Consultorias lideradas por mulheres tentam reduzir lacuna do mercado
"Se você olhar para as universidades, têm mais mulheres do que homens estudando, mas o mercado de trabalho continua contratando mais homens." A fala da empresária Patrícia Santos, da zona sul de São Paulo é sustentada pela pesquisa da Rede Nossa São Paulo, "Viver em São Paulo Mulher", divulgada nesta semana com dados sobre a relação das paulistanas com a cidade.
Os dados são pouco animadores. Na esfera do trabalho, 60% delas acreditam que têm menos oportunidades de emprego do que os homens. Além disso, 48% delas não estão no mercado de trabalho, entre os homens este número cai para 32%.
Na prática, significa que muitas não têm acesso a trabalho formal e, nas vezes em que conseguem uma posição, muitas sentem que suas contribuições não são valorizadas como as dos colegas. Liliane Rocha, por exemplo, trabalhava em 2014 como gerente de uma multinacional do setor de mineração, com obrigações e gestão de equipe como uma gerente, mas não tinha a oficialização do cargo. Muito menos sua visibilidade.
"Percebi que naquele espaço, majoritariamente ocupado por homens, eu nunca teria o cargo de gerente. Nem os relatórios que elaborava, eu podia assinar." Esse foi o ponto de partida para Liliane se tornar referência na luta pela valorização da diversidade no mercado de trabalho brasileiro.
Um ano depois, ela fundou a Gestão Kairós, consultoria que trabalha sustentabilidade e diversidade dentro de grandes corporações. A Kairós parte de uma pesquisa de percepção dos funcionários para entender se todos - liderança e liderados - entendem a diversidade na companhia da mesma maneira. Após entrevistas e análises do quadro de funcionários, são organizadas palestras e workshops com o objetivo de melhorar indicadores no médio e longo prazo.
De lá pra cá, a empresária não só conquistou o "cargo" de fundadora e CEO, como também se tornou a única brasileira a receber o prêmio "101 Top Global Diversity&Inclusion", que reuniu 101 lideranças globais em Mumbai, na Índia. Ela estima que tenha impactado cerca de 15 mil profissionais com a consultoria e as palestras que dá pelo país.
Hoje, quando as pessoas falam que cresci muito no mercado de trabalho, eu brinco: não, eu não cresci muito. A diferença é que não tem mais ninguém assinando por mim ou levando a autoria do que faço.
Liliane Rocha, fundadora da Gestão Kairós
Três em cada dez paulistanas já sofreram preconceito e discriminação no ambiente de trabalho por ser mulher, segundo a pesquisa da Rede Nossa São Paulo. O estudo mostrou ainda que, desse grupo, 42% possuem ensino superior e 48% têm renda familiar acima de cinco salários mínimos.
"Quanto maior o grau de escolaridade, maior é a capacidade de entendimento e compreensão de uma violência sofrida, seja no ambiente de trabalho, ou fora dele, como no caso da violência doméstica". Quem faz a afirmação é a gerente de princípios de empoderamento da ONU Mulheres, Adriana Carvalho.
Ou seja, a identificação de casos de abuso e preconceito tende a ser feita mais facilmente por quem tem maior poder aquisitivo; o que não significa que mulheres de baixa renda também não passam por situações semelhantes - apenas não são o grupo que mais reporta os casos.
"Por que isso acontece? Porque a nossa sociedade é, estruturalmente, mais patriarcal. Eles se protegem e se apoiam em tudo. E aí, claro, homens contratam mais homens. Justamente pelo preconceito, julgam que a mulher vai faltar ao trabalho por causa dos filhos ou que ela não vai dar conta de determinada função", comenta a empresária Patrícia Santos.
Para a mulher negra, esse cenário é mais grave. Ainda quando iniciava sua vida profissional, a então estagiária de recursos humanos Patrícia Santos começou a perceber que estudantes e profissionais negros quase não participavam dos processos seletivos e dinâmicas que ela ajudava a coordenar dentro de empresas.
"Mesmo com as políticas de inclusão e diversidade, a gente ainda está longe de ter a quantidade equivalente de homens e mulheres em cargos de liderança. Quando falamos sobre as 500 maiores empresas do Brasil, a gente tem 32% de executivas brancas. E nós, mulheres negras, somos apenas 0,4%. Ou seja, para nós, é duas vezes mais difícil: temos que superar o machismo e o racismo", diz Patrícia.
A observação do que acontecia nos processos seletivos, aos poucos, virou uma indignação catalisadora para Patrícia lançar, assim que se formou, a EmpregueAfro. A consultoria em recursos humanos, especializada no recrutamento e seleção de profissionais e estudantes negros, já ajudou a empregar mais de 300 pessoas em nacionais.
Quanto mais equilíbrio se tem entre mulheres e homens na alta liderança, mais acertadas serão as decisões. Em casos de assédio, por exemplo, mulheres terão voz sobre um problema que as atinge diretamente. Não se pode sugerir uma solução para um grupo ao qual a gente não pertence. Uma mulher branca, por exemplo, não pode dar soluções para os problemas que uma mulher negra enfrenta sem que essa mulher esteja presente no mesmo grupo de discussão.
Adriana Carvalho, gerente de princípios de empoderamento da ONU Mulheres
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