Brasil destrói alimento enquanto volta ao mapa da fome e enfrenta Covid
Em meio ao combate ao novo coronavírus, o Brasil tem no horizonte uma possível crise de abastecimento no mesmo momento em que o país volta ao Mapa da Fome da ONU e em que vemos cenas de alimentos sendo destruídos no campo, porque transportar e comercializar é mais custoso.
"Como estamos produzindo os alimentos em um sistema superindustrial e capitalista, que impõe um preço e gera esse cenário de descartar o alimento, é mais barato para o agricultor destruir do que levar para um centro de abastecimento", afirmou a chef de cozinha, apresentadora de TV e ativista Bela Gil, durante UOL Debate sobre segurança alimentar em época de pandemia.
Gil defendeu a autonomia dos agricultores de plantar o que querem, e não obedecer cegamente o vai-e-vem do mercado. "A soberania alimentar é o direito ao acesso a boa alimentação. Precisamos garantir renda do agricultor e comida na mesa para quem precisa", disse a apresentadora.
Outro participante do debate, o diretor da ONG (organização não governamental) Ação Cidadania Rodrigo "Kiko" Afonso apontou que o Brasil está de volta ao Mapa da Fome, ou seja, o país ultrapassou os 5% de sua população dentro da extrema pobreza. O país tinha saído em 2014 do mapa, relatório da FAO, agência para alimentação e agricultura das Nações Unidas. O cálculo é que 13,8 milhões de brasileiros estão nessa condição atualmente (6,9% dos habitantes), e o impacto da pandemia pode triplicar esse número, somando boa parte dos trabalhadores informais que devem ficar sem renda. "A tragédia da Covid-19 trouxe luz para a questão da insegurança alimentar. Para resolver essa questão, é necessária política pública porque só o governo tem recursos e pessoal para atuar", apontou Afonso.
A falta de coordenação governamental foi apontada como principal problema nesse momento pelo economista Marcelo Paixão, professor da Universidade do Texas-Austin (EUA).
"A falta de lucidez política talvez seja problema maior que vírus. É uma calamidade pública porque não há coordenação nenhuma. Estamos acelerando a curva de mortos e contaminados. Não se trata de discussão ideológica, se trata de precisarmos de medidas coerentes e de ter seriedade no trato do que está acontecendo", afirmou o professor.
Outra participante do debate foi Kelli Mafort, doutora em Ciências Sociais pela Unesp e integrante da Coordenação Nacional do MST (Movimento Sem Terra). "A agricultura atual visa o lucro, e transformou o alimento em commodity para ser exportada. A agricultura tem de pensar na vida e na natureza. E estamos percebendo isso agora, percebendo que temos de valorizar um novo projeto de campo, com agricultura familiar, agroecologia e reforma agrária", afirmou.
Bela Gil concordou. "Precisamos de políticas públicas de acesso a uma alimentação saudável, e sem reforma agrária fica impossível garantir segurança alimentar para a população", disse durante o debate.
Paixão foi pela mesma linha de raciocínio. "Nossas políticas agrícolas foram dissociadas de uma reforma agrária e se dedicaram a uma agricultura empresarial. Esse modelo de desenvolvimento se instaura com Pedro Álvares Cabral, até o Brasil se transformar no maior consumidor mundial de agrotóxico. Existe por aqui um tipo de ação afirmativa inversa", argumentou o professor.
Kelli Mafort disse que é possível ter um horizonte propositivo se encararmos os problemas de frente. "Estamos diante de uma possibilidade histórica. A Covid não foi produzida em laboratório, mas da relação do ser humano com a natureza. Então precisamos mudar essa relação", disse.
Para o economista e professor Marcelo Paixão, o modelo a ser adotado deveria conciliar três diretrizes. "Política econômica com justiça social e preservação ambiental deveriam ser o tripé", resumiu.
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