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Escola técnica no RS incentiva pesquisa e só cobra de quem pode pagar

Juliana Hoch e Eduardo Rodrigues criaram no curso técnico uma alternativa para facilitar o transplante de órgãos - Arquivo pessoal
Juliana Hoch e Eduardo Rodrigues criaram no curso técnico uma alternativa para facilitar o transplante de órgãos Imagem: Arquivo pessoal

Antoniele Luciano

de Ecoa

02/10/2019 08h00

Quando Juliana Hoch ingressou no curso técnico de Química, a ciência ainda estava longe de ser uma paixão na vida dela. As notas da então adolescente em exatas eram baixas e ela não se sentia muito atraída pela área. Não levou muito tempo, no entanto, para que houvesse um divisor de águas na trajetória da jovem: ainda no primeiro ano do curso na Fundação Liberato, uma escola técnica fundada em 1967, em Novo Hamburgo (RS), a 47 quilômetros de Porto Alegre, Juliana foi apresentada às possibilidades de pesquisa nesse universo. "Isso mudou minha percepção. Me despertou para o outro lado da Química, que seria mais a pesquisa", conta.

Hoje, aos 26 anos e engenheira de materiais, a gaúcha tem no currículo prêmios e participações em feiras internacionais, além da patente de um experimento promissor. Ela e o parceiro de pesquisa Eduardo Rodrigues desenvolveram, ainda quando eram estudantes no curso técnico, uma alternativa para facilitar o transplante de órgãos - um líquido conservante dez vezes mais barato que o utilizado por hospitais em bancos de órgãos.

A história de Juliana não é um caso de sucesso isolado dentro da Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha. Há pelo menos 30 anos, pesquisa e empreendedorismo fazem parte do currículo dos estudantes da instituição, o que tem estimulado o nascimento de outros projetos de inovação por ali.

"Para se ter uma ideia, ainda em 1985, criamos a Mostratec, que é a maior feira da América Latina para jovens pesquisadores. Nos tornamos um centro irradiador da cultura de pesquisa científica", observa Ramon Fernando Hans, diretor executivo da Fundação Liberato. O evento anual envolve 13 áreas de atuação e aproximadamente 700 projetos de pesquisa brasileiros e do exterior.

Fundação Liberato criou a Mostratec, a maior feira da América Latina para jovens pesquisadores - Divulgação - Divulgação
Fundação Liberato criou a Mostratec, a maior feira da América Latina para jovens pesquisadores
Imagem: Divulgação

52% dos alunos estudam de graça

A Fundação Liberato é uma entidade de direito privado, ou seja, foi firmada pelo poder público, mas pode fazer convênios com empresas privadas, receber doações e cobrar mensalidades para garantir a gratuidade de ensino a quem não puder pagar. O nome é uma homenagem ao ex-Secretário da Educação do RS Liberato Salzano Vieira da Cunha, morto num acidente de avião em 1957.

Engenheira Juliana Hoch foi aluna da Liberato: início da vida de pesquisadora  - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Para entrar na escola técnica, é preciso passar por um processo seletivo
Imagem: Arquivo pessoal

Por conta desse modelo, a escola técnica tem um sistema de cobrança de mensalidades diferenciado, baseado em critérios socioeconômicos: 52% dos alunos da instituição estudam de graça, por terem renda familiar de até R$ 2.233. Somente 2% paga o valor máximo por mês, de R$ 930, por ter renda familiar acima de R$ 9 mil. Os outros 48% dos alunos estão divididos entre 25 faixas socioeconômicas (dados de 2019).

A Fundação é mantida ainda com repasses do Governo do Estado do Rio Grande do Sul e outras fontes de receita. Uma delas vem de parcerias com órgãos de pesquisa e empresas privadas, que, além das trocas tecnológicas, fazem doações para a instituição.

Por ano, a Fundação forma em torno de 500 estudantes nos cursos técnicos de química, eletrotécnica, eletrônica, mecânica, segurança do trabalho, mecânica automotiva, design e informática para internet.

Para ingressar nos cursos, é preciso vencer a concorrência num processo seletivo: em geral, há em entre seis e sete candidatos para cada vaga ofertada na Liberato. E engana-se quem pensa que o público da fundação consiste apenas em moradores do Rio do Grande do Sul. "Nossa escola acaba se diferenciando porque tem um campo de abrangência muito grande, atendemos mais de 50 municípios do Brasil", assinala Hans.

Como ajudar A comunidade pode contribuir com prestação de serviços e doação de valores ou materiais, como livros e equipamentos. Mais informações pelo telefone (51) 3584-2010 ou pelo e-mail josesouza@liberato.com.br

Pesquisa e empreendedorismo

O diretor executivo Ramon Fernando Hans pontua que, com 52 anos de atividades, a Fundação Liberato passou por adequações, mas que procurou manter a filosofia dos primeiros anos - cursos generalistas, com viés para pesquisa, autonomia e visão empreendedora e cidadã.

O curso mais antigo, o de técnico em Química, continua sendo o mais procurado. "O fato de ser generalista permite uma maior empregabilidade para os alunos. Quando saem para o mercado, podem trabalhar desde com petroquímica ao setor de couro", pontua o diretor.

Além disso, Hans comenta que, embora existam alunos que ingressam no mercado de trabalho antes mesmo de concluírem seus cursos na fundação, diferentes caminhos se apresentam para a comunidade escolar. "Muitos vão para a universidade, passam em vestibulares de universidades públicas e privadas no Sul, outros fazem projetos de pesquisa e os colocam em atividade, como um negócio", diz.

Lucas Strausburg Ferreira criou uma prótese ortopédica de baixo custo para amputações de membros inferiores - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Lucas Strausburg Ferreira criou uma prótese ortopédica de baixo custo
Imagem: Arquivo pessoal

Foi o caso de Lucas Strausburg Ferreira. Aos 27 anos, ele fez do projeto que desenvolveu quando era aluno do curso de técnico em mecânica parte de sua carreira. O empreendedor criou uma prótese ortopédica de baixo custo para amputações de membros inferiores. O equipamento, produzido com materiais recicláveis e tecnologia 100% nacional, custa cerca de 40% do que uma prótese feita com fibra de carbono e já foi certificado pela Agência Nacional de Saúde (Anvisa). Em 2014, Ferreira teve o projeto premiado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos.

"Hoje, eu tenho uma empresa de próteses ortopédicas, daquele projeto que nasceu dentro da Liberato. Não existiria nada disso se não fosse a Fundação, essa coisa de ter o cuidado com a formação do ser humano. Eu volto para lá e toda vez que entro, me passa um filme na cabeça", comenta o empreendedor.

Serviço

Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha, em Novo Hamburgo (RS)
Cursos técnicos integrados ao ensino médio (diurno) e subsequentes (noturno)
Ingresso por meio de processo seletivo: inscrições abertas até 9/11/19
Mais informações pelo site www.liberato.com.br

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado inicialmente, os alunos isentos de mensalidade devem ter renda familiar de até R$ 2.233, e não de R$ 1.200. Entre os pagantes, há 25 faixas de valores, e não 23. As informações foram atualizadas no texto.