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Por que a cantora Lizzo é a diva pop que o mundo precisa seguir

Lizzo ganhou três dos oito prêmios aos quais foi indicada no Grammy  - Kevork Djansezian/Getty Images/AFP
Lizzo ganhou três dos oito prêmios aos quais foi indicada no Grammy Imagem: Kevork Djansezian/Getty Images/AFP

Bárbara Forte

De Ecoa, em São Paulo

07/02/2020 07h04

Quando você imaginou olhar para um palco onde a atração pop que concentra todos os olhares e ouvidos é uma mulher gorda e negra? A cantora Lizzo, que visitou o Brasil pela primeira vez nesta quarta-feira (6) e fez um pocket show no Rio de Janeiro, é uma potência com voz e performance únicas, que consegue desmitificar o estereótipo de fracasso que o mundo impõe a corpos fora do padrão. Lizzo leva para as paradas de sucesso uma ruptura nos modelos existentes, de cantoras como Taylor Swift ou Katy Perry.

O efeito dela é notável. Em 2020 foram oito indicações ao Grammy, com três vitórias: Melhor Performance R&B Tradicional, Melhor Performance Solo Pop e Melhor Álbum Urban Contemporâneo. Ela também alcançou brilhou nas paradas com "Truth Hurts" - é a música de mulher rapper com mais tempo no topo da Billboard Hot 100 em 2019.

"Lizzo é o mais bem acabado produto pop hoje, a que mais reflete um espírito do tempo, a que combina uma excelente música pop, flertando forte com dois ritmos bem explosivos no mundo, que é o hip hop e o R&B, tudo numa mesma mulher. Acontece que essa mulher é gorda e negra e não necessariamente espelha um padrão de beleza para sair bem na foto", afirma o jornalista Lucio Ribeiro, criador do Popload Festival.

No mundo zoado de hoje, de 'ícones' vazios de internet, de redes sociais com rostinhos bonitos passando creminho e dando cupons de desconto ou posando sensual de biquíni para acumular cliques, representa um contra-ataque, uma revanche de uma galera gigantesca que se vê representada" Lucio Ribeiro, jornalista

Lizzo emociona plateia em discurso no Grammy 2020 - Kevin Mazur/Getty Images for The Recording Academy - Kevin Mazur/Getty Images for The Recording Academy
Lizzo emociona plateia em discurso no Grammy
Imagem: Kevin Mazur/Getty Images for The Recording Academy
Lizzo é espelho para o mundo

Ao receber a primeira estatueta do Grammy, Lizzo fez um discurso que emocionou outros artistas na plateia: "Vocês criam músicas bonitas, vocês criam conectividade e, quando eu digo vocês, estou falando com todos nesta sala - precisamos continuar alcançando as pessoas. Este é o começo de fazer música que move o mundo novamente. Fazer música que liberta. Vamos continuar a alcançar, abraçar e levantar uns aos outros".

Suas palavras não exprimem apenas o que ela vê nos companheiros de profissão, mas o que o mundo encontra em suas próprias produções, segundo Ribeiro. "O sucesso 'tardio' da Lizzo é uma boa medida para ver para onde o mundo de hoje, principalmente o jovem, está caminhando. Se uma gorda e negra canta uma música desafiando um espelho na parede e falando 'eu sou bonita', 'é só me experimentar para ver o quanto eu sou boa' e vende milhões de cópias ou, mais bem colocando, rende milhões de audições, vira propaganda de TV, serve de trilha sonora de eventos de moda, embala seriados, é porque algo está acontecendo. Um monte de gente se vê representada agora, hoje", explica.

Lizzo é sinal de representatividade para ela mesma e para os outros  - Mike Blake/Reuters - Mike Blake/Reuters
Lizzo é sinal de representatividade para ela mesma e para os outros
Imagem: Mike Blake/Reuters

Para a jornalista e DJ Flávia Durante, criadora da feira de moda plus size Pop Plus, Lizzo é a representação que encontrou para ela mesma e para o mundo moderno: "Suas músicas falam da questão de autoconfiança, autoestima, e de como ela não se via representada em seu próprio segmento. Tanto é que ela tem uma canção que diz 'eu sou minha própria inspiração'. A gente vê a Beyoncé, ou mesmo outras artistas negras que conseguiram chegar ao mainstream. Elas têm um padrão magro. Embora sejam curvilíneas, elas estão mais próximas do corpo magro do que do corpo gordo. Então Lizzo acabou sendo sua própria inspiração".

