SP lança cartilha sobre como atender LGBT e outros grupos no setor público
"Em 2013, quando apresentei requerimento ao órgão responsável para que se dirigissem a mim no trabalho pelo nome social, as pessoas ficaram sem saber o que fazer", lembra Cristiane*, servidora pública em São Paulo. Era o começo de sua transição para o corpo feminino, na condição de mulher trans, ou seja, aquela que nasceu com sexo biológico masculino, mas possui identidade de gênero feminina e se reconhece como mulher.
Alguns funcionários chegaram a criar uma consulta interna para saber a qual dos banheiros Cristiane teria acesso. "Levaram meses para fazer 'ajustes em sistema'. Quando fizeram, porém, não foi como deveria. Tive que fazer valer meu direito e acionei a Justiça", conta.
O relato de Cristiane reflete uma situação comumente encontrada tanto no setor público quanto no privado: a falta de preparo para acolher a diversidade. Pensando em garantir uma conduta adequada, ao menos nos serviços públicos, uma iniciativa do governo do estado de São Paulo foi lançada esta semana para orientar o atendimento a diferentes segmentos da população, como LGBTs, idosos e pessoas com deficiência.
O "Orientador de Boas Práticas — Atendimento dos Serviços Públicos às Populações Vulneráveis" foi apresentado na última segunda-feira (9), em cerimônia realizada no Espaço da Cidadania "Governador André Franco Montoro", nas dependências da Secretaria da Justiça, no centro de São Paulo (SP).
Pensado como uma cartilha virtual, o material traça alguns direcionamentos técnicos ao servidor público (e demais pessoas interessadas) para o atendimento a essas pessoas nas unidades da administração pública estadual.
Cartilha orientadora
A iniciativa é da Coordenação Geral de Apoio aos Programas de Defesa da Cidadania (CGAPDC), órgão vinculado ao governo do estado de São Paulo. O documento oferece ferramentas para o atendimento das populações histórica e socialmente excluídas, considerando as dimensões étnico-raciais, geracional, de orientação sexual e de identidade de gênero. Outros segmentos contemplados pela cartilha são as populações tradicionais (povos indígenas), pessoas com deficiência, em situação de rua, analfabetos, iletrados e idosos.
"A ideia é que as orientações contidas nesta cartilha estejam em permanente discussão para melhor acolher esses grupos. Certamente necessitará de atualizações em um futuro próximo", explica Deborah Malheiros, 56, coordenadora da CGAPDC e uma das responsáveis pelo projeto.
Deborah conta que a concepção do material levou mais de um ano e recebeu a ajuda de 17 diferentes órgãos do estado, entre coordenações e conselhos da Secretaria de Justiça, além das Secretarias da Pessoa com Deficiência e do Desenvolvimento Social. Também contou com a colaboração de especialistas e lideranças dos segmentos atendidos, que levantaram as principais dificuldades enfrentadas por essas populações quando atendidas nas unidades da administração pública.
Depois de identificarem as demandas de cada segmento, por meio de entrevistas, reuniões e consultas, Deborah e a equipe da CGAPDC organizaram rodas de conversas com lideranças, especialistas e as secretarias que prestam serviços a esses grupos.
"Foi um processo que levou mais de um ano. Isso porque achávamos de extrema importância o diálogo com os diferentes segmentos em questão — afinal, seriam eles os responsáveis por validar ou não as orientações desta cartilha", diz a coordenadora.
Não deduza, pergunte
O material é dividido em oito partes que abordam os diferentes segmentos populacionais contemplados. Cada capítulo apresenta uma série de orientações técnicas para o atendimento desses grupos. Também conta com um capítulo de conceitos e informações sobre os diferentes órgãos vinculados ao Estado.
Em resumo, o material visa atender três objetivos: ampliar o conhecimento dos servidores (e terceirizados) sobre as especificidades das populações vulneráveis; subsidiar as ações de atendimento nas relações entre atendentes e esses grupos; e viabilizar maior acesso aos serviços disponibilizados pelo poder público.
No capítulo sobre a população LGBT, por exemplo, o texto busca direcionar os servidores a tratar a pessoa de acordo com o gênero que ela se apresenta: "se feminino, use o pronome de tratamento 'senhora'; se masculino, 'senhor'. No caso de dúvidas, pergunte: 'qual o seu nome?' ou 'como devo te chamar?'. Não deduza".
"Nós temos que repensar as nossas práticas diárias. 'Respeito' talvez seja a palavra que melhor consiga ilustrar esse trabalho", comenta Marcelo Gallego, 42, coordenador estadual de políticas para a diversidade sexual.
"Achei uma iniciativa interessante e, quanto à cartilha, é bem didática para quem não tem familiaridade com as pautas em questão", avalia Cristiane. "Só fica o questionamento quanto à eficácia desse orientador, se será algo que os órgãos públicos se valerão, ou se vai ser algo 'para inglês' ver'", comenta a jovem após analisar o material.
O Orientador foi pensado como uma cartilha virtual e está disponível no site da Secretaria de Justiça e Cidadania, podendo ser utilizado por outros setores e pela população em geral. Também foram impressas 100 cópias e distribuídas entres os órgãos vinculados ao governo do estado.
*Nome fictício, pois a personagem preferiu não ter a identidade divulgada.
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