Contra Covid-19, Paraisópolis transforma escola em casa de acolhimento
Douglas Silva, 18, e sua mãe, Erlins Ferreira, 38, contraíram o coronavírus há duas semanas. Moradores de uma casa de dois cômodos em Paraisópolis, segunda maior favela de São Paulo, ele desenvolveu toda uma rotina para não contagiar seu pai, Atenilson Gil, 42.
Em uma casa em que quase não bate sol e com pouca ventilação, eles improvisaram para não contaminar Atenilson, que está dormindo na cozinha, onde colocaram um sofá-cama. Douglas tem problemas respiratórios, e o pai, pressão alta.
A rotina do isolamento tem sido um desafio. Mesmo com Atenilson passando o dia na sala, Douglas precisa circular pela casa para cozinhar e tomar banho. Ele afirma que tem sido difícil ficar preso em um espaço pequeno. "Mesmo usando máscara, ainda tenho medo de contaminar meu pai."
"Estamos evitando ficar próximos dele, mas para realizar os afazeres domésticos não tem jeito, temos que ir para o outro cômodo e acabamos tendo contato", relata
Mas a complexidade da situação vai além. Quando o pai não pode ir ao mercado, é Douglas o responsável por comprar itens de necessidade básica, como alimentos e remédios. O jovem afirma estar tomando todas as medidas de prevenção.
"Estamos evitando sair de casa. Só saímos para ir ao mercado ou farmácia. Quando chegamos, deixamos a roupa do lado de fora para lavar e sempre estamos usando máscaras", conta Douglas.
Assim como essa família, muitas outras vivem o mesmo problema nesses dias de pandemia. Pensando nas dificuldades do isolamento social na comunidade, Gilson Rodrigues, 35, presidente da União dos Moradores e Comerciantes de Paraisópolis, acionou parceiros para materializar uma das ideias para conter o vírus: transformar duas escolas locais em casas de acolhimento para doentes.
Ana Leite, 50, e Rafael Machiaverni, 37, da Parceiro Educação, uma organização sem fins lucrativos, se juntaram à iniciativa para ajudar a realizar o espaço de acolhimento. A ONG tem parcerias com 380 escolas, dentre elas a Etelvina Goés de Marcucci e Maria Zilda Gamba Natel, ambas localizadas na favela e cedidas pela Secretaria Estadual de Educação para ser cenário dessa ação de solidariedade.
"A casa de acolhimento surgiu da necessidade de isolar moradores que vivem em casas pequenas com muitas pessoas, idosos e pessoas com doenças crônicas. É impossível fazer isolamento em dois cômodos, morando sete ou oito pessoas, não tendo acesso água nem a álcool em gel", afirma Rodrigues.
O espaço foi todo estruturado para receber pessoas contaminadas pela Covid-19 e pela H1N1 (gripe suína), separados em andares diferentes. A ideia é que a pessoa passe 15 dias no espaço, o tempo médio de atuação do vírus.
Há 250 vagas em uma escola, e 260 em outra. Uma escola receberá só mulheres, e outra homens. Todas as camas respeitam o distanciamento recomendado. Há armários, televisores e mesas com marcações de distância para as refeições. Tudo adaptado para que a pessoa se sinta o mais confortável possível, só que de maneira coletiva. Toda parte técnica foi feita pelo vizinho hospital Albert Einstein, que também é um dos parceiros da iniciativa e tem funcionários nas instalações de saúde da favela.
A estrutura da casa custará R$ 4 milhões ao longo de três meses, tendo 41 funcionários na cozinha, 96 para dar conta da logística, dois enfermeiros e uma ambulância. Todos os funcionários são de Paraisópolis e foram contratados por meio de outro projeto local, o Emprega Paraisópolis. A associação de moradores contou até com o apoio de vakinha online para conseguir manter o local e ainda luta para conseguir que o CEU Paraisópolis vire um hospital.
Os encaminhamentos dos doentes são feitos pela UBS (Unidade Básica de Saúde) e pela AMA (Assistência Médica Ambulatorial), presentes em Paraisópolis. Quando o teste dá positivo, essas pessoas têm a possibilidade de escolher se isolar nesse espaço adaptado, caso não tenham condições em suas casas.
Cada rua tem seu presidente
Paraisópolis montou uma logística para enfrentar o coronavírus que já foi replicada em outras comunidades do Brasil: os presidentes de rua. Cada um deles cuida da sua rua ou viela e, em média, fica responsável por 55 famílias.
Um exemplo é de Dilmara Pinheiros, 27 anos. Ela, que se voluntariou a presidente, entrega todos os dias 55 marmitas, e todas as outras doações que chegam como cestas e álcool em gel.
"Nós somos responsáveis por chamar as ambulâncias quando alguém próximo está passando mal ou com suspeita. Falamos com moradores sobre a aglomeração de pessoas, mas infelizmente nem todos cooperam. Apesar de tudo, me sinto orgulhosa de ajudar minha comunidade", afirma Dilmara.
Paraisópolis tem hoje quatro ambulâncias para atender quem está com suspeita do vírus. Até agora, foram atendidas cerca de 570 pessoas, 300 eram suspeitas e 68 tiveram testes positivos, mas esse número, acredita-se, é bem maior.
Rodrigues conta que as dificuldades são grandes na comunidade. Para além da precariedade de recursos, a desinformação coloca em risco as pessoas de lá. "Depois das falas do [presidente Jair] Bolsonaro, as aglomerações aumentam em Paraisópolis. Infelizmente, as pessoas acham que essa doença pega somente em rico, mas não é bem assim. Nós somos os mais prejudicados por não ter estrutura", diz.
Douglas, que contou sua história no começo do texto, não vai para o centro de acolhimento porque está há 10 dias com o diagnóstico e espera que em mais cinco dias já esteja livre do vírus. Assim esperam todos.
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