.

Segundo o pesquisador do IPEA Miguel Foguel, o principal feito do Jovem Aprendiz é ligar as duas realidades. "O jovem conhece regras do ambiente de trabalho, como hierarquia, pontualidade e outras tarefas junto com a parte teórica em sala de aula", pontua.

Uma pesquisa feita por ele nos primeiros anos do programa e divulgada em 2019 apontou que a chance de um aprendiz ser efetivado aumenta em 7,9% nos três primeiros anos e 6,9% em cinco anos em relação a outros contratos temporários. Há 43% mais chance de um aprendiz terminar os estudos.

Apesar dos casos de sucesso, também há espaço para melhorias. Para especialistas, há dificuldade de fiscalização de empresas que não cumprem a lei. Outro problema é a falta de vagas obrigatórias, como para pessoas com deficiência - para elas, o contrato independe da idade.

A pandemia também se colocou como um fator com o trabalho a distância sendo afetado pela falta de conexão à internet ou espaço em casa para o home office. Apesar disso, estudiosos concordam que a lei é uma das políticas mais efetivas para gerar emprego entre a juventude.

Sérgio Henrique Oliveira, 20, começou a trabalhar desde cedo com o avô. Por volta dos 17 anos, foi contratado como aprendiz em uma empresa na região metropolitana de Belo Horizonte. Hoje, coordena a contratação e gestão de aprendizes na mesma empresa. "Tenho aprendizes que chegam para ter a primeira experiência. Outros já querem ser médicos, engenheiros", diz.

De 220 funcionários, oito efetivos já foram aprendizes. "Nós consideramos muito o desempenho escolar dos que ainda estudam", diz. Segundo ele, o programa tem sido capaz de introduzir funcionários preocupados em promover diversidade LGBTQIA+, racial e consciência ambiental.

"Perdemos muitos talentos, gente que poderia ser destaque, por exigências que tiram oportunidades. O programa de aprendizagem faz a ponte entre a empresa e essas pessoas talentosas", conclui.

Ciclo de Trabalho

Com desemprego recorde e profissionais sobrecarregados, o momento é delicado e pede ação rápida, criatividade, inovação e resiliência para tentar reverter os impactos da crise e ajudar a fomentar um futuro em que vida pessoal e vida profissional estejam em equilíbrio.

Nesta série, Ecoa se debruça justamente sobre pessoas, iniciativas e empresas que estão trilhando possibilidades deste amanhã viável. São reportagens especiais, entrevistas, guias práticos e muito mais conteúdo preparado para disseminar histórias e soluções e ajudar a incentivar um mercado mais justo, plural, produtivo e sustentável para todas as pessoas.

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