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Com ônibus cheios por rodízio, prefeitura é pressionada por novas propostas

Vista da Marginal Pinheiros, sentido zona sul, ao lado da raia da Universidade de São Paulo, na manhã de 11 de maio, primeiro dia de rodízio restritivo, decretado como medida para aumentar a taxa de isolamento social na capital paulista - FELIPE RAU/ESTADÃO CONTEÚDO
Vista da Marginal Pinheiros, sentido zona sul, ao lado da raia da Universidade de São Paulo, na manhã de 11 de maio, primeiro dia de rodízio restritivo, decretado como medida para aumentar a taxa de isolamento social na capital paulista Imagem: FELIPE RAU/ESTADÃO CONTEÚDO

Marcos Candido

De Ecoa, em São Paulo

18/05/2020 04h00

Mais ciclovias, opções para se andar a pé e facilitar a saída de carros para viagens essenciais seriam mais eficientes para combater o novo coronavírus a curto e longo prazo do que a imposição mais rígida do rodízio feita em São Paulo. Esta é opinião de especialistas em meio ambiente e mobilidade ouvidos por Ecoa.

Com o decreto do rodízio, iniciado há uma semana e cancelado ontem (17) pelo prefeito Bruno Covas, a capital viu uma redução em até 30% de gases poluentes, como o dióxido de nitrogênio — o resultado também teve a ajuda de uma frente fria. O tráfego, já reduzido, ficou abaixo da média de segunda a sexta-feira de acordo com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET).

Contudo, o movimento cresceu no transporte coletivo, onde o risco de contágio é considerado alto. O que não aumentou foi a taxa de isolamento social, que até esta sexta (15) não bateu a meta dos 50%. Os resultados pouco expressivos e a pressão de especialistas tiveram como consequência o retorno ao sistema usual de rodízio.

Deveria ampliar calçadas para pedestres e ciclistas. Assim, aumenta-se o distanciamento social e dá alternativas ao carro e coletivos

Letícia Sabino, criadora e diretora da ONG Sampa a Pé

O novo rodízio

No dia 7 de maio, o prefeito Bruno Covas (PSDB-SP) apresentou a proposta inédita: um rodízio dividido por número pares e ímpares. Em dia ímpar, podem rodar apenas os carros com final da placa ímpar. Final da placa par, sai de casa em dia par. Valia todos os dias, inclusive fins de semana e feriados. A iniciativa teria tirado 1,5 milhões de carros das ruas; e buscava aumentar o isolamento social e melhorar a qualidade do ar.

A medida foi questionada por instituições em prol da mobilidade ativa, conselheiros municipais e pela Defensoria Pública de São Paulo. Segundo eles, os parâmetros do "par ou ímpar" não são claros e é preciso mais alternativas.

Houve 540 mil embarques nos coletivos da capital no início do novo rodízio. O equivalente a 3,3 milhões de embarques em ônibus municipais da cidade. Uma semana antes, a média era a de 2,8 milhões. A frota, já reduzida, foi ampliada de 50% para 65%. Consultada, a SPTrans informou que a média de aumento de pessoas que utilizaram os ônibus municipais entre 11 e 14 de maio foi de 6,2%, o que equivale a 69 mil pessoas a mais por dia.

A CPTM, que controla as linhas trem, e o Metrô também registraram alta de acima dos 10%. No geral, a Secretaria Estadual de Transporte afirmou em entrevista a UOL um aumento de 12% nos trens.

O secretário Alexandre Baldy afirmou que houve aumento de mais de 300 mil passageiros por dia no sistema de trens, metrôs e CPTM. Baldy indicou também ampliação na frota de transporte coletivo para evitar lotação, mas que a proposta deveria ser reavaliada pela Prefeitura.

Na manhã de sexta-feira, a estação da Luz amanheceu lotada de passageiros em São Paulo. Os registros da CET indicaram trânsito abaixo da média durante todos os dias, com índices de trânsito que não passaram de 1% de lentidão, caindo de 9 km para 2 km de congestionamentos com o rodízio ao longo da semana.

O novo rodízio foi tímido em cumprir seu objetivo: ampliar o número de pessoas em casa. A taxa de isolamento oscilou entre 48% e 49%, um aumento de pouco mais de 1% em relação à semana anterior. A meta do governo municipal e estadual é achatar a "curva de contágio" com nível de isolamento em até 55% a 60%.

Cenário gera "parafuso"

Se por duas décadas a redução de carros foi vista como a saída para melhorar a qualidade de vida, a cobrança agora é por investimentos para evitar aglomerações em ônibus e metrôs. Ao mesmo tempo, é necessário apresentar soluções para melhorar a circulação e a qualidade do ar em um futuro pós-pandemia, seguindo o exemplo de outras cidades pelo mundo.

O que querem especialistas em mobilidade e meio ambiente?

