Ela está radiante com o crachá, mas a empresa foi a maior beneficiada
Aos 30 anos, Jéssica de Giusti Oliveira conseguiu o seu primeiro emprego. Com Síndrome de Down, ela acabava esbarrando no preconceito e na falta de incentivo. "Eu queria muito trabalhar e fazia tempo que estava atrás de uma oportunidade. Eu queria ter meu dinheiro, fazer minhas coisas", comenta.
A oportunidade chegou há três anos, por meio de um programa de inclusão do grupo RD, dono das redes Droga Raia e Drogasil. Hoje, aos 33 anos, Jéssica é assistente operacional de uma unidade da Drogasil na Vila Leopoldina, em São Paulo (SP). Com ensino fundamental completo, ela quer estudar administração de empresas e fotografia. "Eu me sinto realizada. Esse emprego me possibilitou fazer algo por mim", comemora.
Fernando Braconnot, consultor de desenvolvimento e diversidade do grupo RD, conta que, desde 2012, é desenvolvido o programa Lado a Lado, que recruta e treina candidatos com deficiência para se inserirem no mercado de trabalho por meio das vagas oferecidas pelas empresas do grupo. Atualmente a rede emprega mais de 1.800 pessoas com deficiência em todo o país.
Depois que foi contratada, Jéssica aprendeu a usar o computador, melhorou a capacidade de interagir com diversos públicos e passou a ajudar mais no dia a dia dos pais. "Eu sou boa para conversar, então eu atendo os clientes, mostro as coisas, vendo os produtos, entendo a prioridade do cliente. As pessoas gostam muito de mim e eu fico muito feliz por ser reconhecida."
A maior beneficiada, no entanto, é a própria empresa, que, além de cumprir a chamada Lei de Cotas, que determina que as corporações com mais de 100 funcionários reúnam entre 2% e 5% de pessoas com deficiência no quadro de funcionários contratados, ainda tem ganhos de imagem e no próprio desempenho.
O Programa Lado a Lado melhorou a reputação das lojas do grupo Raia Drogasil, de acordo com a consultoria especializada McKinsey&Company, e ainda contribuiu para o aumento da produtividade e para o desenvolvimento de competências dos funcionários em geral.
Segundo o consultor de diversidade do grupo, as equipes com pessoas com deficiência podem levar mais tempo para encontrar um entrosamento mais fluido, mas, após esse período inicial, observam-se os ganhos. "O principal é o desenvolvimento de lideranças e dos times. Nesses grupos heterogêneos, os líderes desenvolvem melhor as competências emocionais desejadas pelo século 21: empatia, tolerância e gestão de conflitos, o que tem impacto na produtividade", comenta Fernando.
No grupo RD, 5% dos cerca de 36 mil funcionários têm alguma deficiência. O programa Lado a Lado é parte das iniciativas da Rede Empresarial de Inclusão, mobilização que reúne, desde 2012, mais de 100 grandes empresas no Brasil e que lançou, em 2017, os Indicadores de Inclusão de Pessoas com Deficiência, em parceria com o Instituto Ethos - uma organização social formada por empresas que têm o objetivo de compartilhar boas práticas empresariais.
Inclusão pede equidade
A lei nº 8.213, a chamada Lei de Cotas, existe no Brasil desde 1991 e prevê multa para as empresas que não cumprirem o percentual de contratação de pessoas com deficiência. No entanto, de acordo com a Auditoria Fiscal do Trabalho, do Ministério do Trabalho, em 2018 havia cerca de 800 mil vagas reservadas pelas cotas em todo o país, mas somente 441 mil delas estavam ocupadas.
O preenchimento das oportunidades acaba esbarrando em alguns gargalos, segundo Carolina Ignarra, da consultoria Talento Incluir, especializada na inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Ela explica que, além de esses possíveis candidatos não estarem cadastrados, em número expressivo, em plataformas tradicionais de busca de emprego, os que conseguem chegar a um processo seletivo ainda passam por julgamentos e vieses inconscientes.
"Esses vieses inconscientes são generalizações simplistas baseadas em estereótipos ou informações anteriores, que podem influenciar o recrutamento", conta Carolina.
