Pobres ou classe média, mães solo se desdobram para educar filhos em casa
De quarentena, famílias têm relatado nos últimos três meses o grande desafio que enfrentam com a educação dos filhos. Mães "solteiras" têm o dobro de trabalho e responsabilidade com o processo. E isso é uma realidade para as mães solo de classe média ou classe baixa.
A publicitária Nathalia Rebouças mora na Vila Suzana, zona oeste de São Paulo, é mãe de duas crianças, de 2 e 4 anos, e tem sentido a dificuldade de auxiliar os filhos nas lições. Ela conta que os filhos estudam em escola privada, onde todas as aulas acontecem de forma online, com duração de quatro horas. "É impossível manter uma criança de quatro anos durante todo esse tempo assistindo", relata.
Nathalia acorda às 6h e fica com as crianças. Mas às 10h precisa começar o home office, que na maioria das vezes tem ido até as 23h, uma jornada bem mais longa da qual estava acostumada antes da pandemia, das 10h às 19h. Por isso, ela diz não ter tempo de acompanhar os filhos nas aulas e sente que a escola não consegue dar o suporte de que precisa.
Embora estudem em um colégio particular, elas não conseguem acompanhar as lives e não há atividades extras para realizarem no período livre. Enquanto trabalha, Nathalia conta com uma funcionária que fica com as crianças.
Ela conta que mandou um e-mail para a escola pedindo outras possibilidades de ensino, afinal, a pandemia a pegou despreparada para a função pedagógica no período de isolamento. "Espero que a escola me auxilie. Eles precisam pensar que tem mães solo em diferentes realidades."
O contexto e os problemas são outros na região do Parque Fernanda, Capão Redondo, zona sul de São Paulo. A corretora de imóveis Tatiane Cristina, mãe de três meninas, de 7, 12 e 17 anos, tem enfrentado dificuldades para ensinar as filhas. Ela conta que a escola estadual não se pronunciou. A única ação realizada foi a formação de um grupo de WhatsApp, mostrando as páginas do livro a serem realizadas em casa — os materiais foram enviados por correio à residência dos estudantes.
Outra reclamação é a falta de assistência da escola, principalmente no processo de alfabetização da filha de sete anos. "Não acho coerente ensinar sem uma base que nos auxilie a fazer. Não é só nos dizer a página e não nos fornecer o caminho de como seria melhor para ser produtivo, até pra ela também. Já tive que secar as lágrimas dela e ouvir que ela se sentia burra, por não está entendendo o conteúdo passado pela escola", relata.
Tatiane conta que a filha deseja muito voltar ao colégio para acompanhar melhor as atividades. Uma outra questão é a falta de acesso. Mesmo com internet, a família não possui computador, o que dificulta o processo de aprendizagem. No celular, algumas atividades não conseguem ser feitas devido ao formato ou peso do arquivo.
Tatiane tem o ensino médio e se esforça para ajudar na educação das crianças, que de segunda a sexta-feira dedicam pelo menos uma hora por dia para os estudos.
"A gente se vira pra saber como ensina. O meu papel eu estou fazendo, mas olha como é pro governo. Tudo é muito jogado. As aulas não são pensadas. Eu vou me adaptando e fazendo do meu jeito, tentando ensinar a juntar o B com o A. É uma dificuldade pra ela, porque ainda não lê e se perde.''
A mãe percebe a importância de um professor na vida de um ser humano em formação e como seria melhor um pensamento mais solidário por parte das escolas, com trabalho em conjunto com os pais, dialogando para melhor eficácia nesse processo, tão importante na vida das crianças.
Segundo a professora de língua portuguesa Mayara Souza, um dos pontos mais delicados é a alfabetização. " Além disso, há um desconforto da própria criança que está habituada com a escola e, estando afastada, cria uma resistência em realizar atividades dos pais que estão passando tarefas. A quarentena, sem dúvida, tem sido muito prejudicial para as crianças da periferia", conta ela, que está à distância auxiliando seus alunos.
Mayara ressalta que as mães solo sofrem por estarem trabalhando e não terem a assistência necessária para a educação dos filhos. "Muitas mães não pararam de sair para trabalhar e precisam manter distância dos filhos. Outras estão em casa, mas não sabem como contribuir para o desenvolvimento escolar da criança, não são pacientes. Outras jogam a responsabilidade para a própria criança."
A professora diz que é o dever da escola não abandonar o aluno, e que há muitos professores mantendo contato diário com os pais com encaminhamento de atividades via WhatsApp. Também informam os familiares sobre o horário das aulas que serão transmitidas pela televisão — em São Paulo, há programação nos canais Univesp e Cultura Educação, com a grade disponível no site.
"O papel da escola nesse momento é acolher o aluno, tentar direcionar os pais para que esses possam auxiliar os filhos, mesmo que seja uma sugestão de atividade por WhatsApp", diz.
A gestora pública Lais Reis diz que faltou um diagnóstico da realidade dos alunos e famílias por parte das autoridades para manter o ano letivo. As aulas online não são uma opção viável para todas as famílias. "Deveria haver uma distribuição de recursos, Internet móvel, notebook ou tablet para maior efetividade das aulas. Outra estratégia poderia ser a TV aberta, em mais de um canal, ou por rádio que chega em todos os lugares do país. Também era preciso uma entrega rápida dos materiais didáticos, para que crianças e jovens conseguissem estudar em casa."
Lais aponta que as mais sobrecarregadas são as mães solo e periféricas, com a pandemia escancarando ainda mais as desigualdades sociais. "As crianças que têm mães não alfabetizadas vão ficar cada vez mais prejudicadas. A quarentena passa de uma geração para a outra a injustiça social", afirma.
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