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Escola de ONGs muda relação com voluntários e bate receita de quase R$ 3 mi

Maria Elena Pereira Johannpeter é fundadora da Parceiros Voluntários - Divulgação/Mathias Cramer
Maria Elena Pereira Johannpeter é fundadora da Parceiros Voluntários Imagem: Divulgação/Mathias Cramer

Antoniele Luciano

De Ecoa

30/12/2019 04h00

Quando estava para se aposentar, a gaúcha Maria Elena Pereira Johannpeter, 74, tinha dúvidas sobre como seria sua vida nos próximos anos. Ela havia trabalhado por décadas como assistente na administração de grandes empresas e sentia que sua experiência ainda poderia ser aproveitada pela sociedade.

"Decidi oferecer isso ao Terceiro Setor. Mesmo sem expertise nessa área, me lancei na causa de desenvolver uma cultura de trabalho voluntário organizado", afirma a fundadora da Parceiros Voluntários. Criada em Porto Alegre, a organização não-governamental atua como centro de voluntariado — em 2019, teve R$ 2,7 milhões de receita.

Desde 1997, quando saiu do papel, a instituição já impactou mais de 8 milhões de pessoas e 2,4 mil ONGS, colecionando histórias bem-sucedidas, que vão da chancela da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) a premiações como o Best Pratices Award Dubai Internacional 2014, concedido pelo governo de Dubai e pela ONU (Organização das Nações Unidas).

No entanto, nem sempre foi assim. Para sobreviver como centro de voluntariado, foi preciso rever estratégias de atuação ainda nos primeiros anos de existência.

ERRO Supor que o desenvolvimento de uma cultura de voluntariado organizado dependia apenas da capacitação dos interessados em se voluntariar.

APRENDIZADO Desenvolver metodologias de acordo com as necessidades do setor, ou seja, das organizações sociais e não apenas dos voluntários.

"Nós começamos mobilizando pessoas. Mas vimos que deveríamos ter trabalhado, primeiro, com as organizações. Assim, elas estariam bem preparadas para receber os voluntários", recorda a fundadora e presidente do Conselho de Administração da Parceiros.

Segundo Maria Elena, foram cinco anos assistindo a um mesmo tipo de dinâmica. A Parceiros perguntava às organizações em que áreas precisavam de voluntários, e as organizações não sabiam dizer ao certo no que essas pessoas eram necessárias. "Nós imaginávamos que, capacitando os voluntários, as ONGs iriam abrir as portas para eles. Mas, naquele momento, eram as ONGs que precisavam estar capacitadas para receber o recurso que a sociedade estava oferecendo", comenta.

Essa falta de preparo - ou gestão, como define a fundadora, fazia com que a taxa de permanência dos voluntários encaminhados pela Parceiros às entidades sociais não passasse dos 20%. Em um dos casos, por exemplo, um ex-administrador de empresas se voluntariou em uma ONG e foi designado para carimbar vouchers. "A instituição não estava preparada para ver no que ele poderia ajudar na gestão. Foi um caso excepcional porque, apesar disso, ele continuou ali, até que pudesse dar sugestões. Geralmente, quando isso acontece, o voluntário fica insatisfeito e não permanece com a ONG", observa.

A saída, então, foi expandir a capacitação oferecida, incluindo as organizações no escopo. Isso implicou na criação de metodologias que pudessem abranger as demandas desse público, desde a formação de coordenadores de voluntários a noções de transparência e planejamento de comunicação.

"Com essa capacitação gerencial, as empresas começaram a perceber quais as habilidades poderiam ser complementadas por voluntários", afirma Maria Elena. Ela avalia que, desse modo, as entidades atendidas passaram a ter ainda subsídios para sobreviver no Terceiro Setor. "O pior problema de uma organização é não ter gestão. Isso pode significar seu fim. Pode-se avançar, mas isso acontece com muita dificuldade", pontua.

 Casas André Luiz  - Divulgação/Casas André Luiz - Divulgação/Casas André Luiz
A instituição Casas André Luiz atua com 1,8 mil pessoas com deficiência intelectual, em Guarulhos (SP)
Imagem: Divulgação/Casas André Luiz
Nas Casas André Luiz, organização que atua com 1,8 mil pessoas com deficiência intelectual e com ou sem deficiência física associada, em Guarulhos (SP), a capacitação recebida por meio da Parceiros também garantiu mais profissionalização à instituição. A ONG, que oferece serviços de habilitação e reabilitação em unidade de permanência e ambulatório, tem 1,9 mil funcionários e 512 voluntários, incluindo toda a diretoria.

"Aprendemos muito sobre a parte contábil, de gestão e conceitual mesmo envolvendo o Terceiro Setor, tudo muito específico de acordo com o que a nossa realidade, de recursos escassos", afirma Anelise Ramos Pinto, gerente de Comunicação e Marketing.

Ela participou do curso Educando para a Transparência, promovido neste semestre em São Paulo, por meio de uma parceria entre a FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade), da USP (Universidade de São Paulo), e a Parceiros Voluntários, com patrocínio do Instituto Credit Suisse Hedging-Griffo. Ao todo, 30 líderes de organizações da sociedade civil passaram pela formação focada em gestão. O curso foi gratuito.

Protagonismo cidadão

Outra mudança necessária na história da Parceiros foi em relação ao público que queria ser voluntário. Ainda no início da organização, Maria Elena percebeu que os interessados chegavam com uma faixa etária entre 30 e 40 anos e valores definidos. "Era comum aquele pensamento de que 'isso não é responsabilidade minha, é do governo", lembra.

