Por que ter dados raciais da Covid-19 melhora o enfrentamento à doença
Após 14 semanas da pandemia do novo coronavírus no Brasil, o Ministério da Saúde começou a divulgar um recorte de raça, gênero e localização nos dados relativos à doença. A medida veio depois de pedido feito pela Coalizão Negra por Direitos, via Lei de Acesso à Informação, e pelo Grupo de Trabalho de Saúde da População Negra da Sociedade Brasileira Medicina de Família e Comunidade (SBMFC).
De todas as hospitalizações pela Covid-19, 18,9% são de pessoas pardas e 4,2% de pessoas pretas, mas as porcentagens sobem quando se trata de óbitos, ficando em 28,5% e 4,3%, respectivamente. Do outro lado, as hospitalizações de pessoas brancas representam 73,9%, mas em óbitos elas caem, sendo de 64,5%. O que significa que, proporcionalmente, a doença é mais letal em negros e negras.
Especialistas ouvidos por Ecoa reiteram a importância de ter acesso a esses dados, bem como de aprofundar o nível de detalhamento deles, a fim de tornar a luta contra o vírus mais igualitária e eficaz.
"É essencial para a saúde da população entender as demandas de cada grupo, seja ele etário, de gênero, de classe ou racial. O racismo estrutural e estruturante na sociedade brasileira é um forte fator de violação de direitos e produção de iniquidades, especialmente no campo da saúde", diz Etiene Martins, especialista em Comunicação Social e Saúde pela Escola de Saúde Pública de Minas Gerais (ESP-MG) e mestranda na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Maioria no Brasil (56%), a população negra representa 75% entre os mais pobres no país, enquanto os brancos estão entre os 70% mais ricos. O básico das condições de moradia também tem um cenário discrepante: os negros são os que têm menos acesso a coleta de lixo, abastecimento de água e esgoto sanitário, segundo o último informativo "Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil" do IBGE, de 2019.
Para Lúcia Xavier, diretora da ONG Criola, entidade que integra a Coalizão Negra por Direitos, aumentar o nível de informação é melhorar a prevenção. "A pandemia começou com pessoas de melhores condições de vida, mas não conhecemos o impacto na população negra. Temos apenas uma ideia de que ela morre mais. Acredito que [os dados] possam ser incrementados."
Denize Ornelas, diretora de comunicação da Sociedade Brasileira Medicina de Família e Comunidade, sugere o cruzamento de informações, combinando fatores como, por exemplo, incidência em hospitais públicos ou privados e cor da pele. Ela acredita ainda que é importante saber quantos testes foram feitos nas periferias e favelas, qual é o percentual de pessoas negras e brancas testadas, bem como se o tratamento está adequado.
Para Denize, ter mais transparência e detalhamento nos dados afeta diretamente no plano de ação a ser efetuado. "Assim é possível acompanhar a execução das políticas públicas. Sabemos que a concentração de leitos de UTI é nos centros [em São Paulo, três subprefeituras — Pinheiros, Sé e Vila Mariana — concentram 60% desses leitos], e as pessoas negras estão na periferia. Os hospitais de campanha estão sendo levantados nos centros urbanos. Se queremos construir uma política pública de forma igualitária, precisamos dos dados", resume.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.