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Brasil vai na contramão do mundo e aumenta emissões com desmatamento

35% do desmatamento na Amazônia entre agosto de 2018 e julho de 2019 se deu em terras públicas não destinadas, categoria visada por grileiros - Reuters
35% do desmatamento na Amazônia entre agosto de 2018 e julho de 2019 se deu em terras públicas não destinadas, categoria visada por grileiros Imagem: Reuters

Rodrigo Bertolotto

De Ecoa, em São Paulo

21/05/2020 10h00

O planeta vai reduzir em 2020 a emissão de gases do efeito estufa em 6% por conta da freada econômica durante a pandemia atual. Já o Brasil vai na contramão mundial e deve aumentar esse número que é um dos índices causadores do aquecimento global que ameaça a vida na Terra.

Essa é a conclusão de estudo feito pelo Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Brasil, que é uma iniciativa do Observatório do Clima que calcula anualmente as emissões e remoções desses gases de todos os setores da economia brasileira.

"O Brasil tem um perfil diferente dos outros países, e suas emissões estão mais ligadas ao uso da terra. Com recordes de desmatamento, o país deve aumentar de 10% a 20% das emissões. A diminuição da atividade na indústria, no transporte e na geração de energia por conta do isolamento social atual acaba sendo pequena por aqui, comparada com a questão ecológica", afirma engenheiro florestal Tasso de Azevedo, que coordenou esse levantamento.

Azevedo será entrevistado ao vivo durante webinar que será transmitido nesta quinta-feira (21) pelo UOL, das 14h às 15h30. Ele falará sobre os efeitos da covid-19 nas mudanças climáticas, em uma parceria de Ecoa com o Pacto Global, iniciativa da ONU (Organização das Nações Unidas) para engajar empresas em questões sociais e de sustentabilidade. O painel poderá ser acompanhado aqui.

Como se explica que, mesmo com a parada econômica, o Brasil vai poluir mais a atmosfera, enquanto no mundo será um ano de alívio para o processo de aquecimento?

A conta é simples. Na maioria dos países que emitem muito gás de efeito estufa, o principal culpado é a queima de combustíveis fósseis, seja petróleo, gás ou carvão, usados na geração de energia, na indústria e no transporte. Isso chega a ser responsável por 70% das emissões por lá. Essa área foi diretamente impactada pela pandemia e a quarentena. Por isso, o mundo vai ter essa redução de 6% das emissões, que é a maior desde 1990, quando começaram as medições. Há quem calcule, como em um estudo publicado da revista Nature, que diminuição assim só se deu logo após a Segunda Guerra Mundial [1939-1945].

Mas o Brasil é diferente. Somos o sexto maior emissor, mas essa taxa vem do uso da terra. Como o desmatamento e as queimadas aumentaram em 2019 e em 2020, vamos acabar o ano com um acréscimo de 10 a 20% nas emissões de gases de efeito estufa.

Tasso de Azevedo, engenheiro florestal

Os grileiros e madeireiros não estão fazendo quarentena, e já se vê um aumento do desmatamento de 50% a 171% neste ano, dependendo da medição que você faz.

E a brecada na economia nas cidades não consegue contrabalançar isso?

Só as emissões da pecuária já quase neutralizam essa diminuição em relação aos combustíveis fósseis. O Brasil deixou de abater 500 mil cabeças entre março e abril, e o característico disso é que o boi vivo aumenta a emissão porque a fermentação ruminal gera gás metano. Essa diferença deve permanecer ou aumentar até o final do ano.

A pecuária é responsável por 25% das emissões no Brasil, enquanto a soma das emissões da energia [21%], indústria [5%] e resíduos [5%] chega a 31%. Por essa conta, os efeitos econômicos da covid-19 poderiam ter um saldo positivo no Brasil em relação ao aquecimento. Mas, quando entra a mudança no uso da terra, essa conta fica negativa, afinal, ela é responsável pelos restantes 44% das emissões.

Dá para medir quanto a pandemia tem de influência no aumento no desmatamento no Brasil?

Por nosso levantamento, o impacto ainda é inconclusivo, porque não há uma ligação direta entre os dois fatos. O desmatamento crescente está mais ligado a sinalizações e políticas do governo atual desde seu início, com o desmonte da estrutura de fiscalização e com medidas que incentivam a invasão de áreas protegidas e florestas em terras públicas.

Só de verificar que o ICMBio [Instituto Chico Mendes] não tem uma equipe de campo na Amazônia já dá para dimensionar isso, fora o que está acontecendo com o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis].

Por outro lado, até as terras indígenas homologadas estão sendo invadidas, desmatadas e incendiadas. Pela primeira vez na história recente, passou-se um ano sem uma demarcação de terra indígena. Tudo isso somado está nos levando a recordes de desmatamento.

Tasso de Azevedo, engenheiro florestal

Você já afirmou que o Brasil tem vocação para ser uma potência ambiental. Estamos perdendo mais uma oportunidade agora que o mundo se volta cada vez mais para o tema?

Sim. Nenhum país tem melhor e mais extensamente aplicada tecnologia de biomassa que o Brasil com a utilização do etanol como combustível. O potencial de energia renovável, seja hídrica, solar ou eólica, é único no país. O Brasil tem a segunda maior floresta do mundo em seu território, só perdendo para a Rússia.

Esses são nossos principais ativos e são nosso passaporte para esse mundo preocupado com o futuro do planeta. Mas estamos patinando na história, surgindo como párias do mundo por descuidar desse patrimônio e ter um governo que acha que mudança climática é uma invenção comunista, globalista. Infelizmente, o Brasil está desperdiçando mais uma chance.