"Câncer não deve ser sinônimo de morte": o atendimento de ponta do GRAACC
"Eu tinha que escolher entre meu filho e minha vida. Fiz questão de lutar pelos dois", conta Isabel Cristina Eugênia Calixto, 40, ao se recordar do momento em que soube que estava com câncer nos ossos. Ela tinha apenas 16 anos, estava grávida de quatro meses e havia acabado de receber o diagnóstico no pronto-socorro de um hospital em São Paulo, em 1996.
Adolescente, Isabel foi levada pela família a outro centro médico, o Hospital São Paulo, onde conheceu Antonio Sérgio Petrilli, oncologista pediátrico e cofundador do GRAACC, hospital que atende adolescentes e crianças com câncer. Naquela época, o doutor disse que buscaria uma solução para que a jovem superasse a doença e tivesse o filho Micael em seus braços após o tempo de gestação.
Quando comecei na oncologia, havia uma ideia muito fatalista sobre a doença. Eu não acreditava que tinha que ser assim. O câncer não deve ser sinônimo de morte."
Antonio Sérgio Petrilli, cofundador do GRAACC
Isabel fez um tratamento diferente com o apoio do médico no Graac - realizou três sessões de quimioterapia diretamente no local do tumor, no fêmur da perna direita, por meio de um corte na virilha -, o que evitou o crescimento do câncer ósseo e manteve segura sua gravidez. Aos sete meses de gestação, ela foi submetida a uma cesariana. O bebê nasceu e, pouco tempo depois, ela já estava pronta para mais uma cirurgia, desta vez para retirar o tumor e colocar uma placa de titânio.
"Não só consegui ver meu filho nascer, como tive outros dois. Também não precisei ter a perna amputada, o que me deixou extremamente realizada", comenta Isabel.
Os anos que se seguiram foram de apoio e exames de rotina para a jovem. O contato com o médico que a salvou na adolescência permaneceu e, quando ela já estava com 25 anos e buscava uma oportunidade profissional, foi convidada por Petrilli a integrar a equipe do GRAACC como operadora de telemarketing. Hoje, ela atua como assistente de captação sênior para buscar recursos financeiros para a manutenção da organização.
Vocação em curar
Mais velho de seis filhos, Petrilli tinha no sangue a vocação pela medicina. A mãe chegou a fazer três anos do curso, e o pai formou-se cardiologista. O gosto pela pediatria também vem de berço: "Sempre tive uma enorme identificação com crianças".
No final dos anos 1960, quando o médico ingressou na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), o Brasil vivia o período de ditadura militar. Com a censura e violência marcadas pelo período, Petrilli sentiu-se ainda mais determinado a melhorar a vida das pessoas.
Uma experiência, em especial, foi determinante para que ele tivesse essa mentalidade: "Tive a oportunidade de participar do Projeto Rondon, uma ação em conjunto com a universidade que levava alunos do curso de medicina para o interior do Acre, onde aplicávamos nosso aprendizado para atender a população de lá".
Uma criança nasceu durante os dias em que eu estava em uma comunidade no meio da Amazônia. E, sem respirar, tive que agir para conseguir ajudá-la. Ali percebi o quanto o ser humano é sensível e resistente ao mesmo tempo. Foi um divisor de águas para mim."
O interesse pela oncologia, diferentemente da pediatria, surgiu quando o médico fazia residência. Apoiado pelo professor Alois Bianchi, precursor da oncologia pediátrica no Brasil, ele resolveu se especializar na área.
Em 1978, Antonio Sérgio Petrilli reuniu a família (a esposa e dois filhos pequenos), as economias e embarcou para uma realidade oposta à que encontrou na Amazônia: foi para Nova York, onde aprendeu sobre o que havia de mais moderno no tratamento das crianças com câncer: "Aquilo me deu muito estímulo".
Ao voltar, um ano depois, ele iniciou mestrado na área, depois fez doutorado, trabalhou no Hospital A.C. Camargo e na Escola Paulista de Medicina, até que teve a ideia de criar o GRAACC, que começou como um grupo de apoio à criança e ao adolescente com câncer, em 1991.
