Aumento da miséria no Brasil faz ação que já ajudou mais de 500 mil voltar
O Natal é uma das épocas do ano com mais doações para a população de baixa renda. A combinação de clima de festa, reflexão e intensa movimentação no comércio acaba por incentivar também ações de caridade, como o Natal Sem Fome. O projeto de mobilização da sociedade civil e arrecadação de alimentos é promovido pela ONG Ação Cidadania desde 1994.
"Na campanha de 2018, conseguimos ajudar mais de 500 mil pessoas em 20 estados brasileiros. A meta deste ano é chegar a duas mil toneladas de alimentos não perecíveis e doar para mais de um milhão de pessoas", afirma Kiko Afonso, diretor-executivo do movimento.
Para chegar até os números expressivos que o Natal sem Fome tem atualmente, muitas mudanças ocorreram — até uma pausa aconteceu. Edir Dariux, coordenadora voluntária de um dos comitês do Rio de Janeiro, acompanhou tudo isso de perto.
Ela vive na comunidade Canaã, no bairro de Santa Cruz, na zona oeste carioca, e atua na mesma região com distribuição de alimentos. É responsabilidade de Edir selecionar as famílias que de fato precisam de ajuda e evitar que os produtos sejam entregues a quem não vive situação de insegurança alimentar ou miséria absoluta.
"Ano passado, nós ajudamos com cestas básicas os servidores públicos cariocas que até tinham emprego, mas não estavam recebendo salários há meses", afirma.
"Quem tem fome, tem pressa"
Em 1993, cerca de 32 milhões de brasileiros estavam abaixo da linha da pobreza, segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). O número chamou a atenção do sociólogo e ativista dos direitos humanos Herbert de Souza, o Betinho. Outras personalidades do país se juntaram a ele para debater uma das questões sociais que acompanham e caracterizam parte da realidade do Brasil há tempos: a fome.
Betinho foi responsável por comandar a primeira campanha da ONG, "Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida", e que se transformou, naquela década, na principal organização não governamental do Brasil, com participação de diferentes setores da sociedade civil. Ele chamava a atenção para o problema por meio de passeatas, propagandas e em entrevistas nos principais veículos de imprensa.
"Quando a Ação Cidadania foi fundada, a internet estava engatinhando. Não existia os grupos de mensagens instantâneas ou redes sociais com hashtags e likes. Era tudo na conversa presencial, no boca a boca", conta Kiko Afonso.
O diretor-executivo afirma que a tecnologia é uma ótima ferramenta para os dias atuais, já que auxilia no contato com os comitês espalhados pelos estados brasileiros. "Antes tudo tinha que ser feito nos postos de coletas de alimentos. Quando cheguei na ONG, em 2017, tinham diversas ações arcaicas e que lembravam a década de 1990", relembra.
Outra percepção de Kiko é de que, mesmo que a internet contribua para interações sociais, a falta de engajamento presencial com doações ou voluntariado em postos de coletas mostra a distorção que ainda existe do real significado de estar a favor da atividade.
"A maioria acha que dar like em alguma postagem é estar a favor do Natal sem Fome, mas isso não gera um pacote de alimento na cesta básica. Precisamos de ações reais", afirma o diretor.
A alternativa encontrada foi hospedar a campanha em sites de crowdfunding, arrecadação online, e caixas de coletas em espaços de entretenimento, como nas entradas de estádios de futebol e shows beneficentes, onde o público pode levar alimentos não-perecíveis e em alguns casos trocar pelo ingresso.
A edição nacional do Natal sem Fome ficou durante 10 anos suspensa, retomando as atividades em 2017. As iniciativas públicas do governo federal em 2007, segundo o diretor, estavam diminuindo a quantidade de pessoas que estavam a abaixo da linha da miséria.
"Dessa forma, a meta principal de colocar o combate à desigualdade social como ação governamental tinha sido atingida", explica ele. Entre 1995 e 2008, 12,8 milhões de pessoas saíram da pobreza absoluta, segundo o Ipea.
Se tivesse mantido o ritmo, as previsões do instituto era que em 2016 o Brasil tinha condições de superar o estigma negativo. Já em 2014, o país foi retirado do Mapa da Fome da ONU (Organização das Nações Unidas). A relação de países listados pela entidade mostra os territórios mundiais que têm mais de 5% da população ingerindo menos calorias que o recomendado. Quando saiu da lista, o Brasil tinha chegado a 3%.
Porém, em 2017, os organizadores e Kiko, que acabara de assumir a presidência da ONG, perceberam a necessidade de retomar o projeto. Naquele ano, observaram o conjunto de políticas públicas vigente há 10 anos sofrer contingenciamentos e congelamentos, além de 14,83 milhões de pessoas passarem a viver em pobreza extrema, segundo o relatório da LCA Consultores divulgado pelo IGBE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
"Não é no Natal que vamos erradicar a fome do país, mas é nessa época que conseguimos sensibilizar a sociedade de que a miséria no Brasil está aumentando de forma galopante e precisamos agir juntos", conclui Kiko.
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