Aceleradoras apoiam empreendedores negros com R$ 1 mi e mentoria na crise
De acordo com a pesquisa Economia das Favelas - Renda e Consumo nas Favelas Brasileiras, desenvolvida pelos institutos Data Favela e Locomotiva, o Brasil tem 13,6 milhões de pessoas morando em favelas, que giram R$ 119,8 bilhões por ano. Esse volume é maior que a movimentação de renda de 20 dos 27 estados do país.
Quem apostou nesse potencial econômico — e criativo — foi a aceleradora de startups Vale do Dendê, de Salvador. Ao longo de três anos de existência já teve 90 negócios do ecossistema de empreendedores negros e periféricos em seu programa de aceleração.
Com a disseminação da Covid-19 no Brasil, afetando fortemente os pequenos empreendedores e trabalhadores informais, surgiu a necessidade de uma resposta rápida à crise. Esse cenário levou a Vale do Dendê, ao lado de outras organizações, a viabilizar o fundo emergencial Éditodos. A meta é arrecadar R$ 1 milhão para apoiar 500 empreendedores vulnerabilizados - periféricos, mulheres acima de 50 anos, negros - com até R$ 2 mil.
"São empreendedores que já fazem parte da capilaridade das nossas redes e não terão apoio do governo e tão pouco têm condições de obter - e arcar com o pagamento - de crédito bancário. Felizmente já alcançamos 80% da nossa meta e cerca de 40 negócios já receberam esse apoio financeiro", conta Paulo Rogério Nunes, co-fundador da Vale do Dendê e consultor de diversidade.
Um dos 40 empreendedores eleitos para receber esse apoio é o TrazFavela, um serviço de entrega que atende moradores e comerciantes da periferia de Salvador. A iniciativa tomou forma em 2018, quando foi "acelerada" pelo programa da Vale do Dendê.
Iago Santos, fundador do projeto, explica que serviço funciona no momento por mensagens no WhatsApp e realiza entregas, de qualquer produto, em 15 bairros de periferia e comunidades de Salvador. Por conta do isolamento social, o número de chamados saltou de 20 para 115 no último mês. O valor recebido pelo fundo Éditodos, conseguiu garantir a ajuda de mais uma pessoa no atendimento, além de criar um caixa de apoio caso algum dos entregadores parceiros contraia o vírus e precise ficar afastado do trabalho.
Um dos diferenciais do serviço de entregas é também negociar com os motoboys as taxas de cobrança pela prestação do serviço, um dos trabalhos precarizados que mais chamou atenção nos últimos tempos.
Enquanto os aplicativos de delivery cobram de 20 a 25% dos entregadores e paga um proporcional por área atendida, o TrazFavela desconta de 10 a 15% e calcula o frete por quilometragem rodada. Tudo para que ninguém saia no prejuízo, afinal o intuito é fomentar a economia nas comunidades.
Comunicação é tudo
Outros projetos também surgiram com o intuito de apoiar pequenos comerciantes, sobretudo os mais vulneráveis, como a iniciativa da produtora de audiovisual Terra Preta, de São Paulo. Rodrigo Portela, fundador da produtora, sempre buscou democratizar o acesso a essa ferramenta para afroempreendedores e empreendedores periféricos, usando o audiovisual como ferramenta de empoderamento. Com verba da reserva de caixa, ofereceu seus recursos para criar vídeos para que esse público desenvolver a presença online no período de quarentena.
Nos primeiros 20 dias do projeto na ativa, 21 comerciantes de serralheria, marcenaria, moda, alimentação, de diversos bairros como São Mateus, Sapopemba, Capão Redondo, Vila Brasilina e outros, foram impactados e ganharam até três vídeos. "Como estamos fazendo tudo à distância, nem sempre conseguimos muito material, então às vezes entregamos um vídeo ou dois. Mas mesmo assim, ficam entusiasmados e contam dos feedbacks positivos que o conteúdo gerou", conta Rodrigo.
