Universidade e comunidade juntas: em PE, ações ajudam alunos e comércio
Enquanto os palestrantes falavam, era nítida a preocupação no rosto dos graduandos do curso de Ciência do Consumo, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), naquele 12 de março. O cenário no Brasil mudava rapidamente: na mesma data os primeiros casos de Covid-19 foram notificados em Pernambuco e esse foi o último evento realizado na sala de seminário no segundo andar da universidade, com os alunos sentados lado a lado, em um ambiente fechado. Dali a poucos dias entraria em vigor a medida de isolamento social frente ao novo coronavírus: as aulas seriam suspensas por tempo indeterminado e apenas serviços essenciais poderiam funcionar na cidade de Recife.
O receio era justificado já que o tema da palestra era justamente sobre consumo nos tempos de pandemia e os impactos econômicos do cenário durante uma crise sanitária. "Eu consigo me segurar no máximo até o fim de março sem trabalho, professor", disse um dos estudante ao professor Éder Leão, docente do curso Ciência do Consumo, no fim do evento. "A maioria dos estudantes trabalha, seja estagiando ou já empregado. E mesmo quem recebe bolsa de estudo depende de uma atividade extra para garantir a renda. São muitos os alunos que comercializam doces e salgados na universidade e, às vezes, aquele dinheiro é o que paga o transporte deles até lá. Com a quarentena, muitos ali corriam o risco de perder o ganha pão", diz Éder.
Dias depois da palestra, decidiu colocar de pé um projeto que havia imaginado tempos atrás: uma mentoria, com indicações de conteúdos que ajudassem os alunos a estruturar um negócio, passando por finanças pessoais, precificação a estratégias de marketing. Estruturou o conceito, convidou alunos a ajudá-lo e criou o perfil Move Consumo UFRPE no Instagram. "As pessoas que querem comprar algo pesquisam primeiro nessa rede social. O foco é dar apoio aos universitários, incentivando que enxerguem o potencial que eles têm no ambiente online para além de depender do espaço físico da universidade para as vendas", diz.
No perfil, o professor dá dicas livros, estudos e cursos, além de divulgar o trabalho de quem se candidatou e está sob a mentoria para reestruturar o próprio negócio. De quebra, os alunos que estão por trás do Move Consumo UFRPE colocam em prática o que aprenderam até agora, dando alguma continuidade ao aprendizado durante esse recesso.
É o caso da estudante do terceiro período de Ciência do Consumo, Beatriz Matias, de 18 anos. Ela conta que, apesar da presença online nas redes sociais, dependia muito dos pontos de venda físico onde comercializava os doces que produz. Para enfrentar esse momento de incerteza, foi uma das primeiras candidatas à mentoria do projeto Move e conta que descobriu novas estratégias de venda. "Sempre vendi doces ao longo do ensino médio, na escola mesmo, e preparava bolos sob encomenda. Era a maneira de ter minha própria renda", conta. "Passei a oferecer descontos nos produtos de maior circulação nos dias de menos demanda de pedidos. No fim, garanto a média de vendas semanal. Na quarentena, as vendas aumentaram cerca de 50%, mas isso é graças às estratégias que aprendi e coloquei em prática", diz Beatriz, que além de estudar, colocar a mão na massa e fazer toda a gestão da confeitaria, se desdobra nos cuidados de uma bebê de 1 ano e 8 meses. "Meu objetivo é criar meu próprio ateliê de doces depois que me formar."
Por enquanto, o Move Consumo é uma iniciativa individual do professor do curso, sem nenhum recurso de apoio da universidade. Mas o anseio de Éder é expandir o atendimento para alunos interessados pela mentoria cursando outras áreas. E, após o retorno das aulas, manter o projeto ativo.
Sintonia com comunidade e bolsas de estudos
A urgente necessidade de isolamento social impactou imediatamente pequenos comércios, restaurantes e outros serviços que tiveram que fechar as portas. "Mas logo muitos se organizaram e passaram a realizar serviços de entrega. Já nos primeiros dias de quarentena, notei que cada grupo compartilhava o contato de um destes pequenos comerciantes por WhatsApp. No entanto, eram mensagens que em seguida seriam dispersadas. Pensei, então, na necessidade de uma plataforma que reunisse esses contatos locais para atender aos consumidores isolados em suas casas", conta Fábio Mascarenhas, professor do departamento de Ciência da Informação na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Era preciso criar uma solução gratuita para o comerciante, que viu o caixa ser prejudicado imediatamente, e simples para o consumidor, garantindo agilidade na busca do produto ou serviço. Com o apoio do chefe do departamento Ciência da Informação, Murilo Silveira, da professora Anna Elizabeth, além de alunos da graduação e da pós-graduação, a proposta foi tomando forma. "A ideia inicial era um aplicativo, mas isso demandaria tempo e dinheiro. Foi quando Reginaldo Neto, aluno do último ano que tem experiência prévia como desenvolvedor, sugeriu usar o Progressive Web App, uma metodologia de desenvolvimento de página similar a aplicativo para celulares. Assim nasceu o No Bairro Tem!", explica Fábio.
"Isso tudo aconteceu entre os dias 25 e 29 de março. No dia 30, o site já estava no ar. Com a ajuda de 25 voluntários, já são 2.700 negócios da região metropolitana de Recife cadastrados", detalha. O projeto funcionou tão bem que o departamento do curso viabilizou oito bolsas de estudos para a participação dos alunos nele.
No site, comerciantes e prestadores de serviços se cadastram gratuitamente, tendo uma ferramenta a mais de divulgação — e aqueles que podem fazer isolamento encontram informações organizadas de como apoiar o pequeno empreendedor.
Os voluntários se dividem em departamentos de atendimento, comunicação, desenvolvimento técnico e administrativo, em um cronograma de quase 24 horas online, sete dias por semana. "Quem tem dificuldade de se cadastrar consegue contactar a equipe por chat, na página do projeto. Uma das primeiras pessoas que entrou em contato com a gente, pedindo ajuda, foi uma senhorinha costureira. É uma satisfação sem tamanho", declara Fábio, que finaliza: "Estamos unidos de forma solidária para contribuir com a sociedade por meio daquilo que a universidade mais tem a oferecer: o saber".
Conheça as iniciativas:
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