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Xicão Xukuru: a luta pela terra indígena no agreste pernambucano

Por Juliana Domingos de Lima

Liderança indígena respeitada nacionalmente, o cacique Xicão, do povo Xukuru de Pernambuco, foi assassinado com seis tiros por um pistoleiro em 20 de maio de 1998. O crime ocorreu dentro da aldeia, parte do município de Pesqueira, e causou comoção entre os povos indígenas e entidades nacionais e estrangeiras. Milhares compareceram ao enterro.

Crédito: Reprodução|YouTube

Batizado como Francisco de Assis Araújo, Xicão nasceu em março de 1950, no Sítio Cana Brava — hoje, Aldeia Cana Brava. Na época, a maior parte do território Xukuru estava ocupada por não indígenas e ele cresceu em uma pequena propriedade da família na região.
Em 1970, se casou com Zenilda Maria de Araújo, com quem teve oito filhos. Após o casamento, trabalhou como caminhoneiro por alguns anos e, ao retornar para Pernambuco, iniciou sua trajetória de luta junto aos xukurus.

Xicão com os filhos Marcos e Uelson em 1987

Crédito: Arquivo pessoal

Mapa de 1813 da Serra do Ororubá, onde fica a terra Xukuru

Xicão foi eleito cacique pela comunidade por volta de 1985 e trabalhou junto ao pajé e aos mais velhos para realizar um resgate das tradições dos xukurus, como o ritual religioso do Toré, que corriam risco de se perder. Ao lado dos tupiniquins, da Bahia, eles foram os primeiros povos a entrarem em contato (e em conflito) com os colonizadores europeus.

Crédito: Domínio público

O cacique também foi um defensor da educação e da saúde indígenas. Os sistemas diferenciados voltados à população indígena são um direito conquistado a partir da Constituição de 1988 e garantem acesso a serviços públicos que respeitam as culturas indígenas.

Crédito: Stalin Melo

Crédito: Arquivo CIMI

Mas a grande luta de seu cacicado foi pelo reconhecimento das terras do povo xukuru. Nos anos 1990, sob a liderança de Xicão, eles se mobilizaram para recuperar o território tradicional dominado por fazendeiros, ocupando parte das terras e reivindicando a demarcação pela Funai. Com as retomadas, a tensão e a violência se acirraram na região. 

Xicão discursa em audiência de lideranças indígenas com o governador de Pernambuco Miguel Arraes,  em 1996

Aldeia São José do povo Xukuru, em 1980

Em 1995, foi feita a demarcação física do território Xukuru com dimensão de 27.555 hectares. Faltavam ainda a homologação e o registro, etapas que Xicão não chegou a testemunhar. A homologação da terra indígena Xukuru do Ororubá só foi publicada no Diário Oficial da União em abril de 2001.

Crédito: Aderbal Brandão Gomes de Sá|Reprodução

Além da retomada do território, o cacicado de Xicão abriu caminho para a conscientização dos xukurus sobre seus direitos e criou uma articulação política entre as várias aldeias, que passaram a atuar em conjunto. Desde o assassinato do líder, o povo xukuru se reúne todo 20 de maio em assembleia. Na pandemia, o evento foi transmitido online.

O legado de Xicão

Crédito: Ororubá Filmes

O cacique Marquinhos, filho de Xicão

Hoje, a viúva Zenilda, os filhos e netos de Xicão seguem engajados na luta dos xukurus pelo respeito ao seu território. Marcos, filho e sucessor de Xicão, é o atual cacique e enfrenta um impedimento de assumir o cargo de prefeito de Pesqueira, para o qual foi eleito em 2020.

Herdeiros da luta

Crédito: Arquivo Pessoal

Mesmo após a homologação, as disputas fundiárias no território não cessaram. Mas a comunidade obteve uma vitória recente: em 2018, o Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos a indenizar o povo xukuru por violações.



O pagamento de US$1 milhão foi feito em 2020 à Associação Xukuru. A sentença também determinou que o Estado conclua a desintrusão da terra indígena. 

Edição: Fernanda Schimidt

Reportagem: Juliana Domingos de Lima

Publicado em 25 de setembro de 2021