Doação para crianças: chegaram a colocar chinelo velho em cestas de Natal
Era para ter roupas, sapato, brinquedo, doce e produtos de higiene pessoal. Mas o que havia dentro da sacolinha de Natal para crianças de uma instituição social era: toalha molhada, roupa velha, chinelo arrebentado e brinquedo sujo.
Sim, a advogada Marlene Rodrigues, 49, que coordena o Projeto Centopeia, uma iniciativa que leva presentes de Natal a crianças no interior de São Paulo, diz ter encontrado esses itens em sacolinhas que uma "madrinha" preparou. "Nós ficamos muito decepcionados, mas tivemos que, às pressas, providenciar tudo de novo, para que aquelas crianças não ficassem sem os presentes", afirmou.
As sacolinhas de Natal são entregues todo ano na Casa da Criança Dom Antonio José dos Santos, em Assis (SP), que atende crianças de um a 11 anos com creche, pré-escola e aulas de reforço e atividades no contraturno escolar.
No Projeto Centopeia, todos os itens da sacolinha de Natal devem ser novos. Usados, apenas brinquedos e jogos, desde que estejam em perfeito estado de conservação e não remetam à violência (arma de brinquedo, por exemplo, não pode). Quando se dispõe a participar, o padrinho recebe por escrito o nome da criança, idade, tamanho de roupa e sapato que ela usa, orientações para a montagem do kit e data de entrega.
Segundo Marlene, o próprio padrinho pode embrulhar os presentes, mas, quando ele é novato e está "pegando" a sacolinha pela primeira vez, ela checa para ver se está completa. Foi o que aconteceu com a "madrinha" em questão. Alguns padrinhos inclusive entregam os itens soltos em sacolas de supermercado, assim a própria Marlene embala.
Para deixar tudo igualzinho, ela os coloca em sacolas brancas com lacinhos e o nome da criança. Faz tudo isso em um cômodo da sua casa em Osasco, na Grande SP, de onde os presentes seguem para Assis.
Neste ano, a entrega das sacolinhas de Natal para 273 crianças da Casa da Criança será no dia 14 de dezembro, mas a ação começou bem antes. Em geral a distribuição dos pedidos entre os padrinhos é feita em outubro, e eles devem devolver até o final de novembro, para que os presentes cheguem a tempo até as crianças.
Há 15 anos realizando a ação, Marlene reúne alguns aprendizados que podem servir de inspiração para quem pensa em organizar iniciativas parecidas.
Um ato de retribuição
A ação de Natal foi criada em 2004 pelo advogado Adilson Aparecido Ferreira, marido de Marlene falecido em 2014. Mesmo morando em Osasco (SP), a instituição escolhida por Adilson para receber as sacolinhas foi a Casa da Criança em Assis. Órfão de mãe e abandonado pelo pai aos nove anos, ele foi criado até a maioridade nessa instituição, que funcionou como abrigo de 1951 até o final dos anos 1980.
"Ele dizia que sempre teve o desejo de fazer algo pela Casa da Criança, por ser grato ao acolhimento e às orientações que recebeu lá", disse Marlene, que ajudava o marido e assumiu o comando do projeto após a morte dele. O nome Centopeia veio em 2011.
Uma das madrinhas mais antigas é xará da responsável pelo projeto: a aposentada Marlene de Barros, 62, de Osasco, prepara as sacolinhas desde o início, em 2004, "sem pular um único ano". "O que me move é a vontade de ajudar, além de atender o pedido de um amigo. Como o Adilson foi criado naquele orfanato, então o pedido dele teve outro significado", declarou.
Ela disse que a orientação de Adilson sempre foi para os padrinhos não comprarem roupas ou calçados de marca. "Ele não queria ostentação, nem coisas velhas. A ideia é fazer as sacolinhas com presentes novos, e não com o que está sobrando em casa."
Devolução de última hora
No Projeto Centopeia, são cerca de 200 padrinhos, entre fixos e avulsos. Há os que pegam mais de uma sacola e outros que têm problemas financeiros e deixam de ajudar, mas que voltam quando a situação melhora.
A ajuda dos padrinhos é fundamental. "Eles fazem a doação de coração e na maior boa vontade. Alguns pegam 10, 20, 50 sacolinhas para distribuir entre os amigos. Mas, na última hora, um ou outro avisa que não conseguiu repassar todas as sacolas. Teve um ano que devolveram 14 de uma vez", disse a coordenadora do projeto.
Para garantir que as sacolas cheguem a tempo, Marlene fica em contato constante com os padrinhos: manda a ficha da criança por email, telefona, relembra o prazo. "São problemas de última hora, mas solucionáveis. No final tudo dá certo", declarou.
Ação coletiva
Pode parece mentira, mas aconteceu de verdade, segundo Marlene Rodrigues. No início do projeto, uma madrinha pegou 20 sacolas e, no dia de entregar os presentes para as crianças, ela não queria que Adilson levasse. "Dizia que ela mesma entregaria diretamente para as crianças, o que ele não deixou. Adilson teve até que chamar a polícia para fazer a madrinha entregar as sacolinhas para o evento. Foi triste", contou.
É permitido que o padrinho participe do evento de entrega, mas ele não pode dar o presente diretamente à criança. "É uma ação conjunta e deve ser anônima", afirmou Marlene.
De Osasco para Assis
Agora, imagine montar 273 sacolinhas, acondicioná-las em 70 caixas e despachá-las de Osasco para Assis sem gastar quase nada? A logística é enorme e depende do apoio de voluntários e patrocinadores, que doam tempo, caixas e transporte.
A transportadora Metatron Express, com sede em São Paulo, leva as caixas até a cidade do interior sem cobrar nada desde 2004. Todo o material fica num galpão da empresa até ser retirado por alguém da Casa da Criança.
"No final, aparecem anjos por todo lado", comemora Marlene.
Para contribuir com as sacolinhas de Natal, basta entrar em contato por email ou ligar nos telefones (11) 3599-6110 e (11) 97351-9283. A campanha de Natal tem início em outubro, mas o projeto aceita ajuda o ano todo.
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