Lugar de mulher é na tecnologia: conheça a atuação do M.I.N.A.s
É difícil não ser afetada pelo brilho nos olhos de Amanda Lopes e Andressa Cerqueira, analista e consultora de inovação no Porto Digital, respectivamente, ao vê-las falar sobre os resultados do M.I.N.A.s (Mulheres em Inovação, Negócios & Artes). O programa do Porto Digital, parque tecnológico de Recife, capital de Pernambuco, completa 2 anos em 2020 e ganhou projeção nacional com um empurrão não planejado do distanciamento social. O principal objetivo da iniciativa é a inserção das mulheres no mercado de tecnologia da informação e comunicação, além da economia criativa.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) do IBGE, divulgada em 2018, mostrou que somente 20% dos profissionais contratados no Brasil da área de TI são mulheres. E os dados ficam ainda mais incoerentes quando vemos que estas mulheres de TI têm grau de instrução mais elevado do que os homens do mesmo setor, mas, ainda assim, recebem 34% menos do que eles. A intenção do programa é exatamente "virar o jogo" dessa realidade.
"Sabemos que há um longo caminho a ser percorrido, mas é incrível perceber que a gente já conseguiu construir um legado. De fato, mulheres passaram a entrar mais para a área de tecnologia por causa da gente, que é o objetivo 'core' (principal) do programa. Conseguimos ver o impacto da iniciativa ao observar as meninas que passaram pela gente em diferentes ações e isso nos deixa muito feliz", comemora Amanda.
Um dos resultados mais marcantes do trabalho da equipe M.I.N.A.s foi a criação da Creche Municipal Porto Digital do Recife, inaugurada em fevereiro deste ano. Em parceria com a Prefeitura de Recife, o local acolhe crianças de 1 a 3 anos de idade e tem como objetivo apoiar o retorno das mães ao mercado de trabalho. O público-alvo é formado pelas mulheres das empresas do parque e da comunidade do Pilar, localizada no Recife Antigo, nos arredores do Porto, e o equipamento é gratuito.
"Ver a mudança que você consegue proporcionar na vida das mulheres é algo muito forte. Um grande marco na nossa história aconteceu esse ano: a gente conseguir colocar uma creche no meio do parque tecnológico. Conseguimos articular e demonstrar que existem demandas específicas dessas mulheres que precisam ser atendidas. E as empresas precisam delas", aponta Andressa.
Elaine Manoelle Gomes, de 27 anos, é uma das mulheres que teve a vida atravessada pelas ações do M.I.N.A.s. Apaixonada por tecnologia e pelo debate de gênero, a engenheira de software conheceu o programa através das redes sociais. Há um ano, ela foi convidada pela organização para ser mentora técnica de um hackathon - maratona de programação - inteiramente produzido e protagonizado por mulheres. Ela também foi palestrante na 2º edição do evento "Meetup das Minas", no qual pôde contar um pouco sobre sua experiência na área de tecnologia.
"Lembro que o sentimento quando conheci o M.I.N.A.s foi, de cara, de pertencimento. A alegria por saber da existência de outras mulheres na área de tecnologia, que também tinham, não só os mesmos anseios, mas a mesma gana de mudar essa realidade machista fez com que eu me sentisse integrada. Nasci, fui criada e ainda moro em periferia, sei que minha existência e resistência nessa área também representa o recorte de classe, e inspira gente que carrega e sofre com os mesmos estereótipos e estigmas que eu", acredita Elaine.
A ideia é a semente, mas como o programa se sustenta e organiza para fazer a diferença? Para além das parcerias com instituições públicas e privadas, o M.I.N.A.s se articula através do tripé: sensibilização, qualificação e fomento. Palestras e debates, oficinas e uma cartilha fazem parte da primeira etapa; para a qualificação, curso técnico em tecnologia co-branded, cursos de introdução e atualização técnica, workshops; e, por último, maratonas de ideação e desenvolvimento, qualificação empreendedora, programa in-company e reinserção pós-licença maternidade.
Isolamento expande alcance da mensagem
"O futuro está sendo programado pela tecnologia e as mulheres estão ficando de fora." A frase inicia a apresentação institucional do programa e ressalta os efeitos da desigualdade de gênero, que ainda cria um abismo à "Black Mirror" no mercado de TI em pleno 2020. Mas o programa tem feito sua parte pela conscientização e a mensagem tem alcançado novos portos com a digitalização de muitas das discussões.
Não podemos dizer que os números falam por si, pois, em iniciativas humanas, o toque subjetivo na vida de cada uma das pessoas envolvidas tem um peso impossível de ser contabilizado. Mas algumas das estatísticas evidenciam a ampliação do alcance da mensagem. De acordo com as responsáveis pelo programa, foram quase 4 milhões de visitas à página do M.I.N.As no período de quatro meses, 117.400 visualizações dos conteúdos e mais de 351 mil pessoas impactadas através das redes sociais.
"É muito importante esse reconhecimento, ser uma referência nacional. Muita gente conhece o nosso trabalho e a gente viu que existe a possibilidade de integrar as mulheres da nossa rede sem a barreira física. A gente consegue reunir num meetup (encontro de grupos) online pessoas que talvez nunca fosse nos comparecer a um presencial", esclarece Amanda.
Andressa acrescenta que as circunstâncias - o distanciamento social devido à proliferação do novo coronavírus - permitiram que elas vislumbrassem caminhos que antes não eram considerados.
"Acho que estávamos muito apegadas ao nosso ambiente físico porque o Porto Digital é legal. Mas percebemos que poderíamos escalonar nossa rede para além da cidade do Recife. [Por exemplo] Transformamos o programa de empreendedorismo para o modelo digital, então a gente consegue fazer maratonas de ideação com mulheres de estados diferentes e elas entram num programa de pré-incubação no qual cada uma está na sua casa em realidades totalmente diferentes, mas que conseguem se integrar", explica.
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