Organização acelera negócios na favela para mudar ciclo de pobreza em BH
João Souza quase viu um dos maiores talentos que conhece ser perdido. Júlio Souza, seu irmão mais velho, já foi o Todo Feio, apelido da época em que se envolveu com drogas e criminalidade na comunidade do Morro do Papagaio, em Belo Horizonte (MG).
Júlio passou 12 anos preso e, quando estava em liberdade condicional, deu início a uma nova história ao lado do irmão, que a essa altura já tinha formação universitária em marketing e buscava uma maneira de compartilhar com sua comunidade de origem os conhecimentos que havia adquirido.
Os dois irmãos se uniram a Tatiana Silva, graduada em comunicação social e ciências sociais, e Débora Silva, formada em administração, também nascidas em periferias, para criar, em 2014, a aceleradora de negócios Fa.Vela, uma ONG que ajuda moradores do Morro do Papagaio, em Belo Horizonte, a empreender de forma sustentável.
"Mais do que planos de negócio, ajudamos os empreendedores da favela a criarem planos de vida. Estamos construindo com eles projeções para a transformação das suas famílias, das suas oportunidades, e não apenas oferecendo uma forma de tirar uma grana a mais no fim do mês. São estratégias para mudar um ciclo de pobreza", conta João, que tem 38 anos.
O irmão, Júlio, conquistou a liberdade definitiva em 2016 e hoje é educador social. Em cinco anos, a Fa.Vela atendeu mais de 200 empreendedores, oferecendo formações e monitorias.
A organização
A Fa.Vela atua no desenvolvimento do ecossistema de empreendedorismo, tecnologia e inovação de comunidades de baixa renda, por meio de programas de aceleração de negócios e projetos com foco em impacto socioambiental e econômico.
A metodologia inclui o uso de gamificação e a adaptação de ferramentas de gestão para a realidade da favela. Há inclusive uma moeda própria, o Corres Novos, utilizada nos ciclos de aceleração.
"Os moradores da favela já são grandes empreendedores. O que fazemos é instrumentalizar com algumas ferramentas quem já está nos corres. É como lapidar diamantes", explica João.
O cara acorda correndo atrás do dinheiro do gás para fazer a comida. Vai dormir com a esposa lembrando que o menino precisa de dinheiro para um material escolar e tem de se virar. Por isso ele vai vender fone de ouvido se tem jogo do Brasileirão, água se o dia é de calor ou capa em dia de chuva"
João Souza, idealizador do Fa.Vela
Entre os projetos acelerados pela organização, há de negócios voltados a serviços, como eletricistas e manicures, a criadores de aplicativos ou investidores na agroecologia. Além da gestão, a organização contribui na produção, no escoamento e na logística. Também ajuda a melhorar a presença digital, visando alcançar outros públicos.
"Entendemos que os serviços e produtos da favela precisam dialogar com o asfalto. A autoestima dos moradores se eleva ao saber que pessoas de fora se interessam pelo que é produzido ali, que passam a considerar o local um território de muitos potenciais e renda sendo gerada", diz João.
Compromisso com o território e diálogo
Uma das dificuldades no início do projeto foi encontrar uma linguagem adequada para começar a conversa com os empreendedores. "Em nossa primeira mobilização, colocamos faixas com dizeres como: 'Você que tem um negócio e quer empreender, temos uma proposta para você, nos procure', bem estilo Polishop", brinca João. Uma semana se passou sem nenhuma manifestação.
O grupo, então, imprimiu panfletos e distribuiu em locais de maior movimentação. "Chegávamos para o morador e perguntávamos: 'você é um empreendedor?' O cidadão fazia cara de estranheza. Até que aprendemos a pergunta certa: 'Você tem algum negócio ou um serviço aqui na favela, que gere uma renda a mais para você e sua família?'."
Após um ano de atuação, eles começaram a receber retorno dos participantes das formações, incluindo relatos que iam do aumento da renda até a projeção para o núcleo familiar. "É quando o morador nos diz que está sobrando mais dinheiro para um passeio ou um lanche no shopping com as crianças que a gente vê que o trabalho está dando resultado", comemora João.
A ONG se mantém com participação em editais públicos e financiamentos privados voltados ao empreendedorismo social, além de prestar consultoria nessa temática.
Como ajudar Quem quiser contribuir com a Fa.Vela pode entrar em contato diretamente com os organizadores pelas redes sociais do projeto, para articular a melhor forma de apoio: facebook.com/maisfavela e instagram.com/maisfavela
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