Com comida saudável, negócio de mãe e filha cresce 70% e emprega imigrantes
Quando se descobriu intolerante à lactose, em 2012, Maíra da Costa, de 37 anos, não imaginava o quanto o tema da restrição alimentar estaria, um dia, presente nos negócios da família. Naquela época, ela morava na Itália e, na condição de imigrante, trabalhava no setor gráfico, com testes de software.
"Quando a gente se descobre intolerante a algum alimento, logo começa enxergar melhor as outras pessoas", observa a empreendedora, hoje dona da Free Soul Food, empresa que oferece comida saudável a pessoas com restrições alimentares em São Paulo.
Fundado por Maíra junto com a mãe, Janete da Costa, de 62 anos, que é diabética, o empreendimento teve início em 2016. Desde então, já cresceu cerca de 70%, com o faturamento sendo triplicado ao longo desse período. Seis das dez funcionárias fixas da empresa são mulheres vindas de países como Haiti, República Dominicana, Angola e Venezuela.
No último dia 12, a iniciativa recebeu menção honrosa no programa de formação on-line Empreender com Impacto, desenvolvido ao longo de seis meses pelo Mercado Livre em parceria com a Mayma Humanidade Empreendedora e a Giral Viveiro de Projetos. A proposta foi selecionada por um júri composto por especialistas de negócios de impacto latino-americano, dentre sete semifinalistas e 270 histórias do Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, México e Uruguai.
Maíra ficou surpresa com o resultado, anunciado em Buenos Aires. "Estou num ramo totalmente diferente do que eu atuei por 15 anos, a área gráfica. E pensar que disputamos com pessoas com projetos muito interessantes. Foi incrível", comenta.
Antes de começar, muita pesquisa
A ideia de criar a Free Soul Food veio do desejo de Janete, professora aposentada, de comprar um restaurante. Mãe e filha começaram a buscar negócios à venda, mas logo perceberam que montar o próprio empreendimento se adaptaria melhor ao orçamento das duas. Foram dois anos de pesquisas até que o sonho saísse do papel. "No começo, eu pesquisava para ver se persuadia minha mãe a não comprar um restaurante. Mas nós duas sempre gostamos de cozinhar, apesar de não termos trabalhado com cozinha ainda", comenta Maíra, que, em vez de fazer a mãe desistir do projeto, acabou sendo convencida a levar a ideia de Janete adiante.
Foi, inclusive, a curiosidade de Janete em testar receitas com ingredientes saudáveis que levou a dupla a optar por uma culinária mais responsável em seu modelo de negócio. Antes da Free Soul Food, a mãe de Maíra já fazia experiências gastronômicas com óleo de coco e chia, por exemplo. Isso acabou inspirando a filha a formatar um negócio com propósitos bastante definidos diante de um setor em crescimento. Segundo pesquisa da consultoria Euromonitor, o Brasil é o quarto colocado mundial no consumo de alimentos saudáveis, sendo responsável pela movimentação anual de US$ 35 milhões.
"Pensamos na alimentação e no cuidado com o corpo. Como as pessoas com restrições alimentares têm uma série de privações, nossa palavra de ordem se tornou respeito - ao corpo e às pessoas", explica Maíra.
Ela assinala que, ao mesmo tempo, a experiência fora do Brasil a tornou mais sensível à questão migratória. A forma encontrada para lidar com isso foi contratar mulheres, a maioria negras, vindas de diferentes lugares do mundo. "A ideia é fazer com que elas possam ter sua autoestima resgatada, se sentir mais plenas", observa a empreendedora.
Foi preciso adaptar a ideia
A dupla começou os trabalhos com serviço de entrega. Logo as sócias perceberam, no entanto, que seria preciso aprimorar a logística para atender São Paulo. A saída foi buscar pontos físicos e ampliar o atendimento a partir de eventos corporativos - já responsáveis por 40% das atividades da empresa.
Hoje, são dois pontos em funcionamento, com cerca de 300 vendas diárias. As unidades operam dentro da empresa Whirpool, no Sacomã. Nesses espaços, a Free Soul Food mantém um cardápio com lanches, doces, saladas e refeições que atende o público em geral, além de vegetarianos, veganos, diabéticos, celíacos e intolerantes à lactose, como a própria Maíra.
"Mesmo dentro da empresa procuramos incentivar a alimentação mais saudável. Só trabalhamos, por exemplo, com açúcar demerara, em substituição ao açúcar mais processado", pontua a sócia. O carro-chefe da empresa é o bife de jaca. "As pessoas ficam extremamente curiosas."
Apoio de parcerias
Para dar conta dos eventos corporativos, a Free Soul Food atua com equipes temporárias, de 15 pessoas, em média. Outra estratégia para ampliar o portfólio e conseguir atender mais clientes tem sido trabalhar em parceria com pequenas empreendedoras - cinco, atualmente. Elas fornecem parte da produção para compor o cardápio de Maíra e Janete. Todas seguem critérios de segurança alimentar preconizados pela Vigilância Sanitária.
A corretora de seguros Domênica Luciana Sousa, de 36 anos, é uma dessas parceiras. Ela vende trufas e sobremesas para a Free Soul Food desde fevereiro. "Depois que casei, descobri que gostava de cozinhar e aprendi a fazer doces. Fiz um dia para encomenda e não parei mais", relata. Há dois anos, ela criou com o marido, Ronaldo Antônio, 36, que atua na construção civil, a Dona Dô's Doces. Mais da metade da produção do casal é comprada pela Free Soul Food. "Foi a primeira vez que fornecemos para um cliente fixo."
O Consulado da Mulher, iniciativa da marca Consul, também é parceiro da Free Soul. As pequenas empreendedoras assessoradas pela ação social são contratadas pela empresa de comida saudável. "As próprias Maíra e Janete as ajudam a desenvolver os produtos voltados para o que precisam", comenta Érica Zanotti, gerente de projetos sociais do Consulado da Mulher. As empreendedoras atendidas, 80 em São Paulo, passam por oficinas e treinamento, além de um acompanhamento ao longo de dois anos pelo programa.
Reconhecimento
Para Laura Motta, especialista em Sustentabilidade do Mercado Livre no Brasil, empresa que promoveu o Empreender com Impacto, o negócio de Maíra e Janete se saiu bem na iniciativa devido ao potencial para lidar com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas (ONU). Além da proposta de geração de renda, as sócias atuam pela igualdade de gênero, boa saúde e bem-estar. "Percebemos que, ao longo do processo, Maíra foi entendendo e afinando o próprio modelo de negócio", afirma Laura.
O vencedor do programa foi o projeto argentino Épicos, que produz farinhas agroecológicas a partir de culturas alternativas, mas, na avaliação de Maíra, a participação na formação Empreender com Impacto já abriu os horizontes da Free Soul. Ela planeja novas parcerias e mudanças para o crescimento da empresa. "Foi um divisor de águas. Já estamos pensando em um novo modelo, uma forma de escalar o negócio", antecipa.
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