Jovens criam projeto que transforma lixo em gás de cozinha para hospitais
Uma leitura para a aula de redação foi a inspiração para que quatro estudantes do 2º ano do ensino médio da rede particular de São Paulo desenvolvessem um projeto capaz de transformar lixo em gás de cozinha para hospitais públicos. A proposta, criada pelas alunas Anne Victoria Fontes, Carolina Sponton, Luiza Peruzzi e Manuela Bruni, é fruto da inquietação da turma diante do livro "A história das coisas", da escritora norte-americana Annie Leonard.
"A inspiração acabou vindo da escola porque esse livro trata sobre como as coisas são produzidas, da matéria até o descarte. Pensamos, então, no problema relacionado ao material orgânico no Brasil", comenta Luiza.
A ideia, conta a jovem, foi sendo lapidada aos poucos: usar restos de alimentos, que poderiam ser descartados irregularmente no meio ambiente para extrair gás de cozinha, por meio da biodigestão. Nesse tipo de processo, que é natural, as bactérias presentes na câmara hermética do biodigestor são transformadas em decompostos que, em seguida, se tornam gás. A sugestão sobre onde aplicar a proposta veio do professor de química Paulo Guilherme Campos, que orientou o grupo.
"No início, pensávamos que era algo absurdo de difícil. Mas, depois, vimos que não. Isso mudou muito nossa perspectiva, não tínhamos noção do que era possível fazer com restos de alimentos", observa Luiza.
O projeto desenvolvido pelas adolescentes, que têm entre 16 e 17 anos, fez parte da premiação InovaVital, do Colégio Vital Brazil, onde estudam. Dividida em duas fases, a competição busca estimular estudantes a criarem, sob orientação de professores da escola, projetos com potencial para melhorar ou solucionar problemas da sociedade.
Cento e cinco propostas concorreram. Dez seguiram para a segunda etapa, que selecionou dois vencedores - um para ensino médio e outro para ensino fundamental 2. Vencedoras da categoria ensino médio, as amigas terão como prêmio uma imersão de empreendedorismo no programa Young Entrepreneurs, promovido pela organização Volunteer Vacations.
Protótipos
A pesquisa das jovens foi baseada em artigos científicos, blogs, vídeos do YouTube e práticas de laboratório. Elas desenvolveram dois protótipos para provar que é possível produzir biogás nas condições que gostariam.
O primeiro contou com uma garrafa PET de 2 litros. O recipiente recebeu uma mistura de cascas de frutas e outros restos de alimentos com água. Uma mangueira foi ligada a essa garrafa, já vedada, e a uma garrafa menor, também com água. "Conforme apertávamos a garrafa com matéria orgânica, o gás gerava bolhas na outra garrafa", explica Luiza.
Já no segundo protótipo, as alunas usaram um galão de 15 litros com matéria orgânica e água. A mangueira conectada a ele também estava ligada a um aquário contendo duas provetas (tubos de vidro), com líquido na cor roxa. "O gás gerado, nesse caso, empurrava a água das provetas, ocupando o espaço", completa a estudante.
Projeção
As meninas foram além e partiram em busca de dados sobre a realidade hospitalar envolvendo o descarte de alimentos. Descobriram, por meio de um estudo publicado pela Revista de Nutrição, da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de Campinas, que uma unidade como o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto desperdiça 123 quilos de restos de alimentos por dia.
"O HC de Riberão tem 815 leitos. Como nossa ideia era trabalhar com o HC de São Paulo, com 2,4 mil leitos, usamos para cálculo um valor base maior, de 140 quilos de restos de alimentos desperdiçados por dia", observa Luiza, destacando que, embora tenham sido solicitados, os dados não foram confirmados pelo hospital da capital.
Energia
O projeto-piloto das estudantes se baseou nas medidas de um biodigestor cilíndrico, de 1,62 m de comprimento e 1,76 m de altura. De acordo com elas, com essas dimensões, seria possível produzir 2,2 metros cúbicos de gás por biodigestor (tanque cheio), o equivalente a 11 horas cozinhando em fogo alto.
A sugestão é a instalação de sete biodigestores nessas condições, sendo que cada um poderia custar em torno de R$ 4 mil. Os equipamentos deveriam ficar perto da Unidade de Alimentação e Nutrição do hospital e a refeitórios, a fim de facilitar o depósito de matéria orgânica.
O combustível gerado poderia alimentar fogões, aquecedores, chuveiros a gás e auxiliar em processos de higienização e esterilização de artigos médicos. Além disso, conforme o grupo, seria possível alimentar geradores capazes de transformar essa energia de natureza química em energia elétrica.
Parcerias
"Nosso projeto é algo que poderia ser usado não só em hospitais mas ser adaptado para qualquer meio", defende a estudante Manuela. Ela comenta que já sabia o quanto evitar o desperdício de alimentos é importante, mas que não pensava que seria possível fazer tanto com algo considerado lixo. "Não imaginava que tinha essa grandeza toda", salienta.
Empolgada com os resultados da proposta, a jovem espera ver o projeto de biodigestores na saúde sendo implementado por alguma instituição no futuro. "Se continuarmos indo atrás, uma hora vamos conseguir uma parceria", diz. O maior aprendizado, no entanto, já veio. "Vi que sempre temos um jeito de fazer nossa parte no planeta, mesmo que seja uma parte pequenininha", enfatiza.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.