Jovem trans fatura R$ 2 milhões ao ano ao levar diversidade a mercado de TI
Transgênero e nascido na periferia de São Paulo, Gustavo Glasser, 36, sentiu na pele as dificuldades de quem, como ele mesmo define, "está na base da pirâmide". Foram diversos momentos difíceis desde a adolescência, quando, ainda vivendo sob seu nome de batismo (Juliana), assumiu para os pais que era gay. Ao contrário do que acontece em boa parte das famílias que não aceitam a sexualidade dos filhos, foram seu pai e sua mãe — e não Gustavo — que saíram de casa depois da notícia.
Sem apoio familiar, a trajetória profissional até a fundação da Carambola, uma startup que, além de soluções em tecnologia, oferece serviços para garantir a diversidade e a equidade entre gêneros dentro das empresas, foi dura. Incluiu bicos e trabalhos braçais de baixa remuneração, como montar palco para shows e carregar mudanças, além de dificuldades para pagar até a conta de luz. Ele chegou a ficar meses sem energia elétrica em casa.
Tanta dificuldade o fez criar um negócio que tem, no modelo, o objetivo de diminuir os obstáculos de outras pessoas no mercado de trabalho: mulheres, negros, pessoas com necessidades especiais e LGBTI+. Atualmente, a equipe da empresa tem 17 pessoas, incluindo a parte de comunicação, operações e mentoria.
E a empresa já cresceu mais de quatro vezes desde 2013. Só no último semestre, o faturamento ficou em R$ 2 milhões. Com tantos resultados positivos, o modelo de negócio rendeu a Gustavo o Prêmio Empreendedor do Futuro 2019, promovido pelo jornal Folha de São Paulo em parceria com a Fundação Schwab.
A meta, agora, é continuar se expandindo, para atender outros mercados na área de tecnologia. A sede atual funciona dentro do Instituto de Engenharia de São Paulo, próximo ao Parque Ibirapuera. "Já estamos implementando a operação em São Francisco, nos Estados Unidos. Também pensamos em uma outra unidade na América Latina", antecipa Glasser.
A volta por cima
Gustavo conseguiu sair da espiral de dificuldades porque se inspirou na trajetória de um amigo que estava feliz trabalhando com tecnologia. "Ele me falou que estava ganhando um salário bom na área, e eu disse que queria fazer aquilo também", conta.
Por indicação do rapaz, Gustavo foi atrás de cursos gratuitos do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio), lugar aonde precisava chegar mais cedo para tomar banho, diante da falta de luz em casa. Era também uma das últimas pessoas a saírem do prédio.
Conseguiu um estágio no Centro de Inovação da Microsoft, com salário de R$ 1,2 mil - valor que ainda estava longe dos R$ 5 mil que o amigo que o impressionara recebia, mas já começava a lhe dar novas perspectivas. Em seguida, veio o Bacharelado em Sistemas de Informação, também no Senac, cursado com bolsa de estudos.
Já formado, Gustavo foi contratado na área de tecnologia por um banco, mas precisou começar tudo de novo depois de perder o emprego após um afastamento para cuidar da saúde. Foi então que tomou a decisão de criar o próprio negócio, a Carambola, em 2013. Inicialmente, a empresa era focada em consultoria de software. Cerca de 180 pessoas chegaram a trabalhar em projetos do empreendimento até 2017. Essa rotatividade nas contratações era um gargalo no negócio que o programador e o sócio, o engenheiro de Renato de Almeida Prado, precisariam resolver.
Sem condições de contratar profissionais caros do mercado, a empresa investia na capacitação dos colaboradores. Mas era comum que, depois um tempo, esses desenvolvedores treinados por eles os deixassem diante de propostas da concorrência. "Percebemos que o que tinha mais valor era o processo de formação e educação das pessoas. Nosso processo foca na melhoria da condição social das pessoas que estão na base da pirâmide", observa Gustavo.
Mais do que soluções em tecnologia
Em 2017, ele e o sócio pivotaram (termo usado por empreendedores para indicar uma mudança de rumos radical em uma startup) o modelo de negócios atual. Para isso, desenvolveram uma nova proposta em que a empresa ainda entrega soluções, mas a partir de uma nova dinâmica. A aposta foi na criação de uma metodologia educacional capaz de resolver o problema da rotatividade que tinham e gerar equidade nas empresas de tecnologia.
Nesse método, profissionais são selecionados pela Carambola para compor trios em que pelo menos um dos membros faz parte de algum grupo minoritário. As equipes são treinadas para atender projetos de clientes da startup.
Ao todo, são quatro meses de atividades e mentorias - na primeira edição, em 2018, eram seis meses - que culminam com a entrega do produto contratado e na possibilidade de efetivação dos desenvolvedores pelo cliente.
Nos dois primeiros meses, os profissionais permanecem integralmente na Carambola, sendo acompanhados semanalmente, por meio de reuniões, pelos gestores da empresa contratante.
No terceiro mês, começa a ser feita uma integração da equipe no ambiente de trabalho do cliente, de forma que, ao final do programa, o profissional já esteja totalmente integrado aos processos da empresa. A entrega final do projeto ocorre no quarto mês, quando o cliente tem a opção de anunciar a contratação dos desenvolvedores que atuaram com ele.
Durante esse período, são desenvolvidas habilidades técnicas, pessoais e sociais dos programadores. Os profissionais recebem um salário de R$ 2,5 mil e geralmente saem do programa com pelo menos um nível técnico acima do de quando ingressaram na Carambola.
Um rumo diferente
A maranhense Ilara Chaves Almeida, de 29 anos, decidiu há pouco tempo tentar a vida em São Paulo. "Um amigo disse que eu teria mais oportunidades profissionais se me mudasse. Vi que era, mesmo, o lugar perfeito para se estabelecer financeiramente", conta.
Em dezembro passado, ela deixava a casa dos pais e iniciava uma jornada em busca de emprego. Depois de seis meses, passou em uma seleção da Carambola. "Fui em uma palestra deles e me apaixonei pela metodologia. Nunca aprendi tanto como ali", define a programadora.
Por seis meses, ela fez parte de uma das equipes capacitadas pela Carambola. Além de treinamento na parte técnica, recebeu mentorias para desenvolver habilidades comportamentais como ser empática, se comunicar melhor com clientes e se comportar em reuniões, entre outras situações do dia a dia.
"São coisas que vão além do estereótipo do profissional de tecnologia e que hoje coloco em prática até na minha vida pessoal. Abri minha cabeça", diz.
A cada semana, Ilara e os parceiros cumpriam entregas à empresa que havia contratado a startup para intermediar o desenvolvimento de um de seus projetos. E eles eram remunerados para isso.
Pouco a pouco, ocorreu a imersão dos profissionais no ambiente de trabalho do cliente, o Itaú. Duas semanas antes do programa terminar, Ilara já estava efetivada na instituição bancária como analista de Engenharia de TI. "Esse apoio faz toda a diferença para quem quer entrar em uma grande empresa", observa a maranhense.
Assim como Ilara, outras 17 pessoas passaram pela primeira turma do programa. Quase 70% desses profissionais têm renda familiar de dois salários mínimos, sendo que 100% fazem parte de alguma minoria no setor de TI. Ao final da experiência com a Carambola, 75% conseguiram uma vaga de emprego.
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