Para estudioso do clima, "sorte" explica pandemia não começar pelo Brasil
"A Amazônia tem a maior quantidade de microorganismos do mundo. E estamos perturbando o sistema o tempo todo, com populações urbanas se aproximando, desmatamento e comércio de animais silvestres. Então, talvez tenha sido sorte que a pandemia não tenha começado no Brasil", disse Carlos Nobre, presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP (Universidade de São Paulo).
Nobre participou nesta terça de um seminário "Covid-19 e Clima: Como Estão Conectados?" promovido pela Rede Brasil do Pacto Global da ONU (Organização das Nações Unidas) em parceria com Ecoa, que retransmitiu sua palestra, no formato webinar, ou seja, um seminário pela web.
"Pandemia mostra impacto do desequilíbrio do sistema na nossa vida"
Ele lembrou do caso da leishmaniose, endemia típica da Amazônia que tem como causador um protozoário e o vetor é o mosquito palha. A doença se espalhou pelo mundo, devido à aproximação dos homens dos ambientes silvestres, mas agora está controlada, tendo cura e remédio. O problema agora é outro por lá. "Agora, Manaus está entrando em colapso com o coronavírus, e a doença está chegando às aldeias. Temos que lembrar que os indígenas têm menos resistência imunológica a essas contaminações."
Nobre também falou como a poluição debilita quem tem contado agora com o vírus surgido na China no final de 2019. "A poluição e o vírus atacam o sistema respiratório. Essa combinação é muito perversa", afirmou o estudioso.
Ele recordou das queimadas na floresta amazônica em 2019, a que ponto isso afetou os ares até da região Sudeste do Brasil e como esse cenário pode se repetir agora em 2020, quando se está verificando novos recordes de desmatamento.
O ar de São Paulo e outras cidades está mais limpo com menos carros em circulação nesses dias de quarentena, mas, se as queimadas recomeçarem, esse cenário vai mudar e criar novas vulnerabilidades. No ano passado, os postos de saúde da Amazônia estavam cheios pela fumaça das queimadas. Agora estão com a Covid-19.
Aprendizados da crise
O cientista discutiu os vários pontos que aproximam o atual surto biológico com os problemas climáticos, sua especialidade.
"Dá para fazer um paralelo entre essas crises globais. Essa pandemia nos mostra o que pode acontecer quando há um desequilíbrio do sistema. Ela é um alerta e um guia para evitarmos grandes riscos, como os que as mudanças climáticas poderão trazer para a vida na Terra. Se a temperatura do planeta subir cinco graus, os humanos vão ter de viver confinados, como agora, porque em determinados horários todos os dias o termômetro vai estar além do limite fisiológico do corpo nas áreas tropicais como o Brasil."
Nobre falou das lições que podem ficar desta crise global e das possíveis soluções quando o planeta sair das urgências do coronavírus. Para ele, um dos aprendizados é que a economia caminhe para a sustentabilidade.
"Os países europeus estão discutindo agora uma economia mais verde. E a China também está sinalizando nesse mesmo caminho. Se isso acontecer, o pêndulo mundial vai mudar, e o Brasil vai ter de ir atrás. Os EUA são contra, mas isso pode mudar se em janeiro de 2021 não estiver mais o Donald Trump na Casa Branca", afirmou Nobre, projetando as dificuldades de reeleição do político republicano com a possível recessão provocada pelo afastamento social durante a crise.
O pesquisador também salientou que é importante mudar a matriz energética, e essa crise pode ser o momento de acelerar esse processo. "Precisamos eletrificar os transportes, e criar mais energia solar e eólica, diminuindo o consumo de combustíveis fósseis."
Para ele, as mudanças climáticas vão trazer riscos maiores que os atuais com o coronavírus se não forem tomadas providências. "É uma catástrofe com um tempo e uma magnitude muito maior. Por isso, é difícil dimensionar. Mas a atual pandemia é uma amostra disso. E um risco maior também, afinal, todo o planeta vai ser afetado, não só o homem, como agora."
Veja íntegra do seminário:
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