Atendimento de ponta
Em sua estadia nos EUA, Petrilli tinha visto uma iniciativa que reunia um grande grupo de pessoas da sociedade civil para buscar recursos e ajudar hospitais a terem o melhor em tratamento contra o câncer de crianças. Após amadurecer a ideia, chamou dois amigos: Jacinto Guidolin, engenheiro civil que participou da execução da obra da primeira unidade do Hospital do GRAACC, e Lea Mingioni, que Petrilli conhecia por conta do amplo trabalho como voluntária no hospital A.C. Camargo.
Além deles, aproximadamente 20 pessoas, entre médicos, enfermeiros, voluntários, amigos e pais de pacientes contribuíram para fundar a ONG, com o título de entidade beneficente. O início do trabalho aconteceu no núcleo de pediatria da Escola Paulista de Medicina. Mais tarde, o GRAACC se estabeleceu como entidade não governamental própria, parceira da Escola Paulista.
"A gente foi trabalhando gradualmente para conseguir recursos. O hospital como é hoje foi construído em 1998, após recebermos a doação de um terreno para construí-lo", afirma.
O espaço, localizado na Vila Clementino, na zona sul de São Paulo, teve o atendimento das crianças expandido, a abertura de um espaço para neurocirurgia, radioterapia com uma moderna máquina de radiação que permite fazer o atendimento sob anestesia em crianças pequenas, UTI (Unidade de Terapia Intensiva) de excelência, além de 60 leitos. O trabalho é feito dia e noite, todos os dias da semana.
Ao todo, 700 pessoas trabalham no Graac, e 600 atuam como voluntárias por, pelo menos, quatro horas semanais, em diferentes setores. O grupo também ajuda na obtenção de recursos a partir de bazares e eventos.
São atendidas mais de 4 mil crianças por ano. E a chance de cura média dos pacientes do hospital é de 70%, ultrapassando 90% em alguns casos."
Todas as crianças que são encaminhadas ao Graac são atendidas. Entre elas, 90% a 95% chegam pelo SUS. O restante é feito por atendimento particular. Para a conta fechar, além do valor recebido por meio das consultas pagas, a ONG recebe doações de empresas, sociedade civil e eventos, como McDia Feliz, em conjunto com o McDonald's.
Última quimioterapia
Mateus Peixoto Moreno, de cinco anos, está prestes a receber uma notícia aguardada há dois anos: a de que chegou ao fim seu tratamento contra a leucemia (um tipo de câncer que ocorre na formação das células sanguíneas, dificultando a capacidade do organismo de combater infecções). O diagnóstico veio em 2017, quando ele morava em Natal, no Rio Grande do Norte, com os pais, Lídia e Renan.
Ao descobrir a doença, os dois buscaram informações sobre o melhor atendimento para a criança e chegaram ao GRAACC. Como o profissional que os atendeu no hospital de Natal havia trabalhado na ONG em São Paulo e os dois disseram que tinham condições de viajar para a capital paulista, ele fez o encaminhamento, e a família conseguiu um leito.
"Descobrimos em um dia, pegamos nossas malas e viajamos sem pensar em mais nada. Como meu marido trabalhava à distância, manteve-se empregado. Eu deixei o meu serviço e, desde aquele dia, nunca mais pisei na casa em que vivíamos", conta Lídia Regina de Souza Peixoto, de 36 anos.
O GRAACC recebeu a família e iniciou o tratamento de Mateus, que neste domingo deve receber sua última quimioterapia injetável. No próximo dia 18 de novembro, um último exame pode atestar sua cura. Depois, a criança manterá apenas um acompanhamento regular. "Todo o tratamento foi feito pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Os primeiros 30 dias foram intensos, com meu filho internado na UTI. Era duro, pois eu não sabia o dia de amanhã."
"Mas era tudo tão humano que, conforme o tempo foi passando, fomos nos sentindo acolhidos. Mesmo nos momentos mais tensos, em que a quimioterapia dava alergia, a busca por novas opções era rápida e eficaz", conta a mãe de Mateus.
Muita gente nos ajudou a conseguir modificar muitas coisas da sociedade criando um hospital que pode oferecer um atendimento igual ao do primeiro mundo a crianças com menos oportunidades."
Antonio Sérgio Petrilli, cofundador do GRAACC
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