De pedreiro a professor de francês: escola de idiomas emprega refugiados
Nascido no Togo, Tafalwa Ahorou, de 36 anos, chegou ao Brasil há dois anos sem falar uma única palavra em português. Foi em São Paulo, onde já estavam três primos, que ele desembarcou em busca de mais oportunidades profissionais e qualidade de vida.
Na África, Tafa, como é conhecido, se formou em contabilidade, trabalhou em banco e deu aulas de idiomas e música em ONGs que protegiam mulheres e crianças vítimas de guerra, na temporada que passou em Mali e no Congo. Ele fala francês, inglês e três dialetos africanos.
Antes de chegar ao Brasil, tentou o visto o norte-americano por três vezes, mas teve os pedidos negados. Os Estados Unidos eram um destino de interesse porque Tafa queria estudar música na terra do jazz e do blues, já que toca violão, bateria e canta.
O visto para o Brasil saiu rápido. Foram quatro meses até conseguir a documentação rumo a São Paulo. "Na África todo mundo conhece o Brasil pelo futebol e pelo samba. Quando eu cheguei, a primeira dificuldade foi a língua. A adaptação em si não foi um problema, mas aprender a língua foi minha luta. A segunda foi conseguir trabalho."
Para resolver a barreira do idioma, foi estudar e arranjou um trabalho temporário como ajudante de pedreiro do qual não tem boas lembranças: "Sinto dores na coluna até hoje". Com o português mais afiado, seis meses depois, foi selecionado para ser professor de francês no programa Mente Aberta, do Instituto Adus, organização que faz um trabalho de acolhimento de refugiados, atuando para garantir oportunidades e dignidade aos estrangeiros que chegam ao Brasil vítimas de migrações forçadas.
O projeto Mente Aberta
Além de Tafa, há outros 19 estrangeiros nascidos em países como Camarões, Togo, Gana, Nigéria, Síria, República Democrática do Congo, Cuba, Venezuela e Colômbia que dão aulas de inglês, francês e espanhol na escola de idiomas do projeto Mente Aberta.
O programa foi criado no segundo semestre de 2016 com o objetivo de oferecer aos refugiados e solicitantes de refúgio formas de começar uma nova vida no Brasil.
"Com o trabalho, o refugiado tem uma sensação de pertencimento, de que está inserido na sociedade, há um resgate da dignidade, algo fundamental para quem largou carreira, família e está em um país onde não domina 100% do idioma", conta Cleita Fernandes, coordenadora geral do Mente Aberta.
Os refugiados recebem aulas de português por meio do Instituto Adus. Após comprovar a fluência em inglês, francês ou espanhol, os interessados em se candidatar a professor passam por uma entrevista e são selecionados para treinamento com coordenadores pedagógicos. Depois, são avaliados para identificar se estão aptos a ministrar aulas, para então fazerem parte do programa.
Desde a sua fundação, a escola já teve cerca de 500 alunos. Os estudantes são pessoas que tenham ao menos 17 anos e queiram aprender um dos idiomas oferecidos pagando uma mensalidade de R$ 250 em módulos de cinco meses — 60% desse valor é pago diretamente aos professores, que têm também a possibilidade de dar aulas particulares ou em empresas.
Muito além da gramática
Para o jornalista Mateus Lima Oliveira, de 23 anos, um dos alunos do curso de francês ministrado por Tafa, a troca cultural das aulas é o que há de mais rico no programa Mente Aberta.
"É um benefício muito grande porque meu interesse vai além do francês, quero aprender sobre os diferenciais da língua, o uso de determinadas expressões. Pergunto a realidade dele, a colonização dos países africanos, Tafa sempre traz histórias para as aulas. É muito dinâmico e você aprende mais do que tempos verbais e gramática."
Oliveira reforça que o programa ainda tem o lado social, pois ajuda os refugiados que estão no Brasil a terem uma renda. "Vejo o dinheiro como investimento duplo, aprendo língua e ajudo a integrar os refugiados."
Para Tafa, a experiência de ensinar francês tem sido muito rica, especialmente pela oportunidade de conhecer mais sobre a cultura brasileira, que vai muito além de samba e futebol. "Eu gosto muito de dar aula para os brasileiros. Nas aulas eu posso falar sobre a África, sobre a cultura, é uma troca muito grande. Estou aprendendo muito sobre o Brasil", diz.
No último dia 8 de novembro, ele levou os alunos para comemorar seu aniversário em um restaurante africano no centro de São Paulo.
"Às vezes tenho saudade do Togo, mas agora o Brasil é meu país de coração. Só vou voltar para a África para passear e ver o restante da família", diz ele, ao lembrar que a esposa africana chegou a São Paulo há oito meses.
Na opinião de Tafa, apesar de o Brasil ter problemas como pobreza, violência, racismo e uma moeda desvalorizada, há algo de muito valor que é a liberdade de expressão. "Tem muitas coisas interessantes que existem no Brasil que não existem na maioria dos países da África: uma é a diversidade cultural, a outra é a liberdade de expressão. A maioria vive uma ditadura. No meu país mesmo, o Togo, o presidente ficou 38 anos no poder, ele morreu, seu filho assumiu, ninguém pode falar mal dele, porque senão pode ter protesto e até morte."
Para conhecer melhor O projeto Mente Aberta oferece aulas de inglês, francês e espanhol. As próximas turmas regulares começam em fevereiro de 2020, e as inscrições poderão ser feitas a partir de janeiro. São três horas por semana de aulas, e o investimento é de cinco parcelas de R$ 250 reais. O início para as aulas em empresas e particulares pode ser feito a qualquer momento. Endereço: Avenida São João, 313, 11º andar, SP. Telefone: (11) 3225-0439. Site: www.menteaberta.org.br.
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