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Arquiteto negro na SP escravocrata, Tebas é homenageado pelo Google

Ao centro, a Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco tem fachada de autoria de Tebas - Dário Oliveira/Folhapress
Ao centro, a Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco tem fachada de autoria de Tebas Imagem: Dário Oliveira/Folhapress

Diana Carvalho

De Ecoa, em São Paulo

30/06/2020 18h15

"Tebas, negro escravo / Profissão: Alvenaria. Construiu a velha Sé / Em troca pela carta de alforria / Trinta mil ducados que lhe deu padre Justino / Tornou seu sonho realidade / Daí surgiu a velha Sé / Que hoje é o marco zero da cidade / Exalto no cantar de minha gente / A sua lenda, seu passado, seu presente".

O samba que leva os versos acima foi escrito em 1974 pelo cantor e compositor Geraldo Filme (1927-1995), que naquela época já reivindicava a memória e contribuição do arquiteto Joaquim Pinto de Oliveira, mais conhecido como Tebas, na mudança arquitetônica e histórica da região central da São Paulo do século 18.

Escravizado até os 57 anos de idade, Tebas talhou a pedra de fundação do Mosteiro São Bento, foi responsável pela fachada da Igreja das Chagas do Seráfico Pai Francisco, pela torre da primeira Catedral da Sé e pela construção do Chafariz da Misericórdia, demolido em 1866, que ficava em frente à Igreja da Misericórdia e se tornou o primeiro abastecimento público regular de água da cidade, canalizando as águas do Anhangabaú. Nesta terça (30), o Google homenageia o arquiteto com um Doodle.

Google homenageia arquiteto Tebas com Doodle - Reprodução Google - Reprodução Google
Google homenageia arquiteto Tebas com Doodle de 30 de junho
Imagem: Reprodução Google

Nascido em 1721 em Santos (SP), Tebas foi escravo do português e mestre de obras Bento de Oliveira Lima, que o trouxe à capital em uma época em que a construção civil se expandia. Habilidoso não só na alvenaria, como também em recursos de hidráulica, Tebas era requisitado principalmente pelas ordens religiosas para ornamentação de diferentes igrejas. O arquiteto chegou a ter o seu apelido como uma expressão para classificar algo bem feito, ou alguém que sabe fazer de tudo: "Fulano é um Tebas, faz tudo".

Registros organizados pelo escritor e jornalista Abilio Ferreira no livro "Um Negro Arquiteto na São Paulo Escravocrata" (2019) mostram que Tebas conquistou a liberdade entre os anos 1777 e 1778, com a morte do português Bento de Oliveira Lima, e somente após a conclusão da reforma da torre matriz da Catedral de São Paulo, que levou oito anos anos para ser finalizada.

"Estamos falando de 110 anos antes da abolição. Era um outro momento, não existiam campanhas abolicionistas. Era uma São Paulo pobre, em que se começava o ciclo do ouro, criando um caminho de passagem entre o Rio de Janeiro e o sertão. É nesse período que Tebas vive, sendo alforriado por conta do seu talento. Por mais que ele tenha sido escondido pela história, e está sendo redescoberto agora, sabemos que ele sobreviveu e aqui estamos falando sobre isso", disse Abilio Ferreira em live promovida pelo projeto Arquitetas Negras.

Tebas morreu aos 90 anos, em janeiro de 1811, e foi sepultado na Igreja de São Gonçalo, localizada na praça João Mendes, centro de São Paulo. Mais de 200 anos após a sua morte, a contribuição de Tebas para a história da arquitetura foi finalmente reconhecida, em 2018, pelo Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo (Sasp).

Livro de Tebas - Reprodução - Reprodução
Capa do livro "Um Negro Arquiteto na São Paulo Escravocrata", organizado por Abílio Ferreira, recupera obra de Tebas
Imagem: Reprodução

Para Maurílio Ribeiro Chiaretti, presidente do sindicato, em artigo publicado no livro "Um Negro Arquiteto na São Paulo Escravocrata", Tebas foi um dos poucos escravizados a se alfabetizar e a conquistar a alforria pelo reconhecimento do valor do seu trabalho. "Seu preço não era mensurado pela sua força física, mas pelo domínio de uma técnica. Aprimorou, nas cidades de São Paulo e de Itu (SP), tecnologias que lhe possibilitaram captar a religiosidade da época, imprimindo sua marca pessoal às obras, conforme avaliou o arquiteto Benedito Lima de Toledo. 'Essa expressão da religiosidade', diz Toledo, 'é que o transformou em arquiteto e suas obras em arte'."

Além do livro organizado pelo jornalista Abílio Ferreira e lançado por ele, Carlos Gutierrez Cerqueira, Emma Young, Ramatis Jacino e Maurílio Chiaretti, que pode ser baixado aqui, alguns roteiros de memória nos últimos anos têm destacado a importância de Tebas para a arquitetura paulistana e a história da cidade. Na última edição da Jornada do Patrimônio, o ator Ailton Graça interpretou Tebas em um cortejo.

Joaquim Pinto de Oliveira é mais um dentre inúmeros africanos e afrodescendentes que, além de principais responsáveis pela riqueza da nação com o trabalho de três séculos e meio, foram determinantes para a sua maximização e para o processo civilizatório brasileiro, graças ao imenso legado cultural, científico e tecnológico trazido do continente africano. A diferença de Tebas para os demais é que uma série de acasos e zelos de indivíduos, além da história oral - passada de geração para geração e materializada no samba de Geraldo Filme - impediram o apagamento da sua história, portanto de parte da história da cidade, do estado e do País

Ramatis Jacino, doutor em História Econômica pela USP e professor da UFABC em trecho do livro "Um Negro Arquiteto na São Paulo Escravocrata"

Igreja do Carmo tem fachada de Tebas - Rivaldo Gomes/Folhapress - Rivaldo Gomes/Folhapress
Fachada da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, na região central, possui arcos e ornamentos na fachada em pedra feitos pelo arquiteto Joaquim Pinto de Oliveira (1721-1811), mais conhecido como Tebas
Imagem: Rivaldo Gomes/Folhapress
Campanha #MudaQueEcoa - banner 1 - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

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Errata: este conteúdo foi atualizado
A primeira versão do texto trazia data errada de nascimento de Tebas. A correção foi feita às 22h30 de terça-feira (30).