Apesar de Lizzo ser a primeira mulher negra e gorda com tamanho impacto no pop, estilos que a influenciaram, como o jazz, o soul e o blues, foram um importante berço das mulheres consideradas fora do padrão. E a lista de talentos é vasta, com nomes marcantes, como Cass Elliot e Aretha Franklin. No underground, com Beth Ditto, nos anos 2000, a mulher gorda pôde olhar com outros olhos para a moda. Na mesma época, Adelle também teve um papel importante, com prêmios no Grammy e alcance mundial.

Lizzo, no entanto, se consolida como uma cantora que usa a autoestima e o empoderamento como ferramenta. Diferentemente de Adele, que acabou emagrecendo recentemente, ela busca levar ao seu público um outro olhar para seus próprios corpos.

Ela fala para todo mundo. A música é universal. Mas é claro que ela conquista um público grande entre uma parcela da população que se vê excluída. As pessoas gordas, negras, LGBT - são públicos que gostam muito dela" Flávia Durante, criadora do Pop Plus e DJ

Muito mais que modinha

A cantora Lizzo está "na moda" agora, num momento em que a diversidade é valiosa, mas não parece que sairá desse posto, mesmo que algo mude no universo capitalista. "Ela é a artista certa na hora certa, embora já tenha uma carreira não tão recente. É talentosa, uma multiartista. Ela é cantora, é performer, dança para caramba, toca instrumentos", ressalta Flávia Durante.

É muito importante ter um talento como o dela. A gente tem que tomar cuidado para que não seja uma tendência passageira. Para que mais pessoas de todos os tipos, corpos e etnias, tenham espaço permanente, não apenas por modismo"Flávia Durante, criadora do Pop Plus e DJ

Lizzo na capa do disco 'Cuz I Love You' - Divulgação - Divulgação
Lizzo na capa do disco 'Cuz I Love You'
Imagem: Divulgação
Lizzo não surgiu agora. 'Cuz I Love You' é seu terceiro álbum (o primeiro foi 'Lizzobangers', lançado em 2013. Em 2015, lançou seu segundo álbum de estúdio, 'Big Grrrl Small World', ambos em formato independente). "Ela está na cena faz tempo e sempre foi talentosa, mas no meio americano de um monte de gente, cantoras, grupos talentosos, ela era só mais uma. E naquela época, ser gorda não ajudava", explica Ribeiro.

Segundo o criador do Festival Popload, foi combinando a autoestima com um jeito debochado nas letras, ancorada pela coleção de singles e a onda do empoderamento feminino, de protestos contra misoginias e a favor de livre arbítrio quanto a escolhas sexuais e de quebra geral de paradigmas, que a cantora virou a voz de quem antes era reprimido.

"Ela já cantava, nas turnês escondidas na América, músicas do mesmo jeito de seus sucessos de agora, que refletem a mesma 'body positivity', orgulho do corpo e do rosto mesmo sendo muito fora dos padrões ditados pelo mundo, da vontade de superar um pé-na-bunda de algum homem escroto/relacionamento tóxico", afirma.

Agora a gorda e negra virou trendy, virou coisa comercial. A própria Lizzo é consciente do que está acontecendo" Lucio Ribeiro, jornalista

Lizzo é uma ruptura do que se conhece até hoje no mundo do pop - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Lizzo é uma ruptura do que se conhece até hoje no mundo do pop
Imagem: Reprodução/Instagram

Rompendo barreiras

Diante de sua presença e sucesso, Lizzo veio ao Brasil para um show intimista, mas que poderia encher um estádio inteiro. Sua representação é, para especialistas, uma ruptura do que se conhece até hoje no mundo do pop.

"Não há ninguém ainda como Lizzo no mundo, na combinação feliz e total dos tantos elementos, tudo concentrado numa mulher só. Mas há 'pedaços de Lizzo', sim, na música brasileira, na internet brasileira, na TV brasileira. Pequenas Lizzos estão pipocando por aqui e por todo lugar. A porta está aberta", finaliza Ribeiro.