Escola ensina inglês com protagonistas negros e sotaques africanos
Especialistas explicam que, para que a educação ajude no combate ao racismo, é preciso mais pessoas negras no corpo docente, bem como no currículo pedagógico. Pensando nessas ausências, uma escola fundada em São Paulo há doze anos ensina inglês a partir da história de personalidades negras e com diferentes sotaques e influências culturais.
Grandes redes de ensino costumam abordar o inglês britânico ou norte-americano, mesmo com falantes também em países majoritariamente negros, da África à América Latina. A Ebony English School foi criada em 2008 para suprir essa lacuna, e tem visto as matrículas aumentarem recentemente, em meio à pandemia de covid-19 e com aulas online.
"Falamos sobre história, iniciando na diáspora, quando os negros foram retirados da África e trazidos para o continente americano. Explicamos como isso aconteceu em cada país e ensinamos sobre seus pilares específicos: os quilombos (Brasil), Maroons (Jamaica), palenques (Colômbia), Malês (Bahia)", explica Rodrigo Faustino, fundador e vice-presidente da Ebony English. O material didático é construído a partir dessa diretriz, e há uma aula para estimular o inglês com a pronunciação de cada país estudado.
O idioma nos permite trocar, por exemplo, com diversas etnias em países africanos — Banto (África Subsaariana), Axante (Gana), Iorubá (Nigéria). E entender que, quando falamos de população africana, não estamos falando de uma coisa só, mas sim de um mosaico de etnias e pessoas. Grande parte desses povos falam inglês e esse é o ponto de conexão. A partir do idioma, o aluno começa a aprender a história, os costumes e as culturas dessas pessoas
Rodrigo Faustino, fundador e CEO da Ebony English
Wagner Prado, 59, radialista, conta que perdia o interesse no cursos de inglês em aulas sobre Halloween ou cultura norte-americana. Há dois anos e meio, conheceu o curso e teve aulas sobre a vida do ativista Malcolm X, da cantora Nina Simone e do líder quilombola Zumbi dos Palmares. Hoje está na etapa avançada do curso e pretende visitar Nova York em 2021. Em especial, o Harlem, bairro tradicionalmente habitado por pretos.
"Me marcou algo que eu nunca tinha pensado: a habilidade que o povo negro tem com relação ao domínio de línguas", reflete. "A diáspora levou o povo preto como escravo para vários cantos do mundo, e os negros aprenderam as novas línguas por atenção, observação, vontade e necessidade. Então, essa aptidão está embutida em nós, pretos", diz ele.
Inicialmente com atendimento presencial em São Paulo, a escola agora dá aulas para crianças, adolescente e adultos de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e até da Alemanha. Os professores são negros e mais de 600 alunos já passaram pelo curso. O aumento nas matrículas durante a pandemia foi de 15%.
Juliana Paula Rosa, 38, buscou o curso para viajar para a África do Sul, em 2016. Em uma das primeiras aulas, aprendeu sobre grandes inventores e feitos de personalidades negras, como Daniel Hale Williams, norte-americano que revolucionou a medicina ao fazer um dos primeiros transplantes de coração bem-sucedidos, fundador do primeiro hospital sem segregação racial dos EUA.
A ligação com a escola gerou até mesmo uma ideia: abrir uma consultoria para pessoas interessadas em fazer intercâmbio em países como África do Sul e Moçambique.
"Nas aulas pude ver o apagamento, enquanto somos crianças e também adultos, das coisas das quais podemos nos orgulhar, e não do vincular nosso histórico à escravidão, como é colocado", conclui.
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