  • Criação de vias mistas para pedestres e ciclistas para aumentar isolamento
  • Ampliação e criação de ciclofaixas, ciclovias e via mistas temporárias
  • Horário diferenciado de trabalho para evitar aglomeração no transporte coletivo
  • Aumento na frota de ônibus para evitar a lotação
  • Ampliação dos corredores de ônibus
  • Sistema de rodízio com parâmetros como emissão de poluentes ou apenas viagens essenciais

De olho em exemplos no exterior

O questionamento dos especialistas é sobre alternativas mais eficientes contra o vírus e também a longo prazo para São Paulo.

Não à toa, prefeitos em cidades como Londres e Paris aproveitaram a "deixa" para reforçar ou criar políticas verdes, de mobilidade e diminuir o movimento no transporte coletivo.

Um grupo de conselheiros defendeu em carta apenas as chamadas "viagens essenciais", com uma lista de profissões e organizações liberadas para rodar na cidade. Junto a isso, a criação de ciclovias e vias mistas para pedestres e bicicletas para desafogar o transporte coletivo.

Instituições de mobilidade criaram petições para pressionar a Secretaria de Mobilidade e Transporte de São Paulo por soluções que não sejam restritas só ao rodízio, citando iniciativas de cidades como Bogotá, Madrid e Milão.

Covid-19: o que cidades no mundo estão fazendo para melhorar a mobilidade

"São Paulo tem uma mentalidade da individualidade sob influência modernista em seu planejamento viário. Pensava-se que o futuro seria o automóvel, até que políticas como acesso à cidade mudaram um pouco essa visão, especialmente a partir de Junho de 2013, e com influência de outros países ao longo das décadas", explica Letícia Sabino, criadora e diretora da ONG Sampa a Pé e uma das elaboradoras da petição.

Em 1996, a Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo notou a dependência dos carros e propôs um sistema de restrição inspirado na Cidade do México. O sistema restringia veículos 7 da manhã às 20 horas e afetava a capital e mais nove municípios na região metropolitana. Era válido somente entre maio e setembro.

"O rodízio surge como uma medida criada para o desestímulo do carro, mas não de estímulo a outros meios para circular pela cidade", pontua Letícia.

"Na época, se você falasse para o paulista abandonar o carro para ir a pé até a padaria, ele enlouqueceria. Minha geração nasceu sobre quatro rodas, era um símbolo de sucesso pessoal", relembra Laura Silvia Valente, pós-doutoranda em administração pública pela Fundação Getúlio Vargas e uma das coordenadoras do rodízio estadual na década de 90. "A ideia, na época, era a de implementar as políticas da sustentabilidade e meio ambiente. Não era ligado a questões urbanas", pontua.

A pesquisadora lembra que o primeiro rodízio também pretendia diminuir as internações por problemas respiratórios. É daí que que vem o termo "rodízio": o primeiro programa foi intitulado como "Operação Rodízio". Dados da época mostraram cerca de 80% na redução no tempo de viagem e 10% em combustível, com uma redução de 5% nos índices de emissão de gases poluentes.

Com a gradual melhora na aprovação dos motoristas, a Prefeitura de São Paulo adotou o próprio "rodízio", chamado "Operação horário de pico". Carros ficaram restritos de circular de acordo com o final da placa e em determinados pontos da cidade e durante dias úteis. A principal bandeira, segundo Laura, passou a ser a diminuição no congestionamento.

Em 1998, a estimativa na redução nos níveis de congestionamento foi da ordem de 18% na área afetada pela medida do rodízio municipal. Além disto, durante os horários de pico da manhã e da tarde estes níveis de redução eram em torno de 37% e 24%, respectivamente.

No entanto, a cidade se viu vítima de um efeito colateral, e os congestionamentos voltaram a crescer. A frota de carros, que à época era de cerca de 3 milhões, aumentou. Famílias e pessoas com mais poder aquisitivo foram às compras, e surgiu o "carro do rodízio", com placa de final diferente para não ficar sem rodar pela cidade nem um dia da semana.

Queda nos índices de poluição. Será?

Ainda não é possível concluir se o novo rodízio foi responsável pela diminuição dos poluentes registrados durante a semana na capital. A Cetesb, órgão que controla a qualidade do ar no estado, registrou previsão de dispersão de gases poluentes com a chegada de uma frente fria.

Segundo especialistas, o clima deu uma "mãozinha" e somou-se ao número já reduzido de carros nas ruas - esse sim, comprovadamente importante fator para a queda nos índices de poluição desde o início da quarentena em São Paulo. Com os dois fatores combinados, ainda não é possível concluir se o rodízio colaborou para melhorar o ar paulistano.

A professora do instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, Maria Fatima de Andrade, calculou uma redução de até 50% na emissão de gases poluentes no começo de abril a partir de dados da Cetesb.

No início de maio, a professora afirma que os índices foram diminuindo e ficaram abaixo dos 40%. Os dados foram calculados a partir de dados da Cetesb do mesmo período do ano passado, sem a pandemia.

Para a especialista, os reflexos na melhora do ar se deram por quem já tinha aderido ao isolamento. "No final de abril e início de maio, nós observamos um relaxamento no isolamento", diz. Na ocasião, houve o pronunciamento apaziguador do isolamento social feito pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no final de março e abril.

