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UOL Debate: Covid-19 reforça desigualdade e põe 'negro duplamente em risco'

De Ecoa, em São Paulo*

02/06/2020 13h20

O UOL Debate de hoje discute a luta antirracista no Brasil e nos EUA, um momento que vem amplificado pela pandemia do coronavírus. Para os especialistas ouvidos, a covid-19 não cria novas desigualdades, mas reforça as que já se viam na sociedade. Mais que isso, põe uma população negra que já vivia mal "duplamente em risco".

O debate foi mediado por MM Izidoro, com participação de Stephanie Ribeiro, escritora e arquiteta; Tainá de Paula, arquiteta, urbanista e ativistas de lutas urbanas e Thiago Amparo, advogado e professor da Fundação Getúlio Vargas.

Para Stephanie, o coronavírus está matando "grupos que já são vulneráveis. Em São Paulo, as pessoas estão morrendo mais nas periferias do que na região central e isso diz muito sobre as políticas de saúde, mas sobre políticas de uma forma geral. A estrutura toda é pensada de uma forma excludente e genocida, de forma que marginaliza determinados grupos. (...) Esse sentimento de impotência é também um sentimento de desamparo social. Ficou muito claro pelo que disse o presidente [Jair Bolsonaro] que as nossas vidas não importam. O coronavírus reforça as desigualdades, não cria novas desigualdades". "O papel da covid é deixar evidentes as desigualdades que já existem na sociedade", acrescentou Thiago Amparo. "A covid chega e encontra a sociedade como está e a gente vê que desproporcionalmente impacta pessoas negras. A letalidade de pessoas negras diante do covid é maior, não por questões físicas, mas por outros fatores, relacionados à saúde. Seja as condições subjacentes, condição de vida, nutrição, ambiente onde você está, saneamento básico. E também o impacto em acesso a hospitais e tratamento médico adequado."

Tainá concordou e citou os casos de George Floyd e João Pedro, que acontecem no meio da pandemia, em um momento delicado: "O Brasil está em perfeita sintonia com o fascismo, com as tensões raciais em que Trump e Bolsonaro operam. Eles se comunicam. Eles entram em diálogo na pandemia. George Floyd não é uma aberração na lógica da falsa democracia racial dos EUA, ele é mais um corpo, João Pedro também é mais um corpo desse estado necropolítico da negação de direitos de negros e negras", analisou ela.

"Eu acho que a gente precisa beber nos EUA, nossa estruturação enquanto movimento negro. Está colocado que precisamos construir uma agenda racializada nacional, como a coliazão negra por direitos. Falo isso com medo, porque a gente vive um pico de epidemia diferente dos EUA. Nós estamos crescendo nossa curva e alastrando para periferias. Estamos mais uma vez colocados duplamente em risco", acrescentou a ativista. "O Brasil precisa dar conta da sua desigualdade social, se não quiser morrer".

Tainá ainda pontuou que o racismo tem o negro como alvo, mas que a covid-19 não escolhe cor. "Em tempos de covid, a bala consegue ver CEP e CPF, o vírus não vê. A covid não vai ficar só na sensala, vai voltar para casa grande. O Brasil precisa dar conta disso ou vai morrer."

Violência naturalizada

Stephanie pontou que um dos principais problemas é o Brasil normalizar o racismo, tanto na vida social quanto na cultura - por exemplo na subrepresentação em novelas. "A gente vê a naturalização da violência. Por isso nomear a violência é importante. Não existe paz se a gente não deixar de naturalizar a violência."

"Apesar de [o racismo] ser estrutural, isso não tira a responsabilidade individual. Pessoas no Brasil não querem ter responsabilidade, agir sobre essa estrutura", lamentou ela. "Não existe uma mudança de estrutura que se dê na comodidade. O cômodo está dado, a gente precisa sair dele e ir para o incômodo. Se você está cômodo, você precisa se incomodar, precisa abrir seus olhos."

*Participaram desta cobertura Beatriz Sanz e Maurício Dehò (redação) e Caroline Monteiro e Diego Henrique de Carvalho (produção).