Com 'delivery' de aulas, estudantes sem conexão podem estudar no CE e ES
A jovem Maria Eduarda Ribeiro de Freitas, 15, mora no sítio São José, em Carnaubal (327 km de Fortaleza), no semiárido cearense, estuda 1º ano do ensino médio e sonha ser policial ou pediatra. Ela fará provas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e viu a suspensão das aulas presenciais como um desafio a mais para alcançar seu objetivo.
Maria Eduarda é a aluna da Escola de Tempo Integral Antônio Raimundo de Mello, que arrumou um modo para que os estudantes sem acesso regular à internet ou sem aparelhos com acessibilidade recebam material e sigam estudando: o delivery das aulas.
"Alguns alunos não têm internet, e quando eles têm é muito ruim e os vídeos não carregam", conta Maria Eduarda.
Graças à ajuda das pessoas de sua comunidade, ela está desde abril recebendo o material didático em casa. "Consigo assim ter todas atividades que os professores passam, e pelo delivery as atividades estão sendo enviadas semanalmente. Assim nós nos sentimos muito valorizados e motivados", conta Eduarda.
Segundo uma das coordenadoras da escola, Mahra Farias, a direção da escola percebeu que precisava atuar para não criar uma desigualdade entre alunos com e sem acesso à internet.
"Assim que saiu o decreto do isolamento social, e as aulas da educação remota começaram, nós pensamos: como vamos atingir os nossos alunos que não têm acesso à internet, ou que a internet tem baixa qualidade? Aí veio a ideia do delivery", conta.
Ela explica que várias pessoas, entre elas mototaxistas, colaboram para que as atividades cheguem aos alunos. "Nós temos os professores, diretores de turma que entregam na residência --tomando sempre todo cuidado, seguindo o protocolo de máscara álcool em gel, distanciamento. Nós também temos alguns pais que moram em determinadas localidades que vem aqui no centro da cidade resolver alguma coisa e a gente entra em contato para levar essas atividades para essa comunidade. Aí ele distribui, recolhe e devolve pra escola", explica.
Hoje, a escola tem 40 alunos que não têm acesso à internet ou tem internet de qualidade baixa. "Tem aluno que tem até o celular, mas não é compatível com os aplicativos que são usados para terem as aulas virtuais", diz.
O material levado aos alunos é organizado em pastas por área de conhecimento com todas as instruções com as páginas do livro, conteúdo a ser trabalhado. "E o mais legal que acho é que os professores mandam também frases motivacionais para que sejam colocadas nessas pastinhas com as atividades", conta.
Exemplo do Espírito Santo
A mesma ideia teve o município de Baixo Guandu (a 186 quilômetros de Vitória), no Espírito Santo, onde alunos estão recebendo o material em casa desde o dia 15 de abril. A rede lá envolve todas as escolas do campo e tem a participação de professores e profissionais de outras áreas.
Segundo a pedagoga responsável pelas escolas multisseriadas do campo da cidade, professora Luzia Correia, a ideia foi não deixar alunos excluídos digitalmente sem aulas.
"Pensamos em uma melhor forma de atender as necessidades dos alunos, e vimos que chegamos à maioria deles pelo WhatsApp: 95% dos nossos alunos têm ou suas famílias têm acesso. Pensamos isso também pela possibilidade do mínimo de contato possível entre pessoas, e foi decidido entregar atividades impressas só em último caso", explica.
O delivery, diz, veio para atender as famílias com dificuldade de acesso a aparelhos de tecnologia ou por falta de acesso às redes móveis. "Aqui, algumas famílias não possuem sequer um telefone simples para contato. Têm crianças que moram em grotas, sem aparelhos, onde a professora tem que levar na porta da casa as atividades. Não existe outra solução, e as professoras do campo fazem isso com muito carinho", explica.
As dificuldades para estudar são relatadas pela professora. Um dos casos que chamou a sua atenção ocorreu com sua família. "Eu tenho uma sobrinha que mora na roça e que estava fazendo uso do WhatsApp pelo telefone da minha mãe. Ela mora a 3 km dela e ia todo dia fazer atividade. Deu certo por um mês, até que um dia no meio do caminho viram uma onça, ou era uma jaguatirica, aí não deu mais pra ficar indo na casa minha mãe. Então a gente entrou em contato com a escola, daí a gente criou a solução: uma vizinha que é agente saúde que vai até o distrito todos os dias e uma vez por semana pega as atividades", conta.
Mesmo diante de tantas dificuldades, Correia comemora os bons resultados. "Os pais têm valorizado muito os esforços das professoras. Mesmo sendo muito difícil para eles, pois muitos são analfabetos trabalham o dia todo na roça, chegam cansados e muitas vezes não dão conta de ajudar os filhos no mesmo dia", finaliza.
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