A Cetesb, que controla o índice na qualidade do ar, afirma que a redução na poluição deve ser levada em consideração com as alterações meteorológicas. A Secretaria de Transporte Metropolitanos do estado, por meio do secretário, afirmou que o aumento era esperado e houve ampliação da frota para evitar a lotação nos trens, metrô e ônibus metropolitanos.

A pedido de Ecoa, o doutor em física nuclear Eduardo Landulfo, pesquisador do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), registrou uma redução em 30% de emissão de dióxido de nitrogênio em comparação à mesma semana de maio em 2019. O índice é semelhante ao início de abril.

Satélite mostra índices de poluição em SP

Imagens de satélite mostram índice de dióxido de nitrogênio na região Metropolitana de São Paulo - Reprodução/Eduardo Landulfo - Reprodução/Eduardo Landulfo
Imagens de satélite mostram índice de dióxido de nitrogênio na região Metropolitana de São Paulo
Imagem: Reprodução/Eduardo Landulfo

Imagens de satélite mostram índice de dióxido de nitrogênio na região Metropolitana de São Paulo - Reprodução/Eduardo Landulfo - Reprodução/Eduardo Landulfo
Imagens de satélite mostram índice de dióxido de nitrogênio na região Metropolitana de São Paulo
Imagem: Reprodução/Eduardo Landulfo

Imagens de satélite mostram índice de dióxido de nitrogênio na região Metropolitana de São Paulo - Reprodução/Eduardo Landulfo - Reprodução/Eduardo Landulfo
Imagens de satélite mostram índice de dióxido de nitrogênio na região Metropolitana de São Paulo
Imagem: Reprodução/Eduardo Landulfo

O ideal seria investir em transporte coletivo a longo prazo, oferecendo mais oferta até atingir níveis registrados em feriados

Eduardo Landulfo

Poluição, isolamento e Covid-19

A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem um guia para indicar níveis razoáveis de poluição no ar para se viver bem. A tabela mede os gases em microgramas por metro cúbico no ar. Há mais de um tipo de gás poluente em uma cidade como São Paulo, onde há 9 milhões de veículos de acordo com o Departamento Estadual de Trânsito (Detran).

Alguns desses gases poluentes são gerados pela combinação com outros gases e emissores, como o ozônio e o material particulado. A formação de outros gases poluentes é diretamente associada à queima de combustíveis por automóveis, como o dióxido de nitrogênio.

Em comum, a maior presença de microgramas por metros cúbicos na atmosfera é um potencial agravante para as doenças respiratórias que pioram o quadro da Covid-19.

Para Gregório Luz, autor do estudo "Transporte público e Covid-19. O que pode ser feito?", da Fundação Getúlio Vargas, a restrição veicular pode não ser a melhor saída neste momento. "Nunca achei que chegaria um momento na minha vida que eu defenderia o carro frente ao transporte público", brinca.

Para ele, a alternativa seria aumentar o número da frota para evitar lotações e oferecer facilidades a profissionais de saúde, como estacionamentos exclusivos pela cidade. A redução de poluição e mobilidade não podem ficar acima da emergência do novo vírus, que já matou mais de 700 pessoas na cidade. No estado, são mais de 4 mil mortes e mais 60 mil infectados.

"Restringir acesso ao carro aumenta o risco de contágio, especialmente daqueles que são obrigados a usar o transporte público", pontua. "Além disso, os níveis dos poluentes estão menores não só pelo menor uso do carro, mas pela redução na atividade econômica em geral", conclui. Para ele, as regras do rodízio tradicional são melhores do que as que foram impostas pelo prefeito Bruno Covas, mas ainda não é o ideal.

"Mesmo menos severo, o rodízio tradicional ainda impõe restrições à utilização do carro neste momento. Assim, ainda existe uma parcela de motoristas que migrarão para o transporte coletivo", diz. "A população que usa o transporte coletivo, na sua grande maioria, ainda é baixa renda e não possui outra opção de deslocamento".

A reportagem de Ecoa questionou a Prefeitura de São Paulo sobre quais propostas para mobilidade estão planejadas, o número de multas aplicadas com o rodízio, quais seriam os motivos que impedem a redução no isolamento e se o rodízio será permanente. Mas não teve um retorno até o fechamento desta reportagem.

Em nota, a Secretaria Municipal de Mobilidade Transportes (SMT) afirma que permanece, "mesmo em meio à pandemia de Covic-19, investindo em políticas de incentivo à mobilidade ativa e na integração de modais. Prova disso é que estão sendo realizadas obras de construção de novas estruturas cicloviárias e reformas das já existentes - previstas pelo Plano Cicloviário - que somam aproximadamente 110 quilômetros. Outros 90 quilômetros já foram entregues à população."

A prefeitura também afirma que os "trabalhadores dos serviços essenciais, como saúde, imprensa, segurança, assistência social, além de veículos de abastecimento de setores essenciais, estão isentos do rodízio. Vale ressaltar que a orientação das autoridades de saúde é que, quem puder, deve ficar em casa. O foco da medida é justamente desestimular as viagens não essenciais", encerra a nota enviada antes do cancelamento do novo sistema.