Advogada cria brechó online e fatura R$ 10 milhões fazendo a moda circular
A advogada curitibana Luanna Toniolo Domakoski, 32, ainda não pensava em trabalhar com moda, mas já era chamada de "fashion hunter" pelos amigos. Gostava da área, mas não a via como sua profissão: ela se dedicava ao direito tributário e era sócia de um escritório. Mas uma temporada nos Estados Unidos, em 2015, mudou tudo: "Na época, estava advogando remotamente. Foi o momento em que parei para pensar no que poderia fazer. Pensei que a moda não fazia sentido da forma como sempre foi".
Interessada em conhecer mais sobre comportamento do consumidor, ela deu o primeiro passo em sua transição de carreira. Cursou uma especialização na área de marketing, em Harvard (EUA), e se debruçou sobre tendências na moda, até chegar ao conceito de "second hand" — segunda mão, em português. Quando voltou ao Brasil, planejou por um ano a abertura da TROC, um brechó online que, antes de completar três anos, já faturou R$ 10 milhões.
"Passamos esse período fazendo pesquisas de mercado, estruturando o site, captando peças. Pegávamos pranchetas e íamos para padaria, shopping, ouvir as pessoas, entender se elas se interessavam em vender roupas que não queriam mais", afirma Luanna, hoje empresária. Para validar a ideia do brechó online, ela e o marido, Henrique Domakoski, 35, usaram até grupos de WhatsApp. "Recebemos uma enxurrada de coisas. Vimos que a oferta não seria um problema", afirma.
A plataforma foi lançada em janeiro de 2017, seguindo o modelo mais indicado pelo público consultado pelo casal. As peças — roupas femininas e infantis, calçados, bolsas e acessórios — são enviadas gratuitamente para a TROC, em Curitiba, que fica responsável por elas até a venda. Tudo é avaliado, etiquetado, fotografado, postado no site e enviado para os compradores. O preço é definido pela TROC, mas passa pela aprovação das vendedoras antes de ser publicado.
A dona dos produtos recebe o valor acordado em 30 dias após a confirmação da venda, já descontada a comissão paga à plataforma. A taxa varia conforme a peça: até R$ 250, a vendedora recebe 40% da venda; de R$ 250 a R$ 750, a vendedora ganha 50% do valor; o percentual sobe para 60% no caso de peças vendidas por valores acima de R$ 750 e até R$ 3 mil. Já as peças de luxo, que custam mais de R$ 3 mil, resultam em recebimento de 70% do valor de venda na plataforma.
Peças de R$ 15 a R$ 15 mil
Em geral, os produtos comercializados na TROC custam 80% mais barato que nas lojas. A plataforma trabalha com marcas nacionais e internacionais, que vão do fast fashion ao luxo, com preços de R$ 15 a R$ 15 mil, caso de bolsas de grife. Ao todo, são mais de 40 mil peças disponíveis. Nos primeiros meses de operação, o estoque foi a sala da casa dos fundadores. Hoje, é um armazém de quatro andares distribuídos em mil metros quadrados. Trinta e sete pessoas trabalham no local.
"Queremos recriar a ideia do brechó como um lugar escuro, com mofo, roupas acumuladas. Criamos um modelo com um padrão de qualidade que as pessoas vão gostar e dar uma oportunidade para a second hand. Estamos, de alguma forma, tentando impactar no mundo, pensando de uma maneira mais sustentável", observa Luanna.
Ela calcula que mais de 100 mil peças já tiveram a venda intermediada pelo negócio. Luanna estima que, como a indústria da moda usa em torno de 2,7 mil litros de água para produzir uma única camiseta de algodão, a startup tenha ajudado na economia de 270 milhões de litros de água. Além disso, com a circulação das peças, há o incentivo na redução de resíduos têxteis — cerca de 90 toneladas em três anos de atividade.
Doação
Os estornos após compras na TROC correspondem a 11% das vendas e, conforme a empresária, não estão atrelados ao estado dos produtos. Luanna explica que quando a peça apresenta algum tipo de defeito — fio solto, bolinhas, manchas, rasgos, nem chega a ser postada para venda. Nessas situações, são apresentadas duas possibilidades para quem enviou a peça: a receber de volta, com envio a ser pago pela dona, ou a encaminhar para doação em instituições parcerias da startup, como a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) e Pequeno Cotolengo, ambas de Curitiba.
Cerca de 8 mil peças são recebidas por mês, sendo que 35% acabam devolvidas ou doadas.
No último mês, a empresa comercializou 6 mil peças. Embora não abra o faturamento anual, a TROC projeta um crescimento de 130% na receita de 2019, o que representaria um montante de 115 mil peças comercializadas.
Guarda-roupa renovado
As operações da plataforma envolvem clientes do Brasil todo. As compradoras com maior ticket são mulheres com idade entre 35 e 45 anos.
Quem deseja vender pela TROC passa a ter uma "lojinha" -- já são 2,5 mil ativas. A empresária Taiza Helena Espolador, 32, é uma dessas "vendedoras". De Curitiba, ela já faturou R$ 15 mil desde que a startup começou. "Antes, eu doava tudo para as minhas amigas, de coração mesmo. Mas conheci a TROC e achei a ideia ótima. Tem peça minha que foi usada só uma vez", conta.
Taiza faz a limpa no guarda-roupa duas ou três vezes por ano, enviando para TROC em torno de 100 peças por vez. Foi o jeito encontrado por ela para renovar as peças diante das mudanças com o corpo na gravidez. Além das próprias roupas, ela também envia peças da mãe e das filhas.
De João Pessoa, na Paraíba, a dentista Juliana Peregrino Tardelli, 40, confessa que via os brechós com um pouco de preconceito, mas que mudou de opinião depois de conhecer a TROC, há dois anos. A primeira compra foi um óculos de uma marca de luxo. "Sempre quis, mas nunca encontrava. Veio muito novo e com muito cuidado. Me tornei uma consumidora fiel", afirma. Hoje, ela já comprou mais de 400 peças pela plataforma.
Animada com a proposta do brechó online, Juliana criou até a própria "lojinha". "É uma experiência interessante porque fazemos a moda circular", diz.
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