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Luta racial deve estar no centro de luta antifascista, diz pesquisadora

Marcos Candido

De Ecoa, em São Paulo

02/06/2020 17h25

Uma agenda antirracista brasileira é uma saída para evitar a ação de um estado violento contra a população negra. De quebra, ela tem poder para inserir negros nas tomadas de decisão e como figuras de representatividade em nossa sociedade. Mas como colocar isso em prática enquanto uma pandemia mundial evidencia ainda mais opressão racial no Brasil e no mundo?

Esse foi o desafio proposto por três convidados de Ecoa para discutir a luta antirracista no Brasil e nos Estados Unidos, nesta terça (2). O debate foi mediado por M.M Izidoro, escritor e colunista de Ecoa, com participação da escritora e arquiteta Stephanie Ribeiro, da arquiteta e urbanista Tainá de Paula, co-presidente do IAB-RJ (Instituto de Arquitetos do Brasil), e de Thiago Amparo, advogado e professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.

Somente no mês de maio, dois assassinatos de pessoas negras abalaram o mundo. A primeira foi a do garoto João Pedro, de 14 anos, morto por tiros de fuzil durante uma operação policial em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. Do outro lado do mapa, George Floyd foi sufocado até a morte por um policial branco em Mineápolis enquanto outros policiais apenas assistiam o ato.

Em comum, as mortes foram causadas pela ação de representantes do estado em um momento em que os holofotes estão virados para as milhares de vítimas da covid-19 nos dois países.

Para os debatedores, a violência não é recente, desconhecida ou inédita nas duas sociedades. "O papel da covid-19 é deixar evidentes as desigualdades que já existem na sociedade", explica o advogado Thiago Amparo.

Tanto o Brasil quanto os Estados Unidos, porém, experimentam realidades históricas diferentes. E uma pode aprender com a outra. Para Stephanie Ribeiro, uma das saídas desta troca de ideias passa pela representatividade na mídia. Ou seja: melhorar a percepção sobre o que é ser negro a partir de seriados, da representação positiva na mídia e no financiamento pelo que é produzido pela população negra.

"Como a gente vai querer ser negro se o ser negro na estrutura racista brasileira é algo ruim? Ser negro no Brasil não é bom. E não falo por conta da estrutura ser violenta. Mas não é bom no sentido mais simples do bom. Toda a narrativa é no sentido do negro ruim, violento. Quando a narrativa feminina existe, é a da mulher sofredora, a mulher que vai ser violentada e depois vai insurgir. Você quer ter essa vida? Você quer se identificar com algo que você vai sofrer?", questiona Stephanie Ribeiro.

A gente produz série, música, arte e estética de forma gratuita. Produz porque não consegue se ver, mas a gente sequer consegue transformar isso em renda. É muito importante que a gente entenda que pode contar nossas narrativas

Stephanie Ribeiro, escritora e arquiteta

Tainá de Paula explica que ainda há desafios peculiares para os negros brasileiros. Mesmo sendo 56% da população, contra 12% da população norte-americana, o negro no Brasil teve menos tempo, acesso a direitos básicos e ainda luta para ser reconhecido como um cidadão e humano na sociedade brasileira.

"Aos norte-americanos, foi possibilitada, com proposta do estado, a reparação no pós-abolição", diz. Segundo ela, a agenda do negro após a abolição no Brasil foi a de sobreviver. As questões identitárias só aparecem em 1988, com a nova Constituição. Aparecem de maneira subjetiva, já que os direitos são considerados universais e não há uma agenda direcionada às populações negras.

"O negro brasileiro ainda discute sua humanização. Somos sequer considerados humanos. É um patamar que nos coloca em um tempo histórico diferente dos americanos", explica. "Nossa democracia não foi construída pra todo mundo. Se não tem democracia racial, não tem democracia. Precisamos entender que somos uma nação preta", diz a arquiteta.

É falácia dizer que movimentos negros não se insurgem. Temos uma luta por sobrevivência, revoltas da chibata cotidianas

Tainá de Paula, arquiteta e urbanista

Para a co-presidente do IAB-RJ, "há uma permanente construção de um sistema de controle para manter o racismo". "O Brasil está em perfeita sintonia com o fascismo, com as tensões raciais em que Trump e Bolsonaro operam. Eles se comunicam. Eles entram em diálogo na pandemia. George Floyd não é uma aberração na lógica da falsa democracia racial dos EUA, ele é mais um corpo, João Pedro também é mais um corpo desse estado necropolítico da negação de direitos de negros e negras."

Tainá de Paula ainda pontuou que o racismo tem o negro como alvo, mas que a covid-19 não escolhe cor e a exclusão do negro em sociedade pode inclusive agravar a pandemia no país. Para a arquiteta, "o Brasil precisa se dar conta da sua desigualdade racial" sob pena de não sobreviver. "Em tempos de covid, a bala consegue ver CEP e CPF, o vírus não vê. A covid não vai ficar só na senzala, vai voltar para casa grande. O Brasil precisa perceber isso ou vai morrer."

Segundo os debatedores, a agenda política deve mirar na estrutura do racismo, com acréscimo de negros nos espaços, envolvendo também a prática diária de cada brasileiro — brancos, especialmente. Só assim a violência contra o corpo negro deixará de ser banalizada. E, em um país com maioria negra e tantas desigualdades, a questão racial deve estar no centro.

"As pessoas atuam de uma forma de não entender a importância de nomear a violência. Tanto que a gente acha que é mais importante lutar pela paz e ignorar que a gente não vai chegar na paz se a gente não conseguir nomear a violência. Porque esse é um dos primeiros passos, não banalizar. Uma das questões do racismo é que ele é tratado de forma banalizada a ponto de a gente conviver com práticas racistas e achar normal", diz Stephanie Ribeiro.

Os especialistas propõem um "novo pacto civilizatório" para o país. "É o mínimo ter uma sociedade com igualdade", coloca Thiago Amparo.

"Raça não é um fato dado da realidade, é uma construção social", explica o advogado e professor da FGV-SP. "A primeira coisa que as pessoas têm que pensar, e inclusive as não-negras, é desconstruir a ideia de que o racismo é um problema dos negros. Na verdade, é pensar em qual papel enquanto pessoa não-negra pode ser exercido na estrutura de privilégio para utilizá-la [contra o racismo]. Apontar racismo e violências é pensar uma sociedade melhor", conclui.