Topo

Mico-leão-dourado é "case" de sucesso para preservação, mas vê nova ameaça

Unificação de unidades de proteção pode afetar sobrevivência do mico-leão-dourado - Wikimedia
Unificação de unidades de proteção pode afetar sobrevivência do mico-leão-dourado Imagem: Wikimedia

Marcos Candido

De Ecoa, em São Paulo

05/06/2020 04h00

O mico-leão-dourado habitava toda a região costeira do Rio de Janeiro e talvez no Espírito Santo antes das cidades e dos caçadores avançarem contra a Mata Atlântica. No Dia Mundial do Meio Ambiente, hoje (5), o primata é o símbolo de como a união de forças pode salvar uma espécie da extinção. O mico-leão-dourado também tem dado sinais de como a pauta ambiental se rodeou de incertezas no Brasil, com demissão de agentes na linha de frente da preservação.

Atualmente, o mico-leão-dourado habita fronteiras bem delimitadas e sob a guarda de pesquisadores, órgãos ambientais, como o Ibama, e de organizações civis e pessoas físicas. Os primeiros estudos de preservação da espécie datam dos anos 1960, mas foi só em 1970 que o governo federal desenvolveu um programa específico para preservá-lo, feito em parceria com o Instituto Smithsonian e o Zoológico Nacional de Washington, nos EUA. Em 1974, foi criada a Reserva Biológica de Poço das Antas para preservar o habitat do mico-leão-dourado.

Tanto trabalho deu resultado. Na década de 60, eram apenas 200 a 400 espécimes no país. Hoje, são 2.500.

Dez anos após a primeira associação civil dedicada exclusivamente ao mico-leão-dourado, a Associação Mico-leão-dourado, o animal foi reproduzido na cédula de R$ 20, em 2002. Na mesma época, um estudo da ONG demonstrou ser preciso mais de dois mil micos-leões-dourados em liberdade em uma área de 25 mil hectares de florestas protegidas e conectadas para considerá-lo uma espécie a salvo da extinção.

Apesar do número de animais ter sido atingido, as tais florestas bem conectadas ainda não existem. Os micos-leões-dourados vivem em fragmentos da Mata Atlântica em unidades de conservação e em propriedades privadas que são parceiras da preservação no Rio de Janeiro — na natureza, é só. Outros 550 estão em zoológicos no país.

As unidades são administradas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) em trechos na região e buscam preservar o habitat e aumentar sua população para tentar garantir a sobrevivência da espécia. Em maio deste ano, porém, um roteiro de incertezas tem pairado sobre as áreas protegidas.

Risco de desmonte das unidades de conservação

O ICMBio exonerou todos os chefes das unidades de conservação do mico-leão-dourado. O motivo seria a criação de uma só diretoria, com apenas um chefe, para cuidar de todas as áreas protegidas no Rio de Janeiro. A sede do centro será no município de Rio das Ostras. Assim, áreas distantes em quase 80 km entre si e com atividades diferentes, como Arraial do Cabo e Poço das Antas, ficariam muito longe dos olhares da chefia.

A exoneração dos gestores das reservas da União, Poço das Antas e da Área de Proteção Ambiental da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado foi anunciada no Diário Oficial no dia 12 de maio, mas até agora o centro de Gestão Integrada não foi criado.

Projeto do ICMBio de unificação de áreas onde estão o Mico-leão-dourado - Reprodução - Reprodução
Projeto do ICMBio de unificação de áreas onde estão o Mico-leão-dourado
Imagem: Reprodução

O Ministério Público Federal (MPF) também afirma que os funcionários não foram devidamente informados sobre a mudança. Muitos souberam da exoneração pelo Diário Oficial. Para os promotores, a criação do núcleo unificado "desloca a tomada de decisões para uma sede única e geograficamente distante das áreas protegidas" e das quais espera-se chefes com conhecimento específico sobre a região.

Ecoa apurou que a exoneração dividiu funcionários entre favoráveis e contrários à medida. Em comum, há a preocupação com a demora para anunciar o novo chefe e quais serão os parâmetros usados para a nomeação.

"Houve uma reforma administrativa durante a pandemia e há conselhos que não foram consultados", explica Luiz Paulo Ferraz, secretário-executivo da Associação Mico-Leão-Dourado. Segundo ele, foi justamente a força entre estado e ONGs que ajudou a alçar o mico-leão-dourado no imaginário do brasileiro a favor da preservação, impulsionado pela coloração dourada e o jeito carismático do bichinho de 26 cm de altura.

