Retrofit eletrifica de fusca a jamanta e diminui pegada de carbono
O retrofit está duplicando a vida útil de caminhões e ônibus, reduzindo custos de manutenção e ainda ajudando a reduzir a pegada de carbono dessas frotas. Além disso, a conversão dos carros de passeio para eletricidade é uma tendência mundial e atrai em especial donos de veículos antigos. O termo surgiu na engenharia, foi para a arquitetura, a decoração, a moda e chegou até os meios de transporte.
O neologismo "retrofitar" tem o significado de restaurar e dar nova vida a algo que se considerava ultrapassado ou fora das normas - o exemplo mais popular são os edifícios do início do século 20 que são remodelados para novas funções, mantendo parte de seu desenho original "retrô".
Sempre que possível, esses projetos adotam uma tecnologia mais limpa. Foi assim quando se modificaram geladeiras dos anos 1950 que usavam o gás freon, nocivo à camada de ozônio, por tecnologia menos agressiva ao meio ambiente. Agora esse conceito está sendo usado para dar mais vida útil e reduzir a emissão de poluentes trocando a propulsão a combustão pela elétrica em carros de vários tamanhos. E isso pode acontecer com um fusca ou um caminhão cegonha.
Um seguidor dessa mudança é Carlos Figueiredo, colecionador de veículos de Campinas, interior de São Paulo. Depois de eletrificar um bugue e um fusca, ele decidiu ousar e colocou 16 baterias convencionais para mover uma kombi com carroceria maior para servir de reboque de uma réplica de um carro da clássica equipe de automobilismo Porsche-Gulf.
"Quando eu passo com ela, o pessoal todo estranha: cadê aquele barulho tradicional do motor da kombi? Ela faz só um assobiozinho", se diverte Figueiredo.
Seu próximo projeto (sempre é ajudado por mecânicos, eletricistas e outros profissionais) é eletrificar uma unidade de sua coleção de 14 Pumas, carros esportivos brasileiros que deixaram de ser fabricados por aqui há 30 anos. "E tudo carregado por painéis solares que tenho no telhado da minha casa", se vangloria.
Faltam incentivos
A kombi de Figueiredo ostenta todos documentos em dia, só um detalhe está fora das normas: justamente a propulsão elétrica. "Quando eu passo com ela por um comboio ou uma blitz, os policiais só me param para tirar foto", conta.
"É muita burocracia para legalizar a conversão. É tão difícil que tem despachante cobrando R$ 10 mil para fazer o serviço", se queixa. Assim como Figueiredo, outros entusiastas da eletrificação, especialistas e as empresas envolvidas no setor pedem mais facilidades para a conversão.
"Hoje é quase impossível legalizar um carro convertido. O governo daqui devia olhar o que os outros países estão fazendo porque é uma tendência mundial", afirma Anderson Dick, diretor geral da Fuel Tech, empresa gaúcha que desenvolve, junto com a fábrica catarinense de motores Weg, kits para conversão que deverão estar no mercado em 2021.
Em países como Estados Unidos e França, há incentivos legais e financeiros para fazer a transição para a eletricidade. Já no Brasil ouve-se relatos de processos que demoraram dez anos para serem aprovados. Em outra solicitação, se exigiu instalação de sistema de air bag em um carro antigo eletrificado, o que inviabilizou completamente o processo.
"Incentivos para a indústria e linhas de créditos para os consumidores são muito importantes, entretanto, a maior barreira atualmente é a dificuldade na legalização desse tipo de conversão. O processo está defasado, não possui características específicas e adequadas para os veículos elétricos, e dependem muito da interpretação de cada Estado, o que gera muitas incertezas sobre a obtenção do pedido, e acaba não se tornando atrativo para o consumidor", argumenta Manfred Johann, diretor superintendente da Weg Automação.
Do artesanal ao industrial
No Brasil, a conversão elétrica é atualmente um hobby, muitas vezes secretíssimo, de aficionados por carros. Eles se ajudam entre si, trocam experiências do que aprenderam na base da "tentativa e erro". Há uma proposta para criar uma rede autorizada de oficinas para a conversão desde 2018, mas o projeto ainda não saiu do papel.