O projeto foi escolhido para participar integrar o portfólio de iniciativas voltadas para periferias da plataforma Benfeitoria junto com a Fundação Tide Setubal, em que as doações são triplicadas pelo fundo. "A meta inicial eram 30 negócios, mas como já estamos próximos desse número, projeto que a gente consiga 60 empreendedores".
Na mesma linha, a publicitária Tássia di Carvalho, cria da baixada fluminense, no Rio de Janeiro, já trabalha com projetos de impacto social há mais de 10 anos e fundou a Agência Is. Quando a pandemia fez os negócios fecharem as portas, ela se deu conta da necessidade de capacitar comerciantes que dependem da venda direta, ao vivo, e não usam as redes sociais para alavancar seus negócios. A ideia estava na cabeça de Tássia, mas só depois de vencer a resistência da sogra, Kátia dos Santos Simões, para uso das redes é que o projeto ganhou vida.
"Ela é costureira de vestidos de festas e fantasia. E não temos previsão nenhuma de quando eventos vão acontecer! Enviei moldes de máscara para ela e a ensinei a usar as redes sociais pra oferecer os serviços para vendê-las". A estratégia deu certo. Há uma semana, Tássia recebeu uma mensagem de agradecimento, em que Kátia contava ter vendido 20 máscaras em um único dia, e que o 'boca a boca digital' tinha dado autonomia financeira para ela nesse momento de crise.
"Às vezes, as pessoas não percebem, acham que não existe maneira de acontecer no meio digital". Assim, Tássia criou um material para dar mentoria a até 300 empreendedores, de qualquer uma das favelas do Rio, de junho até dezembro de 2020. "Quando entregamos uma carga de conhecimento, é comum que surjam dúvidas. Então por isso queremos ficar disponíveis até o fim do ano, para garantir que o conhecimento seja sustentável", explica Tássia.
A mentoria é gratuita e tem até 45 vagas até o momento — para ampliar esse número, ela fez uma vaquinha virtual para ajudar nos custos. O foco são empreendedores que não têm familiaridade com redes sociais. Como essas pessoas não veriam seus anúncios nem no Instagram, nem no Facebook, ela fechou parceria com líderes sociais do Complexo do Alemão e Morro da Providência para fazer a ponte com comerciantes dessas comunidades interessados no apoio.
São 2 milhões de pessoas vivendo em favelas no Rio de Janeiro. É gente demais para ignorar. Cesta básica é emergencial e necessário, mas a crise não vai passar rápido. O questionamento que fica é como esses empreendedores vão sobreviver sem de ter de onde tirar dinheiro? Essas pessoas não têm reservas de dinheiro, não têm de onde tirar recursos.
Tássia Di Carvalho, publicitária
Empreendedorismo feminino
A consultora de negócios Caroline Moreira, empreendedora do Negras Plurais, viu sua rede de mulheres pelo Brasil ficando cada vez mais apreensiva - a maioria faz parte do mercado informal, o mais atingido pela crise do coronavírus.
Ao lado de Adriana Barbosa, líder do Instituto Feira Preta - o maior evento de cultura e empreendedorismo da América Latina - estruturaram o projeto Afro Máscaras. No dia 3 de abril o coletivo já estava na ativa. "Precisávamos de algo efetivo, uma solução concreta. São pessoas que saem de manhã para ganhar um dinheiro que vai ser gasto naquele dia mesmo. Não dava pra esperar as ações do governo", declara Caroline. O projeto tem o objetivo de gerar renda para afroempreendedoras de marcas de moda reconhecidas nacionalmente e costureiras de comunidades periféricas.
As ações da Afro Máscaras focam em mulheres negras, sabendo que elas estão em um lugar de invisibilidade social. Após mapear onde estão as mulheres que precisam de ajuda. A equipe, então, faz materiais de divulgação e as conecta com quem deseja doar itens como tecidos, linhas e elásticos.
"Já são 80 mulheres gerando renda, principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo. Infelizmente, não conseguimos ainda uma boa articulação logística com o Norte e Nordeste do país, mas não vamos desistir. Manter a autonomia é também manter a dignidade das pessoas, principalmente aquelas em uma situação vulnerável", declara Caroline.
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