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Para Jane Goodall, pandemia é resultado do nosso desrespeito aos animais

Jane Goodall durante entrevista no TED2020 - Divulgação/TED
Jane Goodall durante entrevista no TED2020 Imagem: Divulgação/TED

Fernanda Ezabella

Colaboração para Ecoa, de Los Angeles (EUA)

07/06/2020 04h00

Já faz algumas décadas, a ativista e antropologista inglesa Jane Goodall alerta o planeta para os perigos do desrespeito do homem com a natureza e os animais. Para a maior especialista em chimpanzés do mundo, a pandemia atual é uma clara consequência disso, mas ela acredita que ainda resta alguma esperança.

Dr. Jane, como é conhecida, explicou que a aglomeração de animais ajuda no surgimento de novas doenças, causadas quando seus habitats são destruídos ou quando os animais são mantidos em jaulas para serem vendidos em feiras ou pelo tráfico.

"Quando os animais ficam amontoados, um vírus de uma espécie que viveu inofensivamente por talvez centenas de anos pode às vezes saltar para uma nova espécie", explicou Goodall, numa entrevista no TED, que neste ano acontece online ao longo de oito semanas, até 10 de julho.

"Tem também os animais que são levados a ter contato mais próximo do homem. Isso cria uma oportunidade para um vírus de um animal infectar pessoas e criar novas doenças, como a Covid-19", continuou.

Acredita-se que o novo coronavírus tenha surgido em morcegos de uma caverna na China e pulado para seres humanos via um animal intermediário ainda não identificado, nos mercados de animais silvestres do país, como o de Wuhan, primeiro grande foco da doença.

Ela lembrou que também foram em mercados de animais selvagens da África, onde se vendia carne de chimpanzé, que aconteceram transmissões de vírus entre macacos e humanos que levaram à pandemia de HIV-Aids. O Ebola também é considerado uma zoonose, quando a infecção em humanos acontece após contato com animais doentes ou mortos.

"Nós caçamos, matamos, comemos, traficamos animais, e os mandamos para mercados [...] onde vivem em condições terríveis, aglomerados em pequenas jaulas lotadas, com pessoas contaminadas com sangue, urina e fezes", disse Goodall. "São as condições ideais para um vírus pular de um animal para o outro ou para uma pessoa."

Jane Goodall segura um filhote de macaco - Hector Retamal/AFP - Hector Retamal/AFP
Jane Goodall segura um filhote de macaco
Imagem: Hector Retamal/AFP

De cientista a ativista global

Hoje com 86 anos, Goodall conversou com o organizador do TED, Chris Anderson, por vídeo, direto de sua casa em Bournemouth, na costa ao sul da Inglaterra. Num TED Talk de 2003, ela já alertava para os perigos do desflorestamento e do comércio de carne de animais silvestres.

Goodall é uma das mais famosas primatologistas do mundo. Nos anos 1960, realizou pesquisas pioneiras sobre o comportamento dos chimpanzés no Parque Nacional de Gombe, na Tanzânia, e descobriu que os primatas são muito mais próximos de nós do que se imaginava. A pesquisadora notou que os chimpanzés tinham personalidade própria, usavam ferramentas e passavam por períodos de luto.

Ao ser questionada sobre as dificuldades de virar cientista naquela época, ela respondeu que nem pensava na profissão porque não era algo que as mulheres faziam. O mais importante foi ter o apoio de sua mãe, que não ficava brava quando ela trazia minhocas para dentro de casa ou passava horas brincando no galinheiro.

Foto de 1964 mostrando a primatologista Jane Goodall e um filhote de chimpanzé chamado Flint em uma reserva da Tanzânia - Hugo Van Lawick/National Geographic Society - Hugo Van Lawick/National Geographic Society
Foto de 1964 mostrando a primatologista Jane Goodall e um filhote de chimpanzé chamado Flint em uma reserva da Tanzânia
Imagem: Hugo Van Lawick/National Geographic Society

"Nasci amando os animais", disse. "Minha mãe dizia: 'Se você realmente quer isso, você vai ter que trabalhar muito duro, tirar vantagem de todas as oportunidades; não desista e talvez você ache um caminho'."

Goodall também contou a história de como se transformou de uma cientista reverenciada em uma ativista global, após uma conferência em Chicago em 1986, sobre estudos de comportamento de primatas em regiões diferentes na África. Foi lá que ela ficou sabendo sobre o estado precário dos esforços de conservação.

"Foi um choque para mim. Fui à conferência como cientista e saí como ativista", disse. "Não tomei a decisão, algo aconteceu dentro de mim."

"Faça escolhas éticas"

Sobre o futuro pós-pandemia, Goodall demonstrou otimismo contido. "Temos uma pequena janela de tempo para começar ao menos a curar alguns dos danos e desacelerar as mudanças climáticas", disse. "Mas essa janela está se fechando."

Ela lembrou sobre os efeitos curiosos do "lockdown", como o céu mais limpo e o ar mais puro em certas cidades, e se disse preocupada em como conseguir unir pessoas suficientes para "começar a agir".

"Lembre-se de que todos os dias você causa um impacto no planeta. Ao menos que você esteja vivendo em extrema pobreza, você pode escolher o tipo de impacto que causa. E se fizermos escolhas éticas, então começaremos a avançar para poder deixar um mundo não tão desesperador para nossos bisnetos."

Na semana passada, Goodall também usou a internet para mandar uma mensagem de vídeo aos estudantes que estão se formando e ficaram sem festa de formatura por causa da pandemia.

Goodall pediu para que se mantivessem esperançosos porque esse "pequeno vírus sorrateiro" estava "trazendo o melhor das pessoas", como gente levando comida e máscaras para quem precisa.

"Vocês estão usando seus cérebros como loucos, mas lembrem-se de que é preciso trabalhar em harmonia com seu coração", disse.