Chefe do FMI cita economia ambiental e igualitária para vencer crise
A economista búlgara Kristalina Georgieva estava havia apenas dois meses num dos cargos mais poderosos do mundo quando estourou o novo coronavírus. Atual chefe do Fundo Monetário Internacional, ela diz que se apega a algumas lições do passado para enfrentar a atual pandemia, como suas experiências num país comunista e nas crises humanitárias que ajudou a combater quando foi Comissária da União Europeia.
"Não conhecemos nossa força interior até sermos atacados. Somos capazes de suportar choques, especialmente quando nos unimos. Isso sempre me dá um otimismo", disse Georgieva, 66, num evento do TED online, na segunda-feira (18).
"Aprendi isso nos dias em que meu país entrou em colapso, e eu precisava acordar às 4h para ficar na fila do leite para minha filha. E aprendi nos dias em que vi refugiados sírios em situações terríveis ajudando um aos outros."
No cargo desde outubro, Georgieva acredita que os vencedores da crise serão os países que a olharem como uma oportunidade e conseguirem sair do outro lado chamando este período de "grande lockdown" de "grande transformação". "Vai ser difícil, um caminho longo e doloroso", disse. "Mas minha mensagem aos líderes é: precisamos construir um mundo melhor."
Os países vencedores serão aqueles que conseguirem fazer uma "grande transformação digital", de olho em iniciativas de e-governo e e-comércio, e pensarem numa economia mais justa, já que o aumento da desigualdade é uma lição amarga deixada por outras pandemias. Para sair bem do caos econômico, ela também cita preocupação com o meio ambiente.
Quem se mover na direção de uma economia climática mais resiliente, irá reduzir seu risco e o risco do mundo para as outras crises sobre as quais não estamos falamos muito nos dias de hoje, mas que não sumiram. Quem não gosta de pandemias, não vai gostar nada das crises climáticas.
Kristalina Georgieva, economista búlgara e atual chefe do FMI
"É criticamente importante se preparar para uma crise. Pensar o impensável. E depois agir com perspicácia quando for atingido por um choque. Prevenção e preparação compensam muito", disse. "Temos essa mentalidade de gerenciamento de crises, porque o mundo está inevitavelmente mais propenso a choques por causa do clima e da enorme densidade da vida econômica e social."
Mais verde e mais mulheres
Sua preocupação com meio ambiente vem desde seus tempos de estudante. Formada em economia na universidade nacional na capital Sofia, na época chamada Karl Marx Higher Institute of Economics, fez sua tese sobre a política de proteção ambiental e crescimento econômico nos EUA. Ela também estudou economia de recursos naturais na London School of Economics e no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos anos 1980.
Georgieva começou a trabalhar no Banco Mundial em 1993 como economista ambiental para Europa e Ásia Central e chegou a ocupar cargos de diretora do Departamento de Meio Ambiente e das operações de Desenvolvimento Sustentável, antes de virar sua chefe-executiva em 2019.
Nos anos 2010, foi comissária da União Europeia e trabalhou em diferentes portfólios, incluindo ajuda humanitária. Durante sua gestão, triplicou o financiamento para a crise de refugiados na Europa e pressionou para que a organização contratasse mais mulheres para cargos seniores.
Ao ser questionada pelo organizador do TED, Chris Anderson, sobre o papel das mulheres na liderança de países que melhor enfrentaram a Covid-19, Georgieva respondeu que acredita no poder da diversidade em tempos difíceis. "Precisamos de todo mundo na mesa e dessa mistura de experiências e conhecimentos", disse.
"Mas precisamos reconhecer que, sim, as mulheres são mais dispostas a encontrar um caminho de comprometimento, a serem corrigidas quando estão erradas, a reclamar menos [...] Quando você está num período de incertezas, são grandes vantagens em tomadas de decisão."
Gaste, mas guarde os recibos
Georgieva é a primeira pessoa de um país emergente a ocupar o cargo do FMI. O órgão foi criado após a Segunda Guerra Mundial e é hoje formado por 188 países-membros, com o objetivo de monitorar a economia global e o sistema financeiro. O principal papel é conceder empréstimos a países com problemas para cumprir suas obrigações de dívida.
O FMI é alvo constante de protestos, principalmente entre movimentos anti-globalização, por impor medidas austeras de contenção de gastos públicos em suas concessões de empréstimos. Porém, durante a crise, o fundo tem estimulado o gasto dos governos, como os pacotes bilionários de ajuda.
"É uma necessidade, é a coisa sensata a se fazer", disse. "Você não escuta o fundo dizendo aos países: 'Por favor, gaste, gaste o quanto puder'. Mas é o que fazemos agora. Dizemos para gastar e guardar os recibos em nome da transparência aos seus cidadãos contribuintes."
Georgieva não prevê recuperação total da economia mundial em 2021, apenas parcial. Desde o início da pandemia, o FMI recebeu pedidos de ajuda de mais de 90 países e já forneceu financiamento de emergência a 56 países, desembolsando cerca de US$ 21 bilhões (R$ 120 bi), com taxas de juros muito baixas.
"As pessoas não sabem, mas o fundo tem múltiplos instrumentos, como o financiamento de emergência, que dobramos por conta da crise", disse. "Em troca, só pedimos uma coisa: paguem seus médicos, seus enfermeiros, seus hospitais, e ajudem os mais vulneráveis e partes da economia. Apenas isso."
Antes de terminar a conversa no TED, a economista recomendou aos espectadores o filme "A Ponte dos Espiões" (2015), de Steven Spielberg e protagonizado por Tom Hanks. Ela citou uma cena em que o advogado diz a um espião que ele deve morrer enforcado e fica surpreso com a falta de preocupação do cliente.
"Então minha mensagem é essa: está difícil, mas preocupações não vão ajudar. Ações positivas, sim. Fiquem positivos", disse.
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