Mercado bilionário, areia tem extração ilegal e risco de acabar; há saídas
A areia está em nossos celulares, computadores, casas, nas peças de nossos carros, nas estradas por onde justamente passam os carros e nas taças e copos em que bebemos. Um punhado na mão e ela nos parece infinita. Mas ela corre o risco de desaparecer se não diminuirmos o ritmo.
São cerca de 40 a 50 bilhões de toneladas de areia usadas por ano no mundo, de acordo com estimativas das Nações Unidas em 2019. Um bem não renovável, estima-se que são necessários milhões de anos de atritos entre rochas para criar o que conhecemos como areia. Cada grão é parte deste processo de erosão milenar e possuí características e usos específicos.
Além do risco de esgotamento do recurso, este consumo desenfreado pode ainda desequilibrar o meio ambiente. A ONU usa como exemplo a retirada de areia em regiões ambientadas por caranguejos — o que pode tirar o sustento de vilas inteiras no Camboja, um dos principais polos de extração mineral no mundo. A extração reduz também a sedimentação de rios, o que pode levar à erosão de praias.
Outro problema é a extração ilegal, que está ligada até ao fortalecimento de milícias armadas no Brasil. A boa notícia é que tem gente elaborando alternativas para reciclá-la e mantê-la para as próximas gerações.
Nem toda areia é igual
Nem toda areia serve para a mesma coisa. Por isso, não basta ir ao Saara quando acabar o estoque do caminhão. A areia muda de acordo com o local onde ela foi originada, o que lhe confere características particulares: mais concentrada, mais fina, com grãos maiores ou menores.
A areia muda se tiver sido extraída em um leito de rio, oceano ou a seco em dunas. É a chamada "granulometria", um índice que mede a densidade dos grãos e demarca o destino que terão.
Dubai, por exemplo, é rodeada por um deserto mas precisa importar areia da Austrália para colocar seus arranha-céus em pé. O motivo é que a areia da capital dos Emirados Árabes é fina demais para a construção civil. O prédio mais alto do mundo, o Burj Khalifa, com mais de 800 metros de altura, é um símbolo do poderio financeiro da cidade, mas foi construído com areia australiana.
Uma areia mais fina pode ser utilizada na chamada "areia de fundição". Esse tipo de areia é misturado a uma resina para criar moldes na indústria de peças automotivas e industriais, por exemplo.
Extração ilegal acelera consumo desenfreado
O que é reciclado ainda é tímido perto de uma indústria com números bilionários. A falta de fiscalização e a possibilidade de lucro fazem com que a extração ilegal acelere o consumo no Brasil e no mundo.
O Vale do Ribeira, no sul de São Paulo, é um dos maiores polos de extração de areia no país e onde extração legal, ilegal e exploração de outros minérios dividem espaço. No dia 3 de maio, um guarda florestal terceirizado foi morto ao entrar na mata e se deparar com uma extração ilegal de ouro em um parque na região, onde também costuma acontecer extração de areia.
Luis Fernando Ramadon, pesquisador e especialista em mineração e mestrando de gerenciamento de recursos hídricos do PROFÁGUA, da UERJ, autor do principal estudo nacional sobre extração ilegal de areia no país e no mundo, chegou a um número impressionante: mais de R$ 8 bilhões foram gerados pela extração ilegal de areia em 2016, último ano do levantamento feito por ele. O número coloca a mineração ilegal ao lado de crimes como tráfico de drogas, armas e pessoas.
O estudo usa como base o que foi declarado no imposto pago pela indústria de cimento — que usa areia em sua composição. Tinha cimento demais declarado à União, para areia de menos. Quem compra não sabe de onde veio aquela areia.
"A extração de minérios não é negativa. O que temos que fazer é ter uma fiscalização mais compatível para garantir sustentabilidade", defende Ramadon.
Outro local de extração de areia legal e ilegal fica no Vale do Paraíba, também no interior de São Paulo. No final de abril, a Polícia Federal deu uma "batida" em ponto em Caçapava (SP). Os funcionários fugiram.
Em fevereiro, outra mineradora foi multada pela Justiça em R$ 12 milhões por extrair cerca de 700 mil metros cúbicos de areia acima do declarado em impostos pagos à União. Na região de Seropédica, no Rio de Janeiro, a extração de areia passou a receber influência de grupos milicianos que exigem pagamento de moradores.
"A sensação, a partir de declarações da presidência em relação à extração ilegal, é a de que liberou geral e o crime ambiental compensa", Mario Mantovani, diretor de políticas públicas do SOS Mata Atlântica.
Areia reciclada é uma opção
Muita areia é desperdiçada ou vira resíduo tanto na construção de prédios, como no de peças. É aí que entram os serviços oferecidos por empresas de reciclagem. Em São Paulo, por exemplo, a Epa gera até 2 mil toneladas mensais de areia reciclada a partir dos resíduos do processo de fundição e da moldagem.
A empresa instala a unidade de reciclagem na própria indústria em que a areia é usada e descartada. Assim, diminuem-se os impactos com transporte por caminhões e seus poluentes no meio ambiente. Claro, o preço também compensa. "A diminuição nos gastos com essa areia gira em cerca de 30% para a empresa", explica Sérgio Rameh, proprietário do grupo Epa.
Desde 2010 há uma política nacional para descarte de resíduos sólidos. As construtoras são responsáveis por dar um destino ao que lançam no meio ambiente. Com base nesta orientação, a SBR, empresa no interior de São Paulo e no Rio Grande do Sul, opera pátios de reutilização de resíduos da construção civil. O que sobra dos grandes prédios vira areia novamente. No ano passado, 40 mil toneladas de resíduo foram reaproveitadas.
Caminhos para evitar esgotamento do recurso
- Revogar decreto que permite negociar multas ambientais, que podem ser negociadas desde decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no ano passado
- Discurso mais duro de autoridades federais em relação à agenda ambiental; diretores de autoridades como Ibama foram afastados por manter combate a crimes ambientais
- Prender os "cabeças" e não apenas os operadores na extração de areia
- Indústrias de reutilização podem ajudar a conter excesso no consumo de areia
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