Símbolo da importância da preservação

Bioma do mico-leão-dourado, Mata Atlântica também teve aumento de 27% no desmatamento, segundo SOS Mata Atlântica - Andreia F. Martins/Associação Mico-Leão-Dourado/Reprodução - Andreia F. Martins/Associação Mico-Leão-Dourado/Reprodução
Imagem: Andreia F. Martins/Associação Mico-Leão-Dourado/Reprodução

A fama, porém, colocou o mico-leão-dourado no alvo de caçadores. Descritos desde 1519, próximo da chegada dos portugueses ao Brasil, eles se tornaram populares entre aristocratas desde o século 16 e 17, e foram parar em retratos de pintores europeus. Ao longo de décadas, foram caçados às centenas e vendidos em beiras de rodovia como animais de estimação. Ao mesmo tempo, em 2014 tornou-se um candidato a mascote da Olimpíadas no Rio de Janeiro de 2016, vivendo uma realidade mista entre adoração e perseguição.

Em 2011, a ONG conseguiu mobilizar a criação de um viaduto ecológico para a travessia de micos da reserva de Poço das Antas com a área da APA da Bacia Rio São João/Mico-Leão-Dourado. A rodovia BR 101 divide os dois lados e impede a abertura de mais hectares para trânsito dos micos. A obra deve ser concluída ainda em 2020, quase dez anos depois, e é uma parceria da ONG com o Ibama, ICMBio, Agência Nacional de Transportes Terrestes (Antt), Ministério Público Federal e da concessionária responsável pelo trecho.

"O desmatamento, e por ser muito bonitinho, incentivou os humanos a quase colocá-lo em extinção. Mas com um projeto bem estruturado, o mico-leão-dourado tornou-se um símbolo bem-sucedido de reintrodução de uma espécie. Especialmente um primata, o que é muito difícil de acontecer", explica Rita Portela, professora do departamento de biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ) que estuda a extração a região.

Quem acompanhou de perto o trabalho de preservação da espécie compreende os possíveis efeitos de ações desastrosas por parte do governo. Os pesquisadores e professores da universidade emitiram um abaixo-assinado contra a exoneração dos chefes das unidades de conservação e contra o distanciamento entre a direção e as áreas de conservação. Para Rita, a apreensão à decisão foi reforçada pelas declarações do governo federal em "passar a boiada"

Nos últimos meses, uma série de exonerações no ICMbio são promovidas pelo Ministério do Meio Ambiente para a criação de centros unificados. Ao mesmo tempo, a ação do ministério militarizou as direções em todo o país.

Entidades e ONGs também foram retirados do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) no final do ano passado. De 96, sobraram apenas 26 representantes; a maioria atual é de agentes do prório governo federal. O ICMBio foi consultado para a reportagem, mas não respondeu aos pedidos de Ecoa.

"Com a fala do ministro Ricardo Salles do Meio Ambiente durante a reunião ministerial, vimos que é um ministro que não tem muita preocupação com a biodiversidade", conclui a professora da UERJ.

Como ajudar o mico-leão-dourado?

  • Doe para ONG de proteção ao mico. Mais detalhes em micoleao.org
  • Visite (após a pandemia)! O turismo a parques com a presença do mico-leão-dourado no Rio de Janeiro ajuda a preservá-lo e sustentar as entidades
  • Não compre e denuncie a venda de animais silvestres para o Ibama 0800 618080 ou ao Ministério Público. Também vale para caso de desmatamento!
  • Financie instituições no combate à venda de animais silvestres. Mais informações em Renctas

Desmatamento cresce na Mata Atlântica

O desmatamento na Mata Atlântica aumentou 27,2% entre 2018 e 2019, segundo levantamento da ONG SOS Mata Atlântica em parceria com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) divulgado no dia 27 de maio, Dia Nacional da Mata Atlântica e publicado em Ecoa.

Isso significa que foram 14.502 hectares a menos de vegetação nativa em todo o país, a maior perda desde 2016. O Mico-leão-dourado é uma espécie endêmica e vive somente na Mata Atlântica. O índice de desmatamento não considera os chamados "microdesmatamentos", em que casas e rodovias desmatam pequenas porções do bioma, que um dia já chegou a ser conectado à região amazônica.