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Renda emergencial não chega às aldeias, e liderança indígena faz vaquinha

A liderança indígena Sônia Guajajara  - Carine Wallauer/UOL
A liderança indígena Sônia Guajajara Imagem: Carine Wallauer/UOL

Rodrigo Bertolotto

De Ecoa, em São Paulo

18/04/2020 04h00

Sem celular, sem CPF, sem falar português, morando longe de uma agência bancária. Nessas condições, é bem difícil receber a renda básica emergencial de R$ 600 do governo federal. Essa é a situação da maioria da população indígena atingida pelo impacto da pandemia na economia.

"O site está sempre falhando. Essa estratégia não está funcionando. Tem muita gente que nem entende português. Precisamos de uma logística diferente para atender os indígenas", afirmou Tiago Henrique, liderança das aldeias guaranis do Jaraguá, na zona noroeste do município de São Paulo. Se já está difícil para quem mora em áreas próximas às cidades, imagina para quem está em territórios a dias de áreas urbanas.

"Nosso povo tem que vir pra cidade, fazer fila em banco, entrar em aglomerações. Nós temos bem na lembrança nossos antepassados que foram dizimados em outras epidemias. Os indígenas têm baixa imunidade. Além disso, nossa estrutura de saúde é muito ruim", argumentou Sônia Guajarara, coordenadora executiva da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).

Historicamente, os povos americanos foram as maiores vítimas de pandemias, com surtos de sarampo, varíola e gripe despovoando o continente à medida que os europeus começaram a colonizar o continente e alastrar as zoonoses que adquiriram ao longo de séculos do outro lado do Oceano Atlântico.

"É assustador. Por isso, nós criamos o lema `ninguém entra, ninguém sai' das aldeias para conseguir proteger nosso povo. Mas agora o governo obriga o indígena a sair para buscar o dinheiro. É uma armadilha", se queixou Sônia, que já protocolou pedido para criar uma forma de esses recursos chegarem às áreas indígenas.

Ela e outras lideranças participaram de um debate pela internet promovido pelo curso de Gestão de Políticas Públicas da USP (Universidade de São Paulo), na noite de quinta.

Além das doações de mercadorias, a coordenadora disse que a solução imediata de sua entidade foi montar uma vaquinha virtual para juntar R$ 200 mil para comprar alimentos, remédios e itens de higiene. "Estamos também comprando aparelhos de rádio porque é a melhor comunicação para as áreas remotas, que estão sendo muito atacadas agora por madeireiros e garimpeiros, que além da destruição, estão trazendo o perigo da contaminação", relatou Sônia.

Ela lembrou também da ameaça que representa os missionários evangélicos que estão insistindo em entrar em contato com índios isolados, que têm imunidade ainda mais baixa, afinal, nunca tiveram contato com o restante da população. "Já é perigoso em épocas normais. Agora com a pandemia é pior ainda", opinou a coordenadora.

Outra liderança que participou do debate foi Joziléia Daniza Kaingang, que também é professora na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). "Nós novamente somos invisibilizados. O auxílio do governo não chega, e nós temos que apelar para a sociedade civil em uma estratégia de apagar o fogo. Tem cinco aldeias que estão precisando alimento com urgência", disse.

A Funai (Fundação Nacional do Índio), que no governo atual faz parte do ministério da Justiça, recebeu um aporte de R$ 10,8 milhões para ações de combate à Covid-19, mas as lideranças indígenas afirmam que essa ajuda não chegou ainda aos territórios. "Não temos máscaras, não temos álcool gel. Os governos federal, estaduais e até municipais não têm feito nada por nós", criticou Joziléia.

Pela última contabilidade, pelo menos 23 indígenas estão infectados com o coronavírus, sendo 22 no Estado do Amazonas, e as mortes chegaram a cinco.