Restaurantes viram negócio social para garantir empregos e solidariedade
"Estou zero preocupado com reabertura" não é uma frase que se espera ouvir de donos de restaurantes neste momento, mas é exatamente o que diz Marcus Ozi, proprietário do Isla Café, em São Paulo, junto com a mulher, Izadora Ribeiro Dantas. E o motivo é a Cozinha de Combate, projeto criado por eles que transformou o modelo de negócio original em uma versão social que une solidariedade à manutenção de renda do restaurante e de toda a sua rede.
De portas fechadas, os quatro restaurantes do projeto — além do Isla, Pitico, Cais e Corrutela se uniram à empreitada — já serviram 17 mil refeições, garantiram a renda das 60 famílias de funcionários, movimentaram pelo menos 30 pequenos negócios, produtores e agricultores, e atenderam a dez comunidades em situação de vulnerabilidade. Com as contas em dia.
O restaurante de Marcus fechou as portas no dia 17 de março, pouco antes das medidas oficiais. Antes de sair correndo tomando decisões sobre como reagir, ele e Izadora decidiram pensar. Numa visita ao projeto Mãos de Maria, da Associação de Mulheres de Paraisópolis, bairro favelizado na zona sul, tiveram a ideia.
Em cinco mulheres, elas alimentavam 400 pessoas todos os dias [em Paraisópolis]. Davam conta da comunidade. Pensei: eu não vou fazer delivery. Não vou deixar a cozinha parada nem ficar cozinhando para Pinheiros [bairro de classe média na zona oeste de São Paulo, reduto de restaurantes]
Izadora Ribeiro, chef
Aí foi a hora de comunicar ao financeiro, que "quase morreu", a ideia de que "a gente podia usar nossa cozinha para cozinhar para quem precisa".
O projeto era de que o restaurante passasse a produzir refeições para pessoas em situação vulnerável. E que fosse remunerado por isso, para que os empregos e salários dos funcionários fossem mantidos, assim como a rede de fornecedores, composta principalmente por pequenos produtores.
E como pagar isso? "Fomos atrás de marcas e ninguém topou. Então, decidimos apostar nas pessoas físicas. Na comunidade de clientes que temos. Botamos a campanha de doação no ar, e deu supercerto".
A diferença do modelo do Cozinha de Combate é que ele permite aliar as ações sociais à manutenção dos restaurantes. "Lógico que tem um lance de solidariedade, mas tem um lance de proteção ao nosso negócio. Aquela história de que, para quebrar a matrix, a gente tem que estar dentro", diz. Para ele, muitas vezes os empreendedores tendem a ser "muito 8 ou 80. Ou manda todo mundo embora na primeira semana ou fica muito zen, só vai distribuir marmita e quebra em 10 dias. Tem um período transitório se a gente quer mudar alguma coisa".
Tudo é feito nas cozinhas dos restaurantes, de segunda a sexta, com equipes e jornadas reduzidas. "Todos os funcionários vão de transporte privado, e isso entra na nossa conta. Quem está no grupo de risco — temos um que é asmático, por exemplo, outro que é casado com uma enfermeira — fica em casa".
Os fornecedores são os mesmos usados normalmente pelos restaurantes, o que gerou até comentários sarcásticos de colegas graças a qualidade da marmita produzida, diz Marcus. "Esse foi um ponto que a Isadora foi bem chata, porque a gente sabe que, muitas vezes, os caras entregam qualquer coisa". As marmitas servidas pelo projeto são compostas de, por exemplo, frango com quiabo tostado e escarola, arroz de cúrcuma fresca, feijão preto, salada de repolho, coentro e melaço de romã.
Assim, exclusivamente com doações de pessoas físicas, já fecharam a folha de pagamento do mês de junho. E Marcus não se preocupa com a reabertura, ainda que as doações tenham chegado ao que ele acredita ser o limite. "Estamos reinventando, levando em consideração que a gente não vai abrir". Durante as próximas duas semanas, o Cozinha de Combate vai transferir a distribuição de marmitas ao projeto-irmão Por Nossa Conta, enquanto se remodela para atrair financiamento "de gente grande".
Gente pequena continua bem-vinda, e pode doar no https://abacashi.com/p/cozinha_de_combate
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