Além de doações e ideias: como uma ONG fez da educação um projeto de vida
Com uma apresentação de Power Point "debaixo do braço", o pesquisador em educação Pedro Dantas, 31, foi em busca da confiança dos professores da rede pública de Pernambuco para apresentar a sua ideia de tirar projetos educativos do papel e fazê-los acontecer por meio de campanhas de financiamento coletivo, mais conhecidas como crowdfunding.
Naquele momento, em 2014, a ONG Somos Professores, da qual ele é sócio-fundador, estava sendo criada e, com ela, uma plataforma digital de captação de recursos. Mas, como fazer professores e professoras enxergarem a iniciativa como uma forma de transformar sua ideia em realidade?
O formato era simples: um site no qual os educadores da rede pública poderiam inscrever seus projetos educativos e sociopedagógicos para angariar recursos financeiros. A organização tinha a proposta de aprimorar os projetos para deixá-los mais atrativos aos possíveis doadores e monitorar todo o processo de captação do dinheiro.
Após a finalização de cada campanha de crowdfunding, a compra e entrega dos materiais destinados aos projetos também ficava a cargo da ONG. A partir daí, a bola era passada integralmente para os professores e, na maioria das vezes, o contato com a organização se perdia. A consequência desse afastamento, muitas vezes, implicava na falta de continuidade dos projetos.
Ao longo da manutenção de cada iniciativa de educação, surgem outras demandas que não necessariamente são financeiras, mas a organização não conseguia dar conta dessa continuidade, já que focava todo o esforço nas campanhas de crowdfunding.
Geralmente, essas iniciativas funcionam de maneira extracurricular e muitas incentivam novas práticas dentro e fora da sala de aula. Como, por exemplo, projetos voltados para o ensino de hábitos sustentáveis, para a criação de uma horta no ambiente escolar e até a participação de mulheres na produção da ciência.
Luiza Dantas, sócia-fundadora e gestora da Somos Professores, afirma que o processo de captação era muito intenso e houve casos em que o financiamento coletivo não foi bem recebido dentro das escolas, já que a relação entre a ONG e os projetos focava na figura do professor. Segundo ela, a falta de uma articulação com toda a rede de ensino em que os professores estavam inseridos dificultava o andamento do crowdfunding.
"Uma vez um professor denunciou o outro na gestão da escola, dizendo que ele estava 'pedindo esmola' para realizar a sua ideia. Uma situação como essa dificulta o andamento dos projetos e tudo é resultado de muito esforço", conta.
"Quando a campanha de financiamento tinha o prazo de um mês, por exemplo, era sempre um período de muita correria. Nós doávamos e pedíamos para nossa rede de amigos também e até isso ia se esgotando", completa.
Foi quando a organização identificou a necessidade de ampliar a percepção sobre a relação entre ela e os projetos, o que representou o início de uma reinvenção.
Pedro Dantas, que é licenciado em história pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) conta que a ideia da ONG surgiu ainda em 2013, quando ele era voluntário de um projeto da Funase-PE (Fundação de Atendimento Socioeducativo de Pernambuco), que tem o papel de acolher e ressocializar jovens em situação de conflito com a lei.
Ele viu o Projeto Recomeçar, que reunia iniciativas de educação voltados para o atendimento socioeducativo, ficar inviabilizado por falta de dinheiro. Começou a tocar a Somos Professores ao lado da sua irmã Luiza e mais oito pessoas. Só ele atuava integralmente na ONG, já que todos tinham vidas profissionais para além do projeto. Hoje, dez integrantes compõe a organização.
Justamente nesse início de atividades, Pedro teve a oportunidade de fazer uma especialização no exterior. Passou na universidade de Stanford, na Califórnia, para o mestrado em Educação, e ficou distante da ONG por um período.
Ao todo, 48 projetos educativos foram financiados entre 2015 e 2018, abrangendo 11.296 alunos e levantando cerca de R$ 86 mil. Acontece que, quando Pedro foi estudar nos EUA, a ONG diminuiu pela metade o número de iniciativas financiadas. Em 2015, dez projetos foram apoiados e, em 2016, esse número caiu para cinco.
Luiza é formada em psicologia pela UFPE. À época, atuava em uma clínica psiquiátrica e em um consultório. Quando ela assumiu a Somos Professores, o resultado positivo veio com os 19 projetos apoiados em 2017.
"Eu me vi fazendo algo que eu acreditava, fazendo bem para o mundo. Cada professor tem uma história, você se envolve naquele mundo e é quase viciante. Me sinto feliz!", acrescentou ela.
Descobertas e reinvenções
Os possíveis doadores e financiadores dos projetos solicitavam dados que comprovassem a eficácia da proposta da ONG, e a própria organização começou a perceber que o apoio aos educadores poderia ser feito de maneira mais aprofundada.
Em agosto de 2018, decidiram estacionar as campanhas da plataforma digital de crowdfunding que criaram e estudar as possibilidades de como ser mais eficaz. Realizaram uma pesquisa com cerca de 30 profissionais da área de educação, entre professores e pesquisadores, para pensar o que de fato é preciso para colocar projetos educativos em prática.
Também fizeram um levantamento que entrevistou 409 professores de escolas municipais e estaduais. Desses profissionais, 325 se queixaram da falta de formação continuada para desenvolver seus projetos. A falta de recursos e materiais específicos para a elaboração das atividades foi citada por 78% deles e 58% acreditam que a realização de projetos extracurriculares ajuda os estudantes a aprenderem mais.
Com esses dados em mãos, a ONG criou o Programa Alavanca, que apoia redes de ensino municipais durante um ciclo de seis meses. Conseguiram tirar o Alavanca do papel por meio de um edital do Instituto MRV, do qual receberam o valor de R$ 80 mil. Neste primeiro ciclo, o município escolhido foi Jaboatão dos Guararapes, localizado na região metropolitana do Recife.
Foram estabelecidas 15 vagas para educadores e R$ 3 mil revertidos em materiais e serviços específicos destinados ao projeto para cada vaga. O diferencial do Alavanca está na duração do processo de suporte ao educador. No novo formato, a ONG fica em contato com os projetos durante seis meses prestando uma espécie de consultoria pedagógica.
O edital do programa foi lançado em abril e, atualmente, está na fase final. Professores e mentores do programa estão avaliando coletivamente os impactos dos projetos na vida dos alunos.
Luiza Dantas afirmou que o Alavanca será objeto de aprendizados para a realização de outras intervenções. A atual preocupação, segundo ela, é com a geração de receita para ONG.
"Entendemos que precisamos de outras fontes além dos editais. Também temos o plano de voltar com a plataforma de crowdfunding, mas queremos que ela seja autossustentável e isso está em fase de estudo", afirma. A organização se mantém com doações de pessoas físicas e dos fundadores.
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