E há uma questão essencial: a importância de as empresas estarem dispostas a adaptar o cargo para que o funcionário com deficiência tenha igualdade de oportunidade. A consultora lembra que, como em qualquer contratação, é importante reter o novo contratado e mantê-lo produtivo. Para isso, alguns cargos podem ser adaptados conjuntamente, levando em consideração as necessidades do candidato, a opinião da família e os interesses da empresa.
No programa da rede Drogasil e Droga Raia, após uma entrevista presencial e antes da contratação, o candidato, acompanhado de um familiar quando necessário, se reúne com um profissional de Recursos Humanos e um gestor da área para avaliar características e funções da vaga, a fim de adaptá-la.
"Em geral, a gente define a jornada de trabalho, as tarefas que serão executadas, horários etc. em conjunto com o candidato e a família dele. Em especial nos casos de deficiência intelectual, pode haver dificuldade de manter a atenção por longos períodos, o que gera uma fadiga maior, entre outras coisas, e tudo isso é levado em consideração. Até porque a pessoa pode ter outros compromissos com a saúde, e uma jornada de trabalho de oito horas, às vezes, pode ser muito extensa", comenta Fernando Braconnot, consultor de desenvolvimento e diversidade do grupo RD.
As pessoas com deficiência intelectual que fazem atendimento ao público, como Jéssica, trabalham, em média, quatro horas por dia.
"É importante dizer que, quando a gente faz isso, está tomando uma medida de equidade, ou seja, nós fazemos isso para eliminar uma barreira, não necessariamente para dar algum privilégio em virtude de qualquer condição que a pessoa tenha", destaca Fernando.
Acolhimento e acompanhamento
Outro ponto muito importante é preparar a equipe para acolher o funcionário, de forma a evitar preconceito e discriminação. Para isso, a consultora Carolina Ignarra reforça a importância dos treinamentos constantes. "A receita contra o preconceito é informação e prática. Treinamentos, palestras, eventos periódicos, porque não adianta achar que um único evento vai fazer a gente não julgar mais. Julgar faz parte da sobrevivência humana, e é o treinamento que faz com que a gente mude a prática. A disposição é um comportamento necessário para a mudança."
O consultor do grupo RD explica que a corporação oferece ainda um canal de ouvidoria externa, com a possibilidade de denúncias anônimas. Ele diz que pouquíssimas denúncias chegam à ouvidoria da rede, mas, quando chegam, são relacionadas a conflitos internos ou comentários ouvidos pelos denunciantes. Após serem coletadas, as queixas são encaminhadas para o RH responsável pela loja, a fim de promover uma conversa entre gestores e envolvidos.
Em casos graves, quando o código de ética da empresa é ferido, o setor de inclusão é acionado e tem liberdade para tomar as medidas cabíveis para a situação, incluindo penalidades e demissões, se necessário.
Jéssica diz que não conhece a ouvidoria da rede, mas conta que nunca pensou em trabalhar em uma equipe tão divertida quanto a que está hoje e que tem o apoio da gerente da loja para resolver qualquer questão que possa surgir. "Em geral não é complicado, mas alguns clientes ainda não respondem quando eu falo com eles, por exemplo, e isso é chato… Mas também tem clientes que vêm e me pedem ajuda, chegam falando meu nome. E eu sou forte, sou honesta, simples e tenho vários sonhos para realizar aqui dentro ainda", comenta.
"Todos nós somos únicos e diferentes. Em alguns grupos, você vai ser a pessoa diferente, em outros não. Falar de diversidade e inclusão não é falar sobre o outro, é falar de você também", reforça Fernando.
Como participar do programa As pessoas com deficiência interessadas em trabalhar na Drogasil ou na Droga Raia, tanto em lojas quanto em centros de distribuição ou cargos administrativos, devem enviar um e-mail com o currículo completo para ladoalado@rd.com.br. Os candidatos precisam ter concluído, pelo menos, o ensino fundamental e ter mais de 18 anos.
Nesta seção, são publicadas histórias pontuais de boas práticas empresariais, sem levar em consideração outras ações das empresas. As pautas são escolhidas segundo critérios jornalísticos e publicadas após processos rigorosos de apuração, sem nenhum tipo de acordo monetário.
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