A estratégia para lidar com isso foi elaborar um programa que despertasse o protagonismo cidadão em gerações mais jovens. Nascia, assim, há 17 anos, o Valores na Educação, cuja principal ação é a Tribos nas Trilhas da Cidadania. A iniciativa envolve crianças e jovens estudantes de escolas da rede pública e privada.

"Dos cinco aos sete anos, trabalhamos questões envolvendo o respeito ao outro, em sala. Depois, dos oito aos 13 anos, vamos para atividades no âmbito da escola, e, dos 14 aos 20 anos, há o envolvimento com a comunidade", explica Maria Elena.

ERRO Focar o desenvolvimento de uma cultura de voluntariado junto a um público com valores já cristalizados.

APRENDIZADO Perceber que seria necessário desenvolver um trabalho de base junto a potenciais voluntários, neste caso, crianças e adolescentes.

Nessa fase, os estudantes escolhem trilhas — Educação para a Paz, Meio Ambiente ou Cultura — e desenvolvem ações de voluntariado junto à comunidade. Isso envolve escrever um projeto de acordo com a demanda local, buscar parcerias e executar o que foi planejado. Mais de 150 mil alunos do Rio Grande do Sul já passaram pela Tribos.

Crianças participam de ações envolvendo meio ambiente dentro do projeto Tribos nas Trilhas da Cidadania - Divulgação/Parceiros Voluntários - Divulgação/Parceiros Voluntários
Crianças participam de ações envolvendo meio ambiente dentro do projeto Tribos nas Trilhas da Cidadania
Imagem: Divulgação/Parceiros Voluntários

É o caso dos 212 estudantes da Escola Estadual Mathias de Albuquerque, na zona sul de Porto Alegre. A participação na ação garante formação aos professores e atividades para as crianças do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental. Já são quatro anos de parceria. "São muitos resultados bons", afirma Cláudia Adriana de Souza Campos, diretora do colégio.

De acordo com ela, a Tribos nas Trilhas da Cidadania ajudou não só a elevar o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) da escola de 4.9 para 5.7, mas também a aumentar o número de crianças matriculadas na unidade — antes eram apenas 154 alunos. "Também passamos a desenvolver um trabalho sobre assuntos como educação financeira e direitos humanos com eles desde cedo", destaca a professora.

Em novembro, a Mathias de Albuquerque foi a representante das escolas públicas do Rio Grande do Sul em uma feira sobre direitos humanos, promovida pela PGE (Procuradoria Geral do Estado). Os alunos do colégio também foram finalistas da Olimpíada Nacional de Educação Financeira.

Além de no Rio Grande do Sul, o projeto está em escolas da Bahia, Espírito Santo, São Paulo e Tocantins.

Empresariado

Há dois anos, a Parceiros ampliou novamente sua atuação. Passou a atender empresas que enfrentam dificuldades de relacionamento com a comunidade.

"Ao invés de querermos levar empresas para o voluntariado, decidimos trabalhar com elas dentro de seu território. Escutamos empresa e a comunidade e tentamos levar soluções para os desafios delas. O próprio clima organizacional de uma empresa também pode ser um desafio de mobilização social", define Maria Elena.

Para esses casos, que podem envolver, por exemplo, uma empresa que gera impacto em estradas ao escoar sua produção por meio de veículos de carga, são desenvolvidas metodologias personalizadas.

ERRO Focar a atuação junto a empresas no voluntariado tradicional, ou seja, tentando levá-las somente para programas dentro de entidades sociais.

APRENDIZADO Ouvir demandas entre empresas e comunidades para desenvolver metodologias de mobilização social de acordo com a necessidade de ambas as partes e no próprio território delas.

Esse trabalho, segundo a presidente do Conselho de Administração da ONG, deve ser o foco das estratégias da Parceiros nos próximos anos, ao mesmo tempo que segue desenvolvendo os demais programas. Também há planos de fortalecimento da marca em São Paulo, cidade que conta com um escritório da instituição.

Sustentabilidade

A Parceiros tem apostado em um modelo de captação de recursos diversificado. Cerca de 70% da receita da instituição vem de projetos. Isso abrange tanto os programas ligados a escolas quanto os que promovem a capacitação de organizações sociais. "O que define isso [o projeto] é o enfoque do financiador", explica Maria Elena.

Neste ano, por exemplo, formações de ONGS foram financiadas por empresas. Já o programa Valores Na Educação, que abrange a Tribos nas Trilhas da Cidadania, conquistou a escala nacional por meio da Lei de Incentivo à Cultura, mais conhecida como Lei Rouanet. Através desse mecanismo, o governo federal faz a renúncia fiscal de 4% do imposto que as empresas patrocinadoras deveriam pagar à União, o que permite que o dinheiro seja destinado a projetos culturais aprovados pelo Ministério da Cultura. A Parceiros também tem projetos financiados pelos fundos municipais da Criança e do Adolescente e da Pessoa Idosa, de Porto Alegre.

O restante da receita da ONG vem de empresas mantenedoras e apoiadoras e da consultoria empresarial iniciada há dois anos. A organização não recebe diretamente recursos do governo. Hoje, a Parceiros tem uma equipe com 13 colaboradores fixos e 22 voluntários na sede paulistana e de Porto Alegre, além de consultores terceirizados.