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Ao adotar medidas rígidas, cidades se destacam no combate ao coronavírus

Praia de Icaraí, em Niterói, fechada  - Berg Silva / Prefeitura de Niterói
Praia de Icaraí, em Niterói, fechada Imagem: Berg Silva / Prefeitura de Niterói

Tamyres Matos

Colaboração para Ecoa, em Niterói (RJ)

13/04/2020 04h00

A pandemia do novo coronavírus alterou profundamente nossa realidade, mas o negacionismo ainda influencia a maneira como as administrações públicas lidam com a situação. No entanto, no Brasil e no mundo, há cidades que reconheceram com agilidade a gravidade do problema, adotando estratégias focadas na ciência e na preservação da vida, o que tem impacto imediato na curva de contágio.

Niterói, município da região metropolitana do Rio de Janeiro, ganhou as páginas de veículos internacionais nas últimas semanas, como Washington Post e Deutsche Welle, por seus esforços para evitar a disseminação da Covid-19. A interdição das praias em março foi uma das medidas rígidas adotadas pela Prefeitura, junto da multiplicação recente de pontos de bloqueio nas divisas com outros municípios, incluindo a presença de 200 agentes. A entrada de táxis é proibida, a quantidade de ônibus foi drasticamente reduzida e recomenda-se que só circulem nas fronteiras da cidade trabalhadores dos serviços essenciais.

Morador e proprietário de um consultório em Niterói, o cardiologista Ralph Antunes, de 62 anos, apoia as medidas de isolamento. "Eu só saio para fazer o essencial, que é comprar comida. Estou sem ir ao consultório há três semanas. É a minha única fonte de renda, mas eu entendo que a responsabilidade não é só comigo e a minha família, mas com a população como um todo e meus pacientes."

As orientações da Organização Mundial da Saúde e de praticamente todos os especialistas em infectologia do mundo convergem para o ponto: quem puder, deve ficar em casa e sair somente para as necessidades básicas.

"Não é apenas um fenômeno de saúde, mas também econômico e social. O entendimento disso tem sido importante junto ao reconhecimento do papel da ciência, dos especialistas, dos profissionais de saúde e o estudo intensivo que fizemos nos últimos três meses das experiências internacionais", diz o prefeito Rodrigo Neves (PDT).

Sanitização no Morro do Preventório, em Niterói (RJ) - Berg Silva / Prefeitura de Niterói - Berg Silva / Prefeitura de Niterói
Sanitização no Morro do Preventório, em Niterói (RJ)
Imagem: Berg Silva / Prefeitura de Niterói

Entre as medidas tomadas para compensar os danos causados pela paralisação das atividades, a prefeitura da cidade fluminense garantiu um auxílio de R$ 500 para os 7 mil microempreendedores individuais (MEIs) de Niterói, crédito de até R$ 200 mil para pequenas e médias empresas, além de ter adotado uma renda emergencial antes da anunciada pelo Governo Federal, para quem está cadastrado no Sistema Único.

"Fizemos um pacto político com os partidos, conseguimos organizar essa trégua. Em lugares em que houve confusão, briga e desentendimentos, como infelizmente temos visto no Brasil, foi desencadeada uma tragédia sem precedentes", explica o prefeito.

Niterói inaugurou na sexta-feira (10) o primeiro hospital do país voltado apenas para tratamento da Covid-19, o Hospital Oceânico, em Piratininga, que foi arrendado por um ano pelo Poder Público, com 140 leitos de UTI — número que sozinho representa 2,9 leito para cada 10 mil habitantes do município, acima da média nacional (2,7). O município registrou, até domingo (12), 130 casos confirmados, 52 pessoas curadas, 27 hospitalizadas — 15 delas em UTI — e seis mortes pelo novo coronavírus.

Estados e municípios atentos

A visão predominante dos especialistas em saúde do país é de que os esforços de governos das esferas estadual e municipal vão ajudar a salvar muitas vidas, em contraposição às atitudes e declarações associadas ao Governo Federal. Um grupo de pesquisadores da USP criou o Índice de Rigidez do Distanciamento Social, e defende que a ação dos estados é acertada.

Em entrevista ao UOL publicada na última quinta-feira (9), o urologista Miguel Srougi, 73, professor titular na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) avaliou que "tecnicamente, o que está sendo feito no Brasil é correto graças a governadores e a um ministro competente. Já a postura do presidente (Jair Bolsonaro) é absolutamente incorreta. Ele se sensibilizou com o apelo de grandes empresas de que não podiam parar e menosprezou vidas".

Os três municípios brasileiros com o maior número de casos confirmados da Covid-19, São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza, integram uma lista de cidades que se uniram em uma força-tarefa global para criação de estratégias de combate à disseminação da doença. O projeto Parceria por Cidades Saudáveis (Partnership for Healthy Cities, em inglês) é uma iniciativa financiada pela fundação norte-americana Bloomberg Philanthropies com apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Vital Strategies.

A primeira conferência do projeto com representantes das cidades, cientistas e pesquisadores foi realizada no último dia 31. A conversa online teve como principais tópicos as recentes evidências científicas sobre o novo coronavírus e as maneiras que o projeto pode ajudar as cidades a combater a disseminação da doença, com ferramentas e recursos técnicos voltados para contextos urbanos.

"Os governos locais costumam ser os primeiros a responder durante emergências de saúde pública, às vezes com responsabilidades amplas, mas com recursos insuficientes para lidar com elas", explicou Adam Karpati, vice-presidente sênior de programas de saúde pública da Vital Strategies, em depoimento publicado no site do projeto.

"Para as cidades parceiras que estão se voltando rapidamente para a preparação e resposta ao Covid-19, queremos garantir que elas tenham as mais recentes orientações científicas e técnicas, adaptadas aos ambientes urbanos, para proteger suas populações."

A Parceria por Cidades Saudáveis conta com 70 municípios. A assistência aos integrantes da rede inclui webinars, realizados em inglês, espanhol e francês, orientação técnica, troca de experiências e estratégias entre cidades, além de um programa de subsídios. Essas doações podem cobrir a implementação de intervenções não farmacêuticas (INP), como medidas de distanciamento social, apoio legal às opções das cidades na tomada de medidas de saúde pública, análise e comunicação de dados epidemiológicos. O investimento previsto é de 40 milhões de dólares.