Figueiredo conta que tem um amigo com um fusca com tração nas quadro rodas. O motor à gasolina puxa o eixo traseiro. E o motor elétrico, localizado no porta-malas abaixo do capô, movimenta o eixo dianteiro. Outro amigo gosta de pegar os baratos e leves carros chineses Lifan e eletrificá-los. Nos dois casos, a mudança de matriz energética não foi legalizada.
Em Salvador, o funcionário público Alfredo Correia eletrificou dois modelos do Gurgel Supermini utilizando motor de empilhadeira e de esteira de ginástica, além de baterias de laptop que seriam descartadas como lixo eletrônico. "Três anos atrás, você conseguia um motor de empilhadeira de segunda mão por R$ 300 em ferro velho, mas a procura aumentou muito e agora está perto do valor de um novo", relata Figueiredo.
A eletrificação de carros deve passar da era artesanal para a industrial no ano que vem. As empresas Weg e Fuel Tech assinaram parceria no final de 2019, já desenvolveram um protótipo junto com UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e estão nestes dias testando o kit completo de conversão em um Gol GTi ano 1988.
"Nossa ideia é atender o mercado interno e exportar também, porque não vemos muitas empresas fazendo o kit completo de conversão pelo mundo. É uma aposta no futuro, um investimento a longo prazo, afinal, não é uma realidade imediata no Brasil, mas é algo que está vindo para ficar", afirma Dick. "Ainda é caro por conta da bateria de lítio, mas tende a baratear a medida que massificar", complementa.
Atualmente, é possível comprar online kits fabricados na China ou nos EUA, por preços que vão de R$ 12 mil a R$ 50 mil (este incluindo baterias). Por seu lado, a própria Volkswagen está oferecendo eletrificar fuscas antigos na Europa por R$ 180 mil (o pacote mais barato). Mas esse mercado ainda não está organizado como deveria.
"Pode-se ter um veículo mais eficiente, com custo de operação mais baixo e níveis de poluição sonora, emissões e manutenção muito menores para os operadores comerciais, públicos e para o consumidor final. A possibilidade de expansão nestes mercados é enorme", opina Johann.
Redução da poluição
O barulho de aceleradas e brecadas, que formam a trilha sonora dos congestionamentos, serão uma cena do passado quando o transporte pesado for eletrificado. Até agora no Brasil, porém, esse cenário é incipiente. Mas uma empresa está tentando mudar isso.
A Eletra, sediada em São Bernardo do Campo (SP), faz retrofit de ônibus e caminhões, que podem chegar a dimensão de uma jamanta ou de uma cegonheira (aqueles que transportam carros). "Hoje, os motores têm força e autonomia para fazer o serviço. Além disso, aumentam a vida útil dos veículos e evitam gerar mais lixo industrial", opina Iêda de Oliveira, diretora executiva da fábrica.
Um caminhão a diesel, em geral, é utilizado por de 5 a 8 anos por grandes corporações e depois revendidos. Apesar de rodarem nas mãos de outra pessoa ou empresa, a conta da pegada de carbono dele continua sendo contabilizado para a primeira compradora do veículo. Por isso, fazer o retrofit desse caminhão é interessante para grandes companhias que precisam melhorar seu desempenho ambiental, afinal, a conversão zera a emissão de carbono.
É o exemplo da indústria de bebidas Ambev, que tem uma política de substituir parte de sua frota de entrega para caminhões elétricos - há um projeto de até 2023 ter mais de mil veículos tendo como fonte principal a energia solar e eólica.
A empresa também está fazendo retrofit de seus caminhões a diesel. Retrofitar custa 40% do valor de caminhão elétrico novo e duplicam o tempo de utilidade dos caminhões - o processo para um caminhão de 11 toneladas ou 8 metros de extensão custa em torno de R$ 360 mil.
A Eletra converte ônibus a combustão em elétricos ou híbridos. Como as viações do transporte público são obrigadas a trocar suas frotas a cada dez anos, o retrofit, além de ampliar o tempo de uso do ônibus, ajuda ainda a diminuir a poluição nas cidades, tanto sonora quanto aérea.
Os motores elétricos estão tão avançados e especializados que há projetos de aviões pequenos e barcos grandes com propulsão elétrica. Tem até a Fórmula E de automobilismo só com motores que não roncam, mas aceleram tanto quanto os movidos por combustíveis fósseis. Foi-se o tempo que só empilhadeiras e carrinhos de golfe usavam os motores a eletricidade.
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