Jovem do Alemão cria impressora 3D com sucata e lança startup "100% favela"
É do quarto que compartilha com a avó e o pai, em uma casa no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro, que Lucas Lima, de 24 anos, tira do papel as ideias que tem. A mais recente foi a criação de uma impressora 3D com sucatas encontradas em ferros-velhos. O produto, capaz de imprimir objetos tridimensionais, fez de Lucas o grande vencedor do Prêmio Iniciativa Shell Jovem, no último dia 7, programa que seleciona e alavanca negócios com potencial contribuição socioambiental.
Formado em engenharia mecânica, o jovem conta que se interessou pela ideia de construir a própria impressora enquanto estava desenvolvendo seu trabalho de conclusão de curso (TCC). Concluiu a graduação em maio deste ano em uma universidade privada, por meio de um projeto chamado Olimpíada do Saber, que oferece bolsas integrais em instituições de ensino superior parceiras aos alunos que conquistam os três primeiros lugares da competição.
Sem dinheiro para comprar a máquina desejada para o TCC, orçada em R$ 17 mil, passou a pesquisar um jeito de fazer um equipamento semelhante, porém mais barato. Em duas semanas, o experimento estava pronto a um custo de fabricação de R$ 680.
"No início, ideia era fazer a impressora para mim mesmo. Mas, depois, dei uma palestra em uma escola pública de São Gonçalo sobre o trabalho e percebi que poderia fazer mais. Dei 20 minutos de palestra e respondi a duas horas de perguntas. Os alunos se interessaram muito", relata.
Dessa experiência surgiu a vontade de transformar a impressora 3D de baixo custo em uma proposta social, por meio da produção do equipamento dentro da favela, o que deu origem à startup Infill, iniciativa premiada pela Shell.
A proposta do empreendimento é levar desenvolvimento tecnológico para as comunidades pertencentes ao Alemão, preenchendo um vazio identificado pelo jovem nas comunidades por onde transita — por isso o nome Infill, que significa preenchimento, em inglês.
"A ideia é ter uma tecnologia 100% favela, mostrar que somos mais do que estatística de violência, somos o futuro", diz Lucas.
Impressora 3D
A impressora desenvolvida por Lucas funciona por meio de uma plataforma Arduino (um tipo de placa de computação). As impressões podem ser obtidas por meio de uma modelagem tridimensional do objeto feita no computador ou download de projetos gratuitos em bancos de dados disponíveis na internet.
Ele explica que, após escolher o modelo do objeto desejado, um programa eletrônico divide o modelo em camadas, e a impressora vai injetando plástico derretido em cada camada, até formar o objeto de fato, em três dimensões (largura, altura e profundidade). O que antes era uma modelagem no computador torna-se um protótipo real. "O trabalho da impressora ocorre de baixo para cima, até criar um plano 3D. Essas fatias unidas formam um objeto 3D", diz Lucas.
Segundo ele, hoje a maior demanda pelas impressões feitas pela Infill vem do público nerd. As peças mais procuradas costumam ser bustos de personagens de séries ou animes. Há ainda os estudantes de arquitetura que buscam imprimir pequenas maquetes. O custo do serviço varia de acordo com a quantidade e o tipo de plástico utilizado. Para se ter uma ideia, a impressão de um boneco Groot (foto), de 10 centímetros de altura, sai em torno de R$ 60.
Ações da startup
O projeto da startup Infill consiste em diferentes ações. Uma delas é a capacitação tecnológica de jovens moradores do Complexo do Alemão que queiram trabalhar na fabricação dos aparelhos. O primeiro curso, com 10 vagas gratuitas, deve ser aberto no início do semestre que vem e vai tratar de robótica e plataformas como Arduino e Raspberry Pi.
As demais turmas devem ser ofertadas na sequência, a preços populares. "Serão projetos que vão ensinar os jovens a se autossustentar e a ganhar dinheiro de uma forma que não seja maçante."
Lucas quer fazer uma linha de montagem de baixo custo da impressora, e com qualidade. "Por causa de questões de legislação, vamos ter que usar peças novas. Ainda vamos rever o projeto", assinala.
A estimativa é que o valor de venda do produto fique entre R$ 1,5 mil e R$ 1,6 mil. A ideia é que escolas possam adquirir os equipamentos e contar com workshops de tecnologia oferecidos pela Infill. As impressoras também devem ser colocadas à venda para o mercado em geral.
Educação empreendedora
Antes da impressora 3D de baixo custo, criar uma startup estava longe dos planos do engenheiro. "Mudou minha perspectiva, eu descobri o que quero fazer da minha vida."
O rapaz também credita essa virada ao apoio de programas de empreendedorismo que conheceu nessa jornada. Além do Shell Iniciativa Jovem, também o Juventude Empreendedora, realizado por meio de uma parceria entre o Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável (CIEDS) e a Fundação Itaú Social. "Eu digo que entrei como um cientista maluco que sempre fui e saí com a mentalidade da educação empreendedora, um novo jeito de pensar."
No programa Shell Iniciativa Jovem, Lima concorreu com outros 55 empreendimentos. Ele conquistou o prêmio principal, ganhando R$ 8 mil, além do Prêmio Popular. Esse último troféu, definido por votação do público presente no evento, ofereceu R$ 2,5 mil ao vencedor. Os recursos devem ser investidos no crescimento da Infill e em ações de educação tecnológica.
Sucata eletrônica
O trabalho de Lima é desenvolvido por meio de uma parceria com uma cooperativa de catadores de materiais recicláveis, que vende sucatas, como máquinas de xerox e impressoras matriciais, por quilo. Segundo o jovem, divulgar o papel desses agentes também está nos planos da startup. Uma cartilha com informações a respeito dessas cooperativas deve acompanhar as impressoras 3D vendidas pela empresa.
"O público precisa saber como o trabalho dessas pessoas é importante. Quase 80% dos eletrônicos que vão para o lixo poderiam ser reutilizados", calcula o engenheiro mecânico.
De acordo com o relatório Global E-waste Monitor, divulgado no ano passado pela Universidade das Nações Unidas (UNU), apenas em 2016 o Brasil gerou cerca de 1,5 milhão de toneladas de resíduos eletrônicos, o que coloca o país em 7º lugar no ranking dos maiores geradores do planeta.
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