fizeram história

Neusa Santos fez pesquisa inovadora sobre saúde mental de pessoas negras

Por Juliana Domingos de Lima

Crédito: Lea Freire/Acervo pessoal

Psiquiatra, psicanalista, teórica e ativista antirracista, Neusa Santos Souza deixou contribuições de peso para o debate sobre a questão racial  e o campo da saúde mental no Brasil. Foi autora de um estudo pioneiro sobre os impactos psíquicos do racismo e de vários outros trabalhos sobre loucura e psicose.

Crédito: Reprodução

Neusa nasceu em Cachoeira (BA) em 1948 e se formou na Faculdade de Medicina da Bahia, a mais antiga do Brasil. Foi para o Rio de Janeiro em 1975, atuando em instituições como o Núcleo de Atendimento Terapêutico e o Centro Psiquiátrico Pedro II. 

Muito antes da reforma psiquiátrica ocorrida nos anos 2000, Neusa já adotava práticas inovadoras e humanizadas de tratamento, como o uso terapêutico da arte. Durante anos, organizou no hospital Casa Verde seminários abertos à participação dos pacientes, que se tornaram um espaço importante de estudo dos transtornos mentais e influenciaram a formação de muitos profissionais.

A pesquisa analisa depoimentos de dez pessoas, abordando o custo emocional imputado aos negros ao ascenderem em uma sociedade de hegemonia branca.

Em 1983, foi publicada em livro sua dissertação de mestrado: “Tornar-se negro: As vicissitudes do negro brasileiro em ascensão social”.

Crédito: nadia_bormotova

Saber-se negra é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade, confundida em suas perspectivas, submetida a exigências, compelida a expectativas alienadas. Mas é também, e sobretudo, a experiência de comprometer-se a resgatar a sua história e recriar-se em suas potencialidades

Neusa Santos Souza
Em “Tornar-se negro”

Neusa também dialogou com os movimentos antirracistas  desde o fim dos anos 1970, especialmente do Movimento Negro Unificado do Rio de Janeiro. Ela realizou vários encontros com militantes do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras para debater os temas presentes em “Tornar-se negro”.

Crédito: Niels Andreas/Folhapress

O que geralmente acontece é que a psicologia, psiquiatria, psicanálise ainda negligenciam as relações raciais, inclusive porque boa parte de quem está nesse campo se beneficia dos privilégios de ser branco/branca. A tarefa de hoje, a partir do que a Neusa nos deixou, é pensar e praticar as teorias psicológicas com atenção às relações raciais

Clélia Prestes
Psicóloga do Instituto AMMA Psique e Negritude e doutora em Psicologia Social (USP)

Mesmo sendo uma referência obrigatória no estudo das consequências psicológicas do racismo na sociedade brasileira, o texto de Neusa ainda é pouco discutido nas graduações e esteve por anos fora de circulação. Esse apagamento de teóricos negros também é visto como consequência do racismo. Em 2021, “Tornar-se negro” ganhou uma nova edição. 

Crédito: Zahar/Divulgação 

Há uma mudança em curso, com a ampliação do número de pessoas negras no campo psi. Mas é inadmissível, inexplicável que Neusa, Virginia [Bicudo] e Juliano [Moreira] não façam parte do nosso currículo. Os corpos negros chegaram [à universidade] , mas as teorias negras estão bem distantes

Clélia Prestes
Psicóloga do Instituto AMMA Psique e Negritude e doutora em Psicologia Social (USP)

Embora ainda falte reconhecimento, vários coletivos e instituições hoje prestam homenagem a Neusa. Um CAPS que leva seu nome foi inaugurado em 2016 No RJ. 

Crédito: Prefeitura do Rio

A partir dos anos 1990, Neusa mergulhou ainda mais na psicanálise e nos estudos sobre psicose, publicando e organizando livros e artigos sobre o tema. Morreu em 2008, aos 60 anos. 

Crédito: Prefeitura do Rio/Divulgação

Edição: Fernanda Schimidt

Reportagem: Juliana Domingos de Lima

Publicado em 16 de outubro de 2021