Curada, primeira indígena com Covid ajuda seu povo em área crítica no AM
A agente de saúde Suzane da Silva Pereira, 20, da etnia kokama, foi a primeira indígena a ser diagnosticada com o novo coronavírus no Brasil. Após 25 dias de quarentena, ela voltou ao trabalho nas últimas semanas, na floresta amazônica, para ajudar o seu povo.
De acordo com a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena, ligada ao Ministério da Saúde), na região do Alto Rio Solimões, onde Suzane atua, até quinta-feira (14) eram 10 mortos. Esse é o maior número registrado em áreas de aldeias, que no total somam 21 óbitos, segundo o órgão. Como a Sesai só conta moradores de áreas de DSEIs (Distrito Sanitário Especial Indígena), entidades que trabalham com povos indígenas alertam para um número maior. Lideranças kokamas afirmam, por exemplo, que a etnia chega a 36 mortos por Covid-19.
Suzane começou a cumprir o isolamento em 25 de março, quando um médico que faz parte da equipe do DSEI, onde trabalha, teve a doença diagnosticada. A confirmação do caso dela, porém, só veio no dia 2 de abril. "Foi bem complicado esse período, mas voltei e agora estou ajudando a todos que precisam", disse a Ecoa.
Ela fez quarentena na casa onde mora, na Aldeia São José, no município de Santo Antônio do Içá (no sudoeste amazonense), junto a seu marido, seu pai, sua mãe e sua filha Yara, de 1 ano e 10 meses. Após seu caso, sua mãe, a filha e um primo também fizeram testes que deram positivo para o novo coronavírus.
Os kokamas são um povo que vive no sudoeste no Amazonas. São cerca de 14 mil no lado brasileiro, 11 mil no Peru e 200 na Colômbia. Suzane é agente de saúde e costuma visitar lares de aldeias de povos kokama, tikuna e kaixana. Em função da Covid-19, a sua rotina mudou. "Faço as visitas respeitando o distanciamento, não entramos mais nas casas."
"Meu povo me preocupava"
Suzane não sabe dizer exatamente como se contaminou, mas tem suspeita. A agente de saúde teve sintomas como febre, dor de cabeça, perda de olfato e paladar.
"Tivemos uma roda de conversa para tratar do novo coronavírus. Dias depois, um dos funcionários participantes teve sintomas e se isolou. Fez o teste, deu positivo. Desde então, todos os que estavam na roda fizeram o teste, e apenas o meu deu positivo. Ao mesmo tempo, minha filha também testou positivo e isso me preocupou bastante", lembra.
O isolamento foi um momento difícil para a agente de saúde. Os indígenas visitados por ela não saíam de sua cabeça. "Meu povo me preocupava bastante, até porque não estava tendo informações", conta. Na região onde vive, há deficiência de sinal de telefonia e internet.
Líder kokama pede ajuda
Segundo Eladio Kokama, líder do povo kokama no Alto Rio Solimões, existe uma grande dificuldade em tratar os casos graves de Covid-19 na região. "Os nossos hospitais não têm estrutura para receber e cuidar dos pacientes que estão com esse vírus. Nós precisamos de um olhar diferenciado. Não querendo ser mais do que os outros brasileiros, mas a nossa região é bem difícil, mesmo", diz.
O que estamos pedindo não é um favor, mas um dever do estado: dar uma saúde de qualidade
Eladio Kokama, liderança kokama no Alto Rio Solimões (AM)
Eladio explica que a região do Alto Solimões é composta por sete municípios, e nenhum deles tem leito de UTI para tratar casos graves. "A Sesai faz a parte dela, que é a saúde básica. O secundário e terciário já não é com ela, é com o SUS [Sistema Único de Saúde]", diz.
"Nós aqui em Tabatinga estamos sentindo isso na pele. Só da minha aldeia já foram seis ou sete óbitos, mais os kokamas que moram nas cidades. Ninguém faz nada com isso. Até 2019 a gente tinha uma UTI. E hoje nós não estamos tendo isso pela burocracia do governo, pela burocracia da Justiça", diz.
Lideranças apontaram caminhos para evitar a disseminação nas aldeias.
Ampliar a rede de comunicação entre os povos para compreender expansão do vírus, a despeito do governo federal;
Oficialmente, contabilizar indígenas fora das aldeias;
Levar informação a aldeias afastadas.
Após entrevista a Ecoa, mais uma morte de indígena da etnia, no município de Tabatinga, foi informada por lideranças locais. No entanto, Marilene da Cruz Soares teria sido identificada como parda pelo Hospital de Guarnição de Tabatinga - HGUT. No dia 14, morreu em Manaus o cacique kokama Messias Martins Moreira.
A prefeitura editou decreto no início de maio proibindo que indígenas entrem na cidade, para reduzir a possibilidade de contaminação. Os que chegam precisando de atendimento são alojados em um hotel. "Eu sei que Manaus também está com dificuldade, o mundo está vendo, mas ainda achamos que lá tem mais profissionais e recursos do que temos aqui", diz Eladio Kokama.
Como posso ajudar?
Uma campanha do povo kokama visa arrecadar recursos para a compra de alimentos e materiais de higiene para as famílias. Para colaborar: Federação Indígena do Povo Kukami-Kukamiria do Brasil, Peru e Colombia - Banco: Caixa Economica Federal | Agência: 3196 | Conta: 0021002-9 (pessoa jurídica). É possível entrar em contato via WhatsApp: 97 